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MP abre inquérito para apurar fechamento da Santa Casa de SP

O problema é a falta de  investimento do governo federal, diz CMB

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O Ministério Público de São Paulo instaurou, nesta quarta-feira, inquérito civil para apurar a interrupção do serviço de saúde na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.Na tarde desta quarta-feira, o pronto socorro do hospital foi fechado. O provedor Kalil Rocha Abdalla disse que a falta de equipamentos como seringas, agulhas e gesso fez com que a área de emergência parasse de trabalhar. Ainda segundo Abdalla, a Santa Casa deve cerca de R$ 50 milhões aos fornecedores de materiais, que decidiram parar de entregar os equipamentos por falta de pagamento.

O inquérito foi instaurado pelas promotoras de Justiça Paula Villanacci Alves Camasmie e Paula de Figueiredo Silva, após tomarem conhecimento do caso por meio de reportagens e comunicado oficial da Irmandade. Segundo as promotoras, serão adotadas todas as medidas legais pertinentes para a garantia da continuidade do serviço público, tendo sido determinada a realização de reunião de urgência com a direção do estabelecimento.

A Secretaria de Estado da Saúde (SES) de São Paulo vai liberar imediatamente R$ 3 milhões para que a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo reabra seu pronto-socorro nas próximas horas. 

O diretor geral da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), José Luiz Spigolon, conversou com o JB sobre a questão e disse que, enquanto o governo não aumentar o orçamento para a saúde, os problemas vão continuar. “A solução ideal é aquela que a população brasileira está defendendo. Dois milhões assinaram um projeto de lei de iniciativa popular pedindo que o governo coloque mais dinheiro na saúde e o governo resiste ferozmente. Todos os especialistas em saúde pública reconhecem que o Brasil está na rabeira, o Chile, o Canadá, a Colômbia, aplicam muito mais em saúde pública do que o Brasil. Está numa situação ridícula de financiamento. Ou o governo resolve colocar mais dinheiro na saúde ou não tem solução. Não é  vontade política do Ministério da Saúde, ele não tem força política de reverter a posição do governo na área econômica”, comentou Spigolon.

Spígolon fez parte de um grupo de trabalho que, no ano passado, tentou ajudar na organização das contas do Ministério da Saúde. Ele explicou que o Ministério da Saúde tem uma tabela para os procedimentos médicos que os hospitais filantrópicos realizam, mas que esta está defasada, como afirmou a nota da SES.

“Hoje o ministério paga menos que R$ 500 para um parto normal. Esse parto, na média nacional, não sai por menos de R$ 1.200. Ou seja, o Ministério está pagando um terço do valor do parto. É exatamente essa situação, de um descompasso entre o que custa para o hospital em fazer o atendimento e o que Ministério passa, há um Gap muito significativo, especialmente nos procedimentos de media complexidade como um infarto e o próprio parto”, explica Spígolon. 

Segundo ele, até agosto do ano passado, o Ministério pagava um incentivo correspondente a 26% do valor que está na tabela, para procedimentos de média complexidade, que tem a maior procura. Se ele pagava 100 reais para um procedimento, pela tabela, dava mais 26 reais como incentivo. Ele comentou ainda que o Ministério insiste em trabalhar com incentivos e não mexer na tabela. “No ano passado, diante de uma crise gravíssima, os hospitais beneficentes chegando a dever 15 bilhões, o Ministério recebeu de nós [da CMB] dados sobre o assunto. O próprio Congresso Nacional montou uma comissão especial para estudá-los e validou esses dados, reconhecendo a defasagem e que os hospitais estão se endividando ano a ano”, comenta o diretor.

Ele informa que, em abril de 2013, o grupo de trabalho do qual ele fez parte fez estudos sobre o orçamento do ministério e chegou a conclusão que eles poderiam aumentar para 50% o incentivo. O que foi feito, ainda ano passado. Ficou programado que, para o começo de 2014, o aumento chegaria a 75% e no final de 2014, a 100%, dobrando, basicamente, o valor da tabela. 

“Só que na prática, cerca de 200 hospitais ficaram fora desse beneficio porque os secretários de saúde não conseguiram completar dentro do prazo legal, que era começo de novembro, o processo de aditivação dos contratos”, comenta ele, referindo-se ao processo de atualização das clausulas. De qualquer forma, ele lembra, os hospitais tinham que se comprometer a realizar melhorias no atendimento, o que acabava aumentando os custos.

Para Spigolon, a situação é muito difícil. São Paulo, especificamente, sofre mais por ter uma das maiores redes de atendimento. “A Santa Casa de São Paulo é o maior hospital filantrópico atendendo o SUS. Nenhum hospital público chega a fazer 20% do que a Santa Casa de Sp. Enquanto ela pode atender os pacientes, ela atende. O grande problema é que, por ser uma referencia como é a Santa Casa de São Paulo hoje, a procura não para. Mas  chegou num momento que ela não tem mais condições. Ela fechou a porta e está direcionando  para outros atendimentos porque não pode correr o risco de comprometer o orçamento dela a ponto de fechar completamente” reflete. Para ele, a crise é geral “Eu não tenho duvidas que essa situação pode estourar em outros lugares”.

O Ministério da Saúde foi procurado para comentar, mas não respondeu até o fechamento desta matéria.

 Segundo a assessoria de imprensa da SES, apesar do repasse emergencial de R$3 milhões, a Secretaria quer um exame cuidadoso das atividades desenvolvidas pela instituição. “A pasta condicionou a liberação de novos recursos à realização de uma auditoria nas contas da entidade, que ao longo dos últimos anos tem sofrido com o aumento expressivo de suas dívidas. Objetivo é ajudar a entidade a aprimorar a gestão de suas contas”, declarou a Secretaria, em nota.

Abdalla declarou que esperava a entrada de verbas, mas que não foi atendido. “Acharam que eu estava blefando. Essa é a impressão que fica”, declarou ele para a imprensa. A SES declarou ainda que “O governo do Estado de SP tem auxiliado sistematicamente as Santas Casas e hospitais filantrópicos com recursos extras. Somente neste ano pelo programa SOS Santas Casas serão R$ 571 milhões extras para 125 entidades, o dobro do valor repassado nos últimos anos para cobrir a defasagem de valores da tabela do Ministério da Saúde, congelada há anos”.

A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) informou que não é a gestora do convênio com a Santa Casa de São Paulo para manter o Hospital central da entidade, caso da SES. EM nota, porém, informou que “A SMS entrou em contato com a direção da instituição e se colocou à disposição para fornecer os medicamentos e materiais médico-hospitalares necessários para que o serviço não pare de funcionar”.

A assessoria da Santa Casa de São Paulo direcionou o contato para o assessor particular de Abdalla, que por sua vez não atendeu aos telefonemas.

Outras Santas Casas do Brasil também enfrentam problemas

A situação da Santa Casa de São Paulo lembra a da Santa Casa do Rio de Janeiro, que reabriu em junho deste ano depois de ficar fechado por seis meses, após as instalações serem interditadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em outubro de 2013. Neste mesmo mês os funcionários protestaram contra a falta de pagamento. Em maio deste ano, os funcionários reclamavam novamente de atraso de salários. 

Em agosto do ano passado, o provedor da Santa Casa do RJ, o advogado Dahas Chade Zarur, foi afastado do cargo pela Justiça, e está sendo investigado pelo Ministério Público por desvio de verbas. A crise atingiu ainda o hospital e educandário Romão Duarte, administrado pela Santa Casa. Ele e outras 23 pessoas estão sendo investigadas por  fraude e a venda de imóveis da entidade, além da negociação de sepulturas irregulares em 13 cemitérios públicos que a entidade administra.

Desde 1953 trabalhando na Santa Casa, Zarur adquiriu muitos imóveis. Em 20 anos foram 35 imóveis comprados pelo ex-administrador da instituição. Dez deles na área mais nobre do Leblon. Em abril, Zarur tentou voltar à administração do hospital, entrando com um mandado de segurança na 2ª Câmara Criminal, que foi negado.

Um município do interior de São Paulo também está com problemas na Santa Casa. A prefeitura de São Roque, acionou o Ministério Público para investigar as contas da Santa Casa de Misericórdia, esta semana. A administração pública quer provar suas acusações de irregularidades na prestação de contas do dinheiro público utilizado. 

*Do programa de estágio do JB

*Com informações do Portal Terra