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Câmara aprova Marco Civil da Internet

Segundo o texto, não será mais exigido o uso de data centers para armazenamento de dados

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Após cinco meses de polêmica e intensos debates, a Câmara aprovou hoje (25) o projeto do Marco Civil da Internet (PL 2126/11). Os deputados aprovaram o texto em votação simbólica. Desde 28 de outubro de 2013, o projeto passou a trancar a pauta da Câmara.

O projeto define os direitos e deveres de usuários e provedores de serviços de conexão e aplicativos na internet. A aprovação abre caminho para que os internautas brasileiros possam ter garantido o direito à privacidade e à não discriminação do tráfego de conteúdos. O texto agora segue para o Senado e, caso seja aprovado lá também, deverá ir para sanção presidencial.

“Hoje em dia precisamos de lei para proteger a essência da internet que está ameaçada por praticadas de mercado e, até mesmo, de governo. Assim, precisamos garantir regras para que a liberdade na rede seja garantida", disse o relator do projeto deputado Alessandro Molon (PT-RJ).

Antes da votação, um grupo de manifestantes entregou ao presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), uma petição com mais de 340 mil assinaturas a favor do Marco Civil da Internet. Na ocasião, Alves disse que o projeto já estava "amadurecido" para ir à votação.

Entre os principais pontos da proposta estão: a garantia do direito à privacidade dos usuários, especialmente à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações pela internet. Atualmente, as informações são usadas livremente por empresas que vendem esses dados para o setores de marketing ou vendas.

Agora, os provedores não poderão fornecer a terceiros as informações dos usuários, a não ser que haja consentimento do internauta; os registros constantes de sites de buscas, os e-mails, entre outros dados, só poderão ser armazenados por seis meses. O projeto também define os casos em que a Justiça pode requisitar registros de acesso à rede e a comunicações de usuários.

De acordo com o texto, as empresas não vão poder limitar o acesso a certos conteúdos ou cobrar preços diferenciados para cada tipo de serviço prestado.

Antes da votação, o governo recuou e aceitou alterar alguns pontos considerados polêmicos por parlamentares da oposição e da base aliada. O principal deles é o princípio da neutralidade de rede que assegura a não discriminação do tráfego de conteúdos. Após negociação os deputados acordaram que a regulamentação deste trecho da lei caberá a um decreto da Presidência da República, depois de consulta à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI)

Também caiu a obrigatoriedade das empresas provedoras de conexão e aplicações de internet manterem em território nacional estrutura de armazenamento de dados, os chamados datacenters.

A obrigatoriedade havia sido incluída após as denúncias de espionagem do governo brasileiro, por parte dos Estados Unidos, revelados pelo ex-consultor que prestava serviços à Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) norte-americana, Edward Snowden. Como forma de punição para a violação das comunicações, ficou assegurado no texto que deverá ser “obrigatoriamente respeitada a legislação brasileira”.

“Felizmente, o governo recuou e o relator acatou a sugestão da oposição e retirou do texto a obrigatoriedade de datacenters no território brasileiro”, disse o líder do DEM, Mendonça Filho (PE).

Outro ponto do projeto é o que isenta os provedores de conexão à internet de serem responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros. Isso só ocorrerá se, após ordem judicial específica, o provedor não tomar as providências para retirar o conteúdo da rede.

Nesses casos, o projeto determina que a retirada de material com cenas de sexo ou nudez deve ocorrer a partir de apresentação pela pessoa vítima da violação de intimidade e não pelo ofendido, o que poderia dar interpretação de que qualquer pessoa ofendida poderia pedir a retirada do material. Agora, a retirada deverá ser feita a partir de ordem judicial.

Além disso, o relator também incluiu um artigo para prever que os pais possam escolher e usar programas de controle na internet para evitar o acesso de crianças e adolescentes a conteúdo inadequado para a idade. “O usuário terá a opção de livre escolha da utilização de controle parental em seu terminal e caberá ao Poder Público em conjunto com os provedores de conexão a definição de aplicativos para realizar este controle e a definição de boas práticas de inclusão digital de crianças e adolescentes”, discursou Molon.

Após diversas negociações, o governo conseguiu com que os partidos contrários ao marco civil mudassem de ideia. O PPS foi o único partido que votou contra o projeto. O PMDB que era contra a proposta, mudou de opinião e defendeu a aprovação. "Continuo com uma parte do receio de que a internet chegou onde chegou por falta de regulação", disse o líder do partido na Casa, Eduardo Cunha (RJ), que justificou a mudança de postura como fruto de negociações do governo e da alteração de pontos considerados polêmicos no texto.  "O PMDB vai se posicionar favoravelmente ao projeto", completou.

A aprovação do Marco Civil da Internet foi vista como uma vitória pelo líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). "Eu acho que é uma vitória porque nós vivemos momentos variados, o mínimo que eu posso dizer sobre esta matéria é que houve tensões. A paciência e determinação em buscar através de um diálogo independente de quem quer que seja, isso é uma grande vitória", disse Chinaglia.

Defensores dizem que marco civil democratiza internet e traz segurança à população

A garantia da liberdade de expressão, da privacidade dos internautas e do tratamento sem discriminação por empresas são os principais avanços do marco civil da internet, de acordo com defensores do projeto (PL 2126/11). A proposta, no entanto, não vai revolucionar o cotidiano da população que acessa a internet. A intenção é evitar, por exemplo, iniciativas que possam prejudicar os usuários.

“O marco civil não vai mudar a internet, vai proteger a internet para que ela continue funcionando como vem funcionando. Ele vem para barrar essas ameaças à rede”, disse a integrante do Coletivo Intervozes Bia Barbosa.

A neutralidade é o ponto mais defendido. Esse princípio proíbe empresas de discriminar os dados dos usuários – tornando mais lento o acesso a alguns sites ou aplicativos ou vendendo o acesso por produtos (apenas e-mail, apenas redes sociais).

Para o diretor do site avaaz.org, Michael Mohallem, a neutralidade vai impedir que grandes empresas dominem o tráfego da internet. “O Google, o Netflix, o Facebook não vão poder negociar com provedores para que os seus serviços tenham privilégio na rede e sejam acessados numa velocidade superior do que o serviço de um concorrente menor que não tem como pagar”, explicou Mohallem.

Esse princípio, segundo ele, é o que permite que a internet seja um campo de inovação. “Numa internet sem neutralidade, um aplicativo inovador pode até ser lançado, mas ele não vai chegar ao conhecimento dos internautas e não poderá ser acessado livremente a não ser que pague por essa prioridade no tráfego dos dados”, disse o diretor do avaaz.org.

O Coletivo Intervozes e o avaaz.org fazem parte do movimento “Marco Civil Já”, que acompanhou de perto a votação do projeto em Plenário.

Manifestações

Bia Barbosa ressaltou que movimentos como a mídia ninja, que acompanha as manifestações que surgiram no País desde junho do ano passado, seria sufocado. “Sem a neutralidade, as teles vão cobrar para passar na frente os dados de quem paga, e o site da mídia ninja, que não tem como pagar, não vai carregar”, argumentou.

Para o relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), foi a neutralidade que permitiu a expansão e a democratização de informações pela internet. “A internet só chegou aonde chegou graças à neutralidade. Ela é a garantia de que o cidadão vai poder acessar o que quiser e não vai ser cobrado para baixar uma música ou acessar um vídeo, como as empresa querem fazer no Brasil e em outros países do mundo”, disse.

Privacidade e controle

O marco civil garante que as informações da população que trafega nas redes sociais e outros aplicativos serão apagadas, o que hoje não existe. “Hoje não há regra sobre os dados que uma pessoa coloca numa conta de e-mail, numa rede social. As empresas podem guardar e usar como define o contrato”, explicou Bia Barbosa.

Com a proposta, de acordo com Molon, quem sair do Facebook ou encerrar uma conta de e-mail tem a garantia de que os seus dados serão excluídos da rede. O projeto obriga a guarda dos dados por seis meses para que eles sejam acessados por uma eventual investigação judicial e, depois, eles deverão ser apagados. “Hoje, os internautas não são tratados como donos dos dados que inserem no seu perfil de uma rede social”, criticou.

Para o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, um dos destaques do projeto é obrigar as empresas de internet que atuam no Brasil a se sujeitar às leis brasileiras. Isso vale, por exemplo, para sites estrangeiros que vendem produtos para brasileiros ou outras empresas que fazem a intermediação de dados no País.

“Algumas empresas alegam que os dados são armazenados em outro país e, por isso, só podem ser acessados com autorização da Justiça de onde estão os dados. Agora, os dados de quem usa internet passarão a ser protegidos pela legislação brasileira. Em caso de violação, quem violou estará sujeito à responsabilização judicial”, disse Pereira.

Liberdade de expressão 

Os defensores do projeto também destacam avanços na liberdade de expressão. O marco civil impede que os provedores façam uma espécie de censura prévia dos conteúdos publicados na internet, com receio de futuros processos judiciais. A proposta, segundo a representante do Coletivo Intervozes, deixa mais claro que as empresas não serão responsabilizadas por conteúdos de terceiros e que as publicações só serão retiradas da internet por notificação judicial.

“Hoje, o Youtube pode retirar por sua iniciativa um vídeo que critique determinado programa de televisão por medo de ser processado por violação de direitos autorais. E o projeto vai tirar essa responsabilidade do site sobre conteúdo de terceiros”, disse Bia Barbosa.

Mudanças no texto permitiram votação consensual do marco civil da internet

A votação tranquila do marco civil da internet (PL 2126/11) contrariou as previsões do próprio presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, que na semana passada avisou os jornalistas que a votação do marco civil entraria madrugada adentro. Nesta terça-feira (25), no entanto, não houve qualquer medida protelatória para adiar a votação do projeto, a chamada obstrução, e a votação foi simbólica.

Na última hora, os partidos chegaram a um acordo em torno do texto do relator, deputado Alessandro Molon (PT-SP), que fez algumas mudanças. A avaliação dos líderes partidários que mudaram de posição é de que o texto é o meio-termo possível na negociação que começou no final de outubro, quando o projeto passou a trancar a pauta de votações.

A principal bancada que aderiu ao projeto foi a do PMDB, que anteriormente havia declarado voto contrário ao marco civil e apresentado um texto alternativo. O líder do partido, deputado Eduardo Cunha (RJ), disse que a mudança de posição foi fruto de muita negociação, mas admitiu que não foi totalmente convencido.

“Quando o governo sentou à mesa e buscou uma negociação, o PMDB veio para o debate. Entendemos que não estamos produzindo o regulamento ideal e, na minha opinião pessoal, não ter nenhuma lei seria o melhor para o País, mas o PMDB decidiu votar favoravelmente”, disse Cunha.

O líder do PSDB, deputado Antonio Imbassahy (BA), também defendeu o projeto. Ele disse que os deputados chegaram “no limite do possível” das negociações, que, na sua avaliação, acabaram “bem encaminhadas”.

Mudanças 

Molon tirou do projeto a obrigatoriedade de manutenção de data centers no Brasil para empresas estrangeiras com atuação nacional. “Esse ponto custaria mais para o usuário”, disse o líder do PSC, deputado Andre Moura (SE), que era contrário a esse ponto.

O relator também determinou que o decreto para regulamentação da neutralidade de rede só seja feito depois de o governo ouvir a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Comitê Gestor da Internet (CGI). O líder do SDD, deputado Fernando Francischini (PR), disse que essa mudança acaba com o “monopólio” do governo sobre o tema. “Retira essa neutralidade exclusiva do PT”, disse.

A neutralidade é um dos principais pontos da proposta, que proíbe discriminação no tráfego dos dados. Isso significa que os provedores de acesso não poderão dar privilégio para um ou outro site ou aplicativo e também não poderão vender pacotes por serviços – apenas e-mail, internet, vídeos ou redes sociais, por exemplo.

O líder do governo, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), ressaltou que o marco civil poderá ser reformulado no futuro, se assim for possível. Ele destacou que os pontos principais do texto foram mantidos depois de todas as negociações e elogiou o fato de a votação ter sido adiada na semana passada. “Passamos por turbulência nas relações políticas da Casa e, nesse período, tivemos a capacidade de evitar disputas estéreis e, mesmo na divergência, manter o diálogo”, disse.


Com Agência Brasil e Agência Câmara