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Tráfico no Rio tem grande influência no homicídio de jovens, diz sociólogo

Brasil é o sexto país que mais mata jovens no mundo

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No relatório Mapa da Violência, em todos os anos desde 2006 até 2011, o Rio de Janeiro foi a capital mais violenta, com maior número de homicídios. Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), autor do relatório, diz que "o Rio é a capital do crime" e por isso, nesse caso, realmente o aumento de homicídios está extremamente relacionado a organizações criminosas e ao tráfico. Porém, nas outras cidades, ele é reticente a dar importância somente a esse fator.

Em 2006, foram 2,846 assassinados no Rio, contra 2.556 em São Paulo, 1.175 em Belo Horizonte e 273 em Vitória, capitais do Sudeste. Em 2006, o número cai para 1.476, enquanto São Paulo tem 1.347 mortos, Belo Horizonte, 961, e Vitória 187. 

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“As organizações criminosas e o tráfico de drogas são sim um dos grandes fatores, mas não o maior. Existe uma tendência internacional de colocar todo a culpa da violência no tráfico de drogas e isso deixa de lado que existe toda uma violência de proximidade, intrafamiliar, onde pessoas,  por motivos fúteis e banais matam o próximo”, diz o sociólogo. Segundo ele, uma pesquisa recente analisou seis estados e chegou a conclusão que praticamente metade dos assassinatos não eram relacionados a queima de arquivo ou tráfico. Isso remete novamente à conclusão da Unicef, da cultura da violência, onde sociedades com altos índices de homicídio são aquelas com normas sociais  que toleram a violência como forma aceitável para resolver conflitos. 

Um relatório do Unicef, porém,  relaciona diretamente o número de jovens, especialmente homens, com atividades criminosas. O Brasil é o sexto país com a maior taxa de homicídios entre jovens de todo o mundo e o quinto na América Latina. O país perde para todos os países do Oriente Médio e para quase todos da África, menos a Lesoto, que sofre uma crise política há dois anos com conflito armado. No Brasil, 17 jovens são assassinados a cada 100 mil pessoas, segundo um relatório publicado pelo Unicef na semana passada. Os países que estão à frente são El Salvador, que lidera a lista com 27 mortes a cada 100 mil pessoas, Guatemala (22), Venezuela (20), Haiti (19), Lesoto (18).

Quando se trata de jovens do sexo masculino, a situação é ainda mais crítica, porque eles estão mais propensos a sofrer mortes violentas. Quando se fala de homicídios, 95 mil crianças e jovens até 19 anos foram assassinadas em todo mundo. A América Latina lidera o ranking com mais homicídios contra jovens: em 2012, mais de 25 mil foram mortos, numa média de 12 homicídios a cada 100 mil habitantes. Cerca de 30% de todos os homicídios são relacionados ao crime a facções criminosas e dois terços são cometidos com armas de fogo, segundo o relatório. 

Homens são 70% dos jovens assassinados, em todo o mundo. A diferença de gêneros é constatada em todo o mundo, porém, na América Latina, as diferenças são ainda mais gritantes: nessa região, garotos têm sete vezes mais chances de serem mortos do que garotas. Os autores dos crimes também se diferenciam. Quase metade (47%) das mulheres é morta por parentes ou companheiros, o que demonstra crimes passionais. Já nos homens, esse índice cai para 6%. Homens são mais propensos a serem mortos por estranhos, o que pode estar relacionado com atividades criminosas.  

Em 2012, cerca de 8.8 milhões de crianças, adolescentes e jovens, menores do que 20 anos morreram. O número de mortes consequência de alguma violência (aqui entendida como espancamento, agressões, negligência) aumenta concomitante ao aumento da idade. Até os nove anos, 85% das crianças morrem por causa da doenças, e não há muita diferença de sexo. Quando as crianças entram na segunda década de vida, entre 10 e 14 anos, os dados mudam. As mortes decorrente de violência passam a corresponder por 28%. Entre as idades de 15 e 19 anos, esse número chega a 44%.

O relatório diz que a renda per capita nacional é uma variável importante que pode influenciar os níveis de homicídio dentro de um país, incluindo entre o segmento mais jovem da população. “Outros fatores incluem desigualdades econômicas ou sociais, a disponibilidade de armas de fogo, baixos padrões de educação, ineficácia do Estado, alto níveis de crime e a presença de gangues”, diz o relatório. Entre os fatores culturais, o relatório destaca “normas sociais  que toleram a violência como uma forma aceitável para resolver conflitos, que dão prioridade à direitos dos pais sobre o bem-estar da criança e a dominação do homem sobre a mulher”. 

É interessante perceber também que o Brasil mal aparece nos rankings de violência contra jovens mulheres, contra grávidas e violência sexual. O maior problema do país é realmente a violência contra jovens homens e, segundo outro relatório, negros. Justamente o perfil daqueles da periferia das grandes cidades. 

Para Jacobo, uma particularidade do Brasil é que a violência está se irradiando pelo país, saindo das capitais e indo para o interior.A situação lembra um pouco a UPP no Rio de Janeiro, que “pacificou” os morros por algum tempo, mas a violência na região metropolitana do Rio aumentou e aos poucos se vê a violência e as guerras voltando para as favelas.

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“Eu duvido muito que as UPPs consigam algo concreto. Conseguiram que a violência migrasse para outras zonas. A menos que faça UPP em todos as cidades de todos os estados, a violência só vai mudar de lugar”, pondera o professor. Para ele, falta um plano nacional de combate à violência.

”Eu não sei exatamente qual estratégia, mas ela tem que  nascer de um pacto federal. Não há nenhuma articulação enquanto política de enfrentamento da violência, cada estado tenta cuidar de um jeito. Em geral as políticas de enfrentamento são centradas na repressão. Aí temos uma das maiores populações carcerárias do planeta, mas a violência e criminalidade não diminuem. Não é a repressão  como fazemos, o ideal”,  diz ele, comentando ainda a redução da maioridade penal.

“Pelas pesquisas que temos, não há nenhuma correlação da ‘mão dura’ com os jovens e a  melhoria das condições de criminalidade. A América Central, por exemplo, é o epicentro internacional da violência juvenil, a política de mão dura só originou mais violência, e tornou esses países o que eles são hoje”, finaliza. 

Mortes violentas e a juventude negra

Os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens de 15 a 24 anos no Brasil e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. Dados do Ministério da Saúde mostram que mais da metade dos 52.198 mortos por homicídios em 2011 no Brasil eram jovens (27.471, equivalente a 52,63%), dos quais 71,44% negros (pretos e pardos) e 93,03% do sexo masculino.

As informações são do relatório Mapa da Violência, que tem uma contagem ainda mais preocupante. Em 2011, a taxa de homicídios da população geral era de 27,1 a cada 100 mil habitantes, enquanto  a taxa de homicídios de jovens era de 53,4 a cada 100 mil habitantes.

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Segundo o relatório os homicídios crescem 132,1%; em segundo lugar os suicídios, que crescem 56,4%; e também os óbitos em acidentes de transporte, que aumentam 28,5%.Em 1980, foram 13.910 homicídios, enquanto em 2011 foram 52.198. O ápice dessas mortes aconteceu em 2003, quando a taxa de homicídios no Brasil chegou a 28,9 assassinatos a cada 100 mil habitantes. Depois disso, surge o instituto do desarmamento, que faz as taxas baixarem. Mas elas voltam a subir em 2007.

*Do programa de Estágio do JB