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Redução da maioridade penal é retrocesso, diz especialista

Eduardo Cunha, que criou comissão para avaliar proposta, se diz favorável à medida 

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O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, deve instalar na próxima quarta-feira (8) a comissão especial para elaborar parecer sobre a proposta de redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Cunha já se declarou "pessoalmente favorável" à medida. Diferentes organizações como a OAB, a ONU e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs já tinham se manifestado contra a proposta, quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ) aprovou, na tarde desta terça-feira (31), com 42 votos a favor e 17 contra, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal. Apesar de parecer à primeira vista, para alguns, uma solução para o problema da criminalidade, não é exatamente isto que a proposta garantiria, destacam especialistas e associações. 

Edna del Pomo, professora do Departamento de Sociologia da UFF, em conversa com o JB por telefone, comentou sobre a impressão que a sociedade pode ter de que a medida seria positiva para lidar com os índices de criminalidade entre os menores, e classificou a tentativa de redução da maioridade penal como um retrocesso. Para ela, a ação dos deputados se assemelha mais a uma atitude para tentar apaziguar a sociedade, que não vai efetivamente resolver o problema. 

Casos como o do grupo de menores que iniciou uma rebelião no Educandário Santo Expedito (ESE), que faz parte do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), em Bangu, Zona Oeste do Rio, na semana passada, ressalta a professora, revelam que o problema é que o tratamento proposto atualmente não está sendo cumprido. Aumenta o número de crianças apreendidas, mas não se resolve a questão do crime e nem se dá conta da situação desses jovens. 

"A pena não resolve a questão do crime, isso já é um dado. O Brasil hoje está em quarto lugar na taxa de aprisionamentos. Então, quando você diminui essa maioridade penal, significa que você vai aumentar o número de prisões, vai criminalizar mais ainda", comenta. 

Edna del Pomo, que criou a disciplina Sociologia Penitenciária na UFF, estuda o sistema carcerário há anos. Ela chama a atenção para o impacto do roubo de um relógio nas ruas por um menor e o impacto do roubo de um grande fraudador, como o caso de Jorgina de Freitas, acusada de desviar R$ 1,2 bilhão do INSS. "As pessoas não sentem tanto como o crime de um fraudador do INSS as atinge, mas sentem diretamente o de um menor de rua." Daí a possibilidade da existência de um clamor popular por soluções para a criminalidade. Criar um mecanismo para reduzir a maioridade penal, contudo, já seria um "retrocesso".

"Os países que diminuíram estão repensando isso, que realmente não resolve. Eu acho que (essa proposta na Câmara) é muito mais uma atitude para tentar apaziguar a sociedade, que está numa fase muito difícil, com todo mundo muito inseguro em relação à desemprego, inflação. É uma medida mais para mostrar que eles estão fazendo alguma coisa. É uma resposta a isso (índices de criminalidade), mas que, na prática, não vai surtir efeito", acredita.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) se posicionou sobre a aprovação da proposta na Comissão da Câmara, destacando que a redução da maioridade penal avança os ataques ao trabalhadores, negros, jovens e moradores de periferia. "Os mesmos feitores que nos chicoteavam para agradar seus senhores, travestem-se e, agora, querem ampliar sua perseguição contra nossa gente. Iremos às ruas contra a PEC 171 e o genocídio da população mais pobre. O cativeiro acabou! Não passarão!", dizia publicação em perfil do MTST em rede social.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também divulgou nota contra o projeto, chamando a atenção para a "eminência de sofrermos um terrível retrocesso no sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente brasileiro". "Temos um arcabouço jurídico que conceitua e condena estes jovens, mas que nunca foi aplicado integralmente e, como demonstram as pesquisas mais recentes, cada vez mais jovens estão sendo privados de sua liberdade em locais onde não há condição alguma para a sua ressocialização, assim a impunidade não é justificativa para as penas mais pesadas e a imputabilidade não existe como querem fazer crer especialistas conservadores do Congresso."

O movimento para redução da maioridade já era antigo, assim como a reação das mais diversas entidades contra isto. Em 2013, por exemplo, movimentos sociais, ONGs, intelectuais e juristas já haviam lançado um Manifesto Contra a Redução da Maioridade Penal, assinado por nomes como Fábio Konder Comparato, Marilena Chauí; o desembargador Tribunal de Justiça de São Paulo, Alberto Silva Franco; o bispo emérito de São Félix do Araguaia, Pedro Casaldáliga, entre outras entidades.

"Os dados do sistema carcerário nacional – em que 70% dos presos reincidem na prática de crimes - demonstram que essas mesmas 'soluções mágicas' só fizeram aumentar os problemas. O encarceramento das mulheres cresce assustadoramente e, com relação às crianças e adolescentes, o que se vê são os mesmos problemas dos estabelecimentos direcionados aos adultos: superlotação, práticas de tortura e violações da dignidade da pessoa humana. Reduzir a maioridade penal é inconstitucional e representa um decreto de falência do Estado brasileiro, por deixar claro à sociedade que a Constituição é letra-morta e que as instituições não têm capacidade de realizar os direitos civis e sociais previstos na legislação", dizia um trecho do Manifesto Contra a Redução da Maioridade Penal.

Votaram contra a proposta na Câmara o PT, o Psol, o PPS, o PSB e o PCdoB. Foram favoráveis o PSDB, PSD, PR, DEM, PRB, PTC, PV, PTN, PMN, PRP, PSDC e PRTB. Partidos com deputados contra e a favor foram o PMDB, PP, PTB, PSC, SD, Pros, PHS, PDT e PEN.

No exame da admissibilidade, a CCJ analisou apenas a constitucionalidade, a legalidade e a técnica legislativa da PEC. Agora, a Câmara cria a comissão especial para examinar o conteúdo da proposta. A comissão, que deve ser instalada na próxima semana, terá 26 membros titulares e o mesmo número de suplentes. Serão 40 sessões de debates antes da proposta ser levada ao plenário da Câmara, para dois turnos de votação, e então seguir para o Senado, onde será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e depois pelo Plenário, onde precisa ser votada novamente em dois turnos.

Se o Senado aprovar o texto como o recebeu da Câmara, a emenda é promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado. Se o texto for alterado, volta para a Câmara, para ser votado novamente.

Antes da aprovação na CCJ, o relator da PEC, deputado Luiz Couto (PT-PB), voltou a frisar que era contrário à admissão da proposta, porque a medida fere direitos e garantias fundamentais, que não podem ser modificados por emendas à Constituição. "A PEC é inconstitucional, ela visa reduzir um direito individual, o que é expressamente proibido."

Couto ressaltou que a Constituição considera os menores de 18 anos inimputáveis apenas do ponto de vista do Código Penal, porque já existem penalidades previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) para adolescentes entre 12 e 18 anos.