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STF: Varig ganha ação bilionária contra a União

Mais de 20 mil contribuintes do fundo Aerus são beneficiados 

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O plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira (12/3), por 5 votos a 2, que a falida Varig e mais de 20 mil pessoas que contribuíram para o fundo de pensão Aerus têm direito a indenizações que chegam a cerca de R$ 6 bilhões. Prevaleceu o voto da relatora do recurso extraordinário da União e do Ministério Público Federal, ministra Cármen Lúcia, que votara, em maio do ano passado, pela rejeição do recurso e a favor do pleito da empresa e do fundo, que alegavam danos sofridos em consequência da política de congelamento de tarifas de outubro de 1985 a janeiro de 1992, instituída pelo Plano Cruzado.

Acompanharam o voto da relatora os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Ficaram vencidos Joaquim Barbosa - que proferiu seu voto-vista na sessão desta quarta-feira - e Gilmar Mendes. Estavam impedidos os ministros Luiz Fux e Teori Zavascki - que já tinham se pronunciado quando o recurso especial foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, do qual faziam parte - e Dias Toffoli - que era advogado-geral da União quando a ação tramitou nas instâncias inferiores. O ministro Marco Aurélio estava ausente, em virtude de viagem. Por não se tratar de matéria constitucional, não foi necessário o quorum mínimo de oito ministros.

Com a vitória da Varig no processo - que chegou ao STF em 2007 - o dinheiro das indenizações deverá ser usado para o pagamento de dívidas trabalhistas individuais e com o fundo de previdência Aerus, que reúne ex-funcionários e aposentados pela Varig. A falência da empresa foi decretada em 2010.

Voto da relatora

A ministra-relatora (no voto proferido no início do julgamento, em maio do ano passado) reconheceu que o governo adotou medidas emergenciais em busca de atendimento do interesse maior, adotados todos de forma geral e abstrata. Mas, segundo ela, "esses atos administrativos - e também os legislativos, submetem-se aos ditames constitucionais, como os princípios da legalidade e da responsabilidade".

Ainda de acordo com a ministra Cármen Lúcia, "é inconteste, portanto,que o Estado deve ser responsabilizado também pela prática de atos lícitos, quando deles decorrerem prejuízos específicos expressos e demonstrados para particulares, em condições que os desigualam dos demais exatamente porque teriam uma sobrecarga em relação a todos os outros cidadãos".

No caso, segundo ela, a concessionária de serviço público, caso da Varig, "não teria como não cumprir o que lhe foi determinado e, ao cumprir, assumir sozinha os danos que se sucederam, até o comprometimento não apenas dos seus deveres, que não mais puderam ser cumpridos, como dos seus funcionários, dos aposentados, dos pensionistas, cujos direitos não puderam ser honrados e que, pela delonga inclusive desta ação, estão pagando com a própria vida".

Ao ponderar que a Varig não tinha como adotar qualquer providência para se esquivar dos danos, a ministra avaliou que a situação da empresa não era igual à de outras concessionárias ou de outras empresas."Não seria assim, juridicamente razoável, impor-se a um grupo de pessoas, tanto à empresa quanto a seus funcionários, aposentados, pensionistas, ônus superiormente suportados pelas políticas adotadas em relação aos serviços concedidos, deixando os danos na conta da possibilidade ou necessidade de adoção de políticas públicas, sem a necessária resposta responsável pelas lesões específicas e comprovadas daí advindas", afirmou ela no voto proferido há quase um ano.

O parecer do Ministério Público Federal, enviado à ministra Cármen Lúcia em 2008, foi também contrário ao pagamento da indenização bilionária à Varig. O subprocurador-geral da República, Paulo da Rocha Campos, que assinou o parecer, classificou como "aberrantes" as decisões que concederam a indenização à Varig. Segundo ele, essas decisões fazem "completa abstração da realidade social que embasou o congelamento de preços". Ou seja, se as perdas ocorreram em virtude de uma política estatal, suportada por toda a sociedade não há que se falar em dever de indenização por parte da União.

Voto de Barbosa

Num longo voto, de quase duas horas, o ministro Joaquim Barbosa - que interrompera o julgamento com pedido de vista - começou por fixar as dimensões do caso, a partir da defesa de que a Varig era um caso muito particular, que se confundia com o próprio interesse nacional. Para ele, ao contrário, "é preciso ver que o patrimônio da União pertence a todos os brasileiros, inclusive àqueles que nunca tiveram oportunidade de sequer voar numa aeronave", sendo "contrassenso achar que a União deve sustentar empresa privada ou semipública".

Segundo Barbosa, a má gestão empresarial, adotada em regime de livre concorrência, foi a grande responsável pela quebra da Varig. Ele sublinhou que as medidas de combate à inflação adotadas na época eram necessárias, lembrando que, em 1985, a inflação acumulada chegara a 229%.

O ministro afirmou ainda que "havia interrelação profunda entre a Varig e o Estado brasileiro, sendo comprovada a condição especial de que gozava a Varig", acrescentando que, na época do Plano Cruzado, a Varig detinha o monopólio dos voos de empresas nacionais para o exterior. E, neste caso, não havia restrições tarifárias. "Não posso aceitar que a ruína do negócio tenha sido o Plano Cruzado e o congelamento das tarifas, mas sim a má gestão da empresa, que sempre dependeu da União. O aumento das tarifas não teria solucionado as dificuldades da Varig". E a "tentativa de salvação" da Varig, com intervenção do Estado, de nada adiantou na época. Para Barbosa, a Varig tinha "posição econômica absolutamente ímpar no mercado aéreo do Brasil", não podendo se atribuir à União a culpa exclusiva pela sua falência.

No voto-vista, Barbosa adotou o entendimento do MPF de que não se pode atribuir ao Estado prejuízos que a empresa tenha sofrido em face das medidas de congelamento de preços tomadas pelo governo, com apoio do Legislativo, numa época de inflação galopante. Assim, "não há porque indenizar A, B. C ou D, já que é preciso que o prejuízo causado por lei atinja, de modo especialmente contundente e anormal, certas categorias de pessoas ou agentes econômicos". E concluiu: "Há de se rejeitar a responsabilidade cega na União em arcar com qualquer indenização neste caso, que se baseia em contrato de concessão pública".

Os outros votos

O ministro Joaquim Barbosa foi seguido, apenas, por Gilmar Mendes, que também concordou com a tese de que não houve "nexo causal", já que a política de combate à inflação galopante, consubstanciada no Plano Cruzado, atingiu a todos indistintamente.Os ministros que seguiram o voto vencedor de Cármen Lúcia proferiram votos sucintos, limitando-se a sublinhar as razões da relatora. Ou seja, que os planos radicais de combate à inflação galopante na época foram lícitos, mas geraram - com relação à Varig e, consequentemente, à Aerus - danos irreparáveis que modificaram, profundamente, o contrato de concessão do serviço público exercido pela Varig. Assim,como ressaltou Celso de Mello, a política governamental consubstanciada no Plano Cruzado, "erigiu-se como causa dos danos à empresa concessionária", sendo claro o "nexo causal".