ASSINE
search button

Haroldo Lima: Petróleo e Petrobras no desenvolvimento futuro do Brasil

Consultor enfatiza importante papel da estatal para o desenvolvimento da economia nacional

Compartilhar

O consultor do setor de petróleo e gás e ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Haroldo Lima, publicou um artigo na edição de março da Revista Princípios, sobre o papel fundamental das atividades da Petrobras para o desenvolvimento do país. Lima destaca o setor petrolífero a partir de números do Produto Interno Bruto (PIB), que não deixa dúvida da dependência da economia nacional deste setor. 

"A Petrobras é o carro chefe do setor e seu papel estratégico para o desenvolvimento nacional é algo que não pode ser menosprezado. Num momento em que a empresa sofre inúmeros ataques, é dever das forças progressistas encabeçar a luta em sua defesa. Está em jogo o interesse nacional", analisa o consultor já na abertura do seu artigo.

Leia aqui a matéria na íntegra

Haroldo Lima escreve que:   

O tema do desenvolvimento continua em pauta. Desenvolvimento no sentido amplo, econômico, social, político, cultural, ecológico, “síntese de várias determinações, unidade de multiplicidade” – em formulação de Marx. Mas seu ponto de partida é a retomada do crescimento econômico. No passado, tivemos expressivo crescimento, e do fim da Segunda Guerra Mundial até os primeiros anos da década de 1960, fomos um dos países que mais cresceram no mundo. Nos 15 anos que vão de 1948 a 1962, crescemos a uma média de 7,6% a.a., atingindo 10,8% em 1958. Entre 1970 e 1973, no chamado “milagre”, mantivemos um patamar de 11,9% a.a., cravando 14% em 1973. Na década “perdida” de 1980, tivemos um crescimento de 1,95% a.a., com um ano de recessão, 1981 (-4,3%). O período de oito anos de Fernando Henrique também foi de crescimento baixo. Excluindo 1998, de recessão (-0,1%), nos demais sete anos a média foi de 2,7% a.a. Dos oito anos com Lula na presidência, dois foram de recessão, 2003 e 2008 (-0,2% em cada), e o crescimento dos seis restantes de 4,9% a.a., com 7,5% em 2010. Com base em prognóstico do Banco Central, podemos admitir que a média de crescimento no primeiro governo de Dilma, de 2011 a 2014, será de 1,75%. Este número tem como pano de fundo a crise iniciada em 2008, a maior dos últimos 80 anos. Apesar disso, de 2008 a 2013, o Brasil foi a sexta economia que mais cresceu no G20. E no primeiro governo Dilma não houve recessão. Não por acaso. O governo manteve o emprego, o salário e os direitos. Gerou 5,5 milhões de novos empregos (o dobro que FHC em oito anos), sustentou o salário mínimo e os direitos sociais. Agora, para a manutenção desses fatores é fundamental a retomada do crescimento.

Petróleo e Petrobras no desenvolvimento do país 

É conhecida a pujança da indústria do petróleo na economia brasileira. Sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) era de 3% no ano 2000, saltou para 12% em 2010 e provavelmente fechará 2014 em torno de 13%. Mais de 70 petroleiras tem presença no Brasil, mas a Petrobras é, de longe, o carro chefe do setor. Sua política de conteúdo local tem contribuído para o crescimento de empresas. Quando Lula assumiu em 2003, a indústria naval tinha dois estaleiros e 7.465 trabalhadores. Em 2014 já contava com 10 estaleiros, 80 mil empregos diretos e 320 mil indiretos. As reservas petrolíferas estavam em 14 bilhões de barris de petróleo quando foram descobertas as gigantescas acumulações do pré-sal, em 2007. Cresceu também a produção. Quando do primeiro choque do petróleo, em 1973, importávamos quase 80% do petróleo que consumíamos e produzíamos cerca de 150 mil b/d. Em 2002, este número foi para 1,5 milhão e chegou a 2,4 milhões de barris/d no final de 2014. A Petrobras, que em agosto de 2013 era responsável por 93% dessa produção, tem uma exuberante história de lucratividade. Entre 1995 e 1999 – anos de governos de FHC – seu lucro foi pequeno, R$1,19 bilhão/a, mas, nos três últimos anos desse mesmo governo, foi de R$6,93 bilhões/a, seis vezes maior. Nos oito anos dos governos de Lula, o lucro da empresa foi a R$25,5 bilhões/a, passando pelo recorde de R$35,19 bilhões, em 2010. No governo de Dilma, a média dos lucros de 2011, 2012 e 2013 foi de R$25,96 bilhões, maior que a estupenda média dos governos Lula – média que cairá em 2014. É nessa empresa de tão brilhante trajetória que, de repente, se identifica uma quadrilha dilapidando seus bens.

De logo afastemos a ideia de que a corrupção atingiu a Petrobras por ser ela uma estatal e que isto é coisa desse governo. A Enron, norte-americana, não era estatal e foi à falência em meio a enormes escândalos. Desvios de dinheiro maiores que os da Petrobras ocorreram há pouco, em negócios de trens e metrôs de São Paulo, todos em governos do PSDB. O quadro, entretanto, é lastimável. Já foram presos três ex-diretores da Petrobras e mais de 20 dirigentes de empreiteiras. Só um funcionário concordou em devolver R$225 milhões! Na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, foram gastos mais de R$200 bilhões, suspeitando-se de desvios que podem ultrapassar R$11 bilhões. A empresa não conseguiu apresentar Balanço auditado. Nos EUA, foram abertas 11 ações contra a empresa, o que só foi possível porque a maior parte do capital que a União tinha na companhia foi vendida em Nova Iorque, na época de FHC. A companhia ficou submetida à legislação americana, além de ter ficado com mais capital privado que estatal. A luta contra a corrupção na Petrobras deve ser feita “doa a quem doer”, como disse Dilma. Quando veio a público uma relação de 23 empresas brasileiras ligadas ao esquema corrupto, a Diretoria da Petrobras suspendeu, temporariamente, relações contratuais com todas elas. A legisla- ção brasileira veda a possibilidade de firmar contrato público, para empresas que forem consideradas “inidôneas”. A situação pode envolver interesse nacional e extrapolar o âmbito jurídico, razão pela qual as providências não podem ficar sob a alçada exclusiva de delegados, promotores e juízes. A lista das 23 empresas, por exemplo, inclui todas as maiores companhias nacionais de construção pesada. No Brasil, o capital financeiro e as empreiteiras abusam do poder que têm, e a punição aos diretores e funcionários comprometidos com a corrupção deve ser exemplar. Mas, se as empresas forem excluídas do mercado, estaríamos entregando a construção pesada a companhias estrangeiras. Os interesses nacionais não teriam sido salvaguardados. E passaríamos a ideia tola de que achamos nossos empresários corruptos e os estrangeiros vestais impolutos. A ação de salteadores na estatal teve um grave impacto O valor de mercado da Petrobras, que em 2011 chegou a R$413 bilhões, despencou para R$184 bilhões. Mas a empresa faturou R$370 bilhões em 2013. É o “capital fictício”, de que falou Marx, que circula nas Bolsas e reflete o curto prazo das empresas. Não representa seu capital real, e a autonomia com que flutua, ainda segundo Marx, “reforça a ilusão de que é um verdadeiro capital ao lado do capital que representa”. Caem os preços do petróleo, muda a conjuntura A partir do segundo semestre de 2014, fato de grande magnitude impactou o negócio do petróleo – a queda do seu preço. Este que, em junho do ano passado esteve em US$112 /b, em outubro estava em US$90 /b e chegou a US$45 /b no meio de janeiro de 2015. Uma queda de cerca de 60% em seis a sete meses.

Variadas são as causas dessa reviravolta. A demanda dos combustíveis no mundo se enfraqueceu. Os EUA querem prejudicar a Rússia, o Irã, a Venezuela – grandes produtores. As fontes alternativas cresceram. Mas o fator decisivo foi o aumento exponencial da produção americana do shalegas e do shaleoil. Os EUA são os maiores consumidores de petró- leo do planeta – 21 milhões de b/d –, mas estavam também entre os maiores importadores dessa maté- ria-prima. Novas tecnologias permitiram a liberação de enormes quantidades de gás e óleo de folhelhos. E a maior economia do mundo, que em 2005 importava 60% do petróleo que consumia, foi diminuindo drasticamente sua dependência. A ascensão dessa matéria-prima não convencional fez a oferta ultrapassar a procura. Esperava-se que, para manter os preços, a OPEP reduzisse sua produção, como há 30 anos fazia, mas, desta vez, o cartel manteve sua produção. O preço do óleo desabou. A economia mundial, em curto prazo, será beneficiada com a queda do preço do óleo, os países exportadores não. O consumo do combustível fóssil aumentará, as condições da vida e o meio ambiente sofrerão. Os preços de produção do hidrocarboneto variam de acordo com as condições da bacia produtora. Na Arábia Saudita, a produção adicional de um barril sai por US$2/b, a produção do shaleoil americano oscila em US$60. No pré-sal brasileiro, admite-se que esse custo fique em torno de US$45/b. Projetos que produzem petróleo caro começam a se retrair. Nos EUA, de 50 a 60 deles já foram desativados (Valor Econômico, 09-01-2015). A OPEP garante que aprodu- ção de seus associados prevalecerá pelo menos no primeiro semestre de 2015. Segundo o Bank of America, a OPEP poderá esticar sua política por dois anos, o preço do barril do óleo pode baixar até US$40/b e, depois, sua estabilização pode se dar entre US$64/b e US$69/ b (Jornal do Comércio, 08- 01-2015). Conforme assevera um estudo de Duque Dutra (especialista da ANP), “o petróleo abaixo de US$50 não tem concorrente”, e os projetos alternativos de energia, de biocombustíveis, de eólicas, solar e outros só se desenvolveram “na base do alto preço do petróleo”.

Ações possíveis na nova situação É nesse quadro que se colocam a retomada do crescimento brasileiro e o papel do setor do petróleo e da Petrobras. Três medidas se destacam. A primeira é a realização da 13ª Rodada de Licitações de Blocos Exploratórios da ANP, já aprovada pelo CNPE, mas ainda não convocada. Estando a economia do país necessitando de impulsos, seria importante que essa rodada contivesse blocos promissores e fosse feita sem delongas, principalmente depois dos prejuízos causados ao setor, a partir de 2008, pela ausência de rodadas por cinco anos. A segunda vem na linha da concentração de esforços da Petrobras. No passado, para se concentrar, a estatal, por vezes, transferiu a operação de campos secundários, por exemplo, na Bahia, para outras empresas, através de “cessões de direitos” ou contratos de produção. Isto ainda é possível, exceto no pré-sal, onde a Petrobras é operadora única. Daí que a petroleira necessita abrir mão de atividades não fundamentais, dispersas pelo país. Esse comportamento não só permite à Petrobras concentrar esfor- ços, como vem ao encontro de uma necessária política governamental para fortalecer os produtores de petróleo independentes brasileiros, dispostos a revitalizar a produção em campos menores, operados pela estatal, em terra ou em águas rasas. A terceira medida necessita de uma reflexão maior. As dificuldades do momento tendem a obscurecer a enorme potencialidade do setor petrolífero e da Petrobras no Brasil, e a favorecer proposições retrógradas. Destas, uma é a que propõe o fim da partilha no pré-sal. Aparece na mídia conservadora e já se transformou no PLS 417/2014, apresentado ao Senado pelo líder do PSDB, Aloysio Nunes. O senador tucano é claro ao defender o fim da partilha no pré-sal, mas não é claro quando explica sua posição. A Justificação do PLS 417/2014 usa uma linguagem metafórica – “matamos a nossa galinha dos ovos de ouro” – que não demonstra nada. Quando tenta fazer a crítica concreta da partilha, diz que a mesma, “em primeiro lugar (...) estipula que a Petrobras teria participação mínima de 30% em todos os consórcios” – o que mostra que não compreendeu o que é a partilha.

A partilha da produção, como está definida na Lei 12.351/2010, é um regime de exploração e produção no qual o petróleo extraído é de propriedade da União, e não do concessionário, como na concessão, e o contratado apropria-se do custo em óleo na proporção estabelecida no contrato. A lei, depois de definir o que é a partilha, estabeleceu também, em seu art. 4º, que a Petrobras será a operadora única no pré-sal, razão pela qual tem que participar com um mínimo de 30% dos consórcios vencedores. O PLS 417/2014 pretende acabar com a partilha, mas não faz nenhum comentário sobre a mesma. Volta-se contra o fato de a Petrobras estar como operadora única. A partilha da produção não é criação dos brasileiros, já existe em diversos países. Diferentemente da concessão, usada quando há risco exploratório elevado e quantidade incerta de óleo a ser encontrado, a partilha predomina nos locais de baixo risco e de muito petróleo. Além de assegurar mais vantagens à Nação, permite ao Estado o controle da produção, para prevenir o “mal da abundância”, que pode ameaçar a industrialização do país. A partilha no pré-sal deve continuar, sem sombra de dúvidas. Finalmente, a retomada do desenvolvimento no Brasil não pode prescindir de ampliar a exploração do pré-sal. Aí, cabem considerações. A Petrobras, com o óleo que tem em Libra, no entorno da Cessão Onerosa e em campos sob concessão como Lula, Sapinhoá e outros, tem, no pré-sal, algo como 40 bilhões de barris de óleo. Poucas empresas do mundo têm retaguarda tão poderosa. Mas, para explorar e desenvolver essas áreas, a petroleira deve cumprir os contratos com a ANP e fazer outros investimentos altos. Seu orçamento até 2018 é de R$220,6 bilhões. Ampliar a exploração do pré- sal implica não protelar demasiadamente nova licitação na área. E aí uma questão se coloca. O marco da partilha é conhecido, as grandes empresas convivem com ele em diversos países. Mas, com os altos investimentos que tem que fazer e com as dificuldades de caixa do momento, pode a Petrobras ser obrigada a arcar com 30% dos dispêndios de todos os eventuais consórcios vitoriosos em futuros leilões do pré-sal? Outra hipótese é não se fazer leilão no pré-sal porque a Petrobras não pode assumir as obrigações previstas em lei. Mas isto seria pôr em segundo plano os interesses da Nação. Este problema decorre não da partilha, mas de ser a Petrobras a operadora única no pré-sal. A ideia de pôr a Petrobras como operadora única do pré-sal foi encaminhada ao Congresso em agosto de 2009, por decisão da Comissão Interministerial de oito membros, criada pelo governo Lula para examinar o que fazer no pré-sal. Membro dessa comissão, fui ardoroso defensor da partilha e da Petrobras como operadora única. Mas, a cotação do barril de petróleo na época era alta. Em 11 de junho de 2008 chegou a US$144/b. E, conforme admitia um estudo da EPE, o preço poderia chegar a US$200. A lucratividade para o negócio seria enorme e a Petrobras poderia arcar com esses dispêndios. Hoje a situação é completamente diferente. O barril oscila entre US$40 e US$50. Especula-se que, se cair mais, podem ser inviabilizados projetos novos no pré-sal. Se bem que, antes de inviabilizar projetos no pré-sal, inviabilizaria o shaleoil americano. De qualquer maneira, a atratividade do pré-sal continua, mas diminuiu. A crise passará e as grandes oportunidades não podem ser perdidas.

Não podemos dispensar, em um prazo médio, novas explorações no pré-sal. Seria o caso de se ajustar a legislação às condições atuais – o que poderia acontecer definindo a Petrobras não como operadora única do pré-sal, mas como sua operadora preferencial. A estatal poderia abrir mão, com justificação por escrito e ouvindo o CNPE, de operar blocos que não fossem os mais importantes, só tendo que investir em blocos prioritários. Com isso, grandes empresas poderiam se sentir mais atraídas para participar da partilha da produção no pré-sal brasileiro.

* Haroldo Lima é membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, consultor da área de petróleo e foi diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)