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Relatório do CNJ aponta crimes em prisão do MA

Documento afirma que governo é incapaz de apurar violências

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Brasília - "O Estado tem se mostrado incapaz de apurar, com o rigor necessário, todos os desvios por abuso de autoridade, tortura, outras formas de violência e corrupção praticadas por agentes públicos. Assim, indicamos a necessidade de atuação mais intensa deste Conselho com o objetivo de motivar as instituições locais para o cumprimento das recomendações anteriores deste CNJ, do CNMP e da própria OEA”.

Estes são alguns trechos do relatório sobre as condições desumanas e de rebelião promovida por facções do crime organizado no complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, entregue nesta sexta-feira (27/12) ao ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ, Douglas de Melo Martins.

Ressalte-se que somente no ano de 2013 já ocorreram 60 mortes nos presídios maranhenses, sendo que duas delas após as inspeções que resultaram neste relatório”.

Nas unidades visitadas (na inspeção de conselheiros e juízes do CNJ), o acesso a alguns pavilhões era precedido de negociação com os líderes das facções. Os chefes de plantão e diretores das unidades não eram capazes de garantir a segurança da equipe que inspecionava a unidade, sob o fundamento de que as facções poderiam considerar a inspeção em dia de visita íntima como um ato de desrespeito.

O Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deu novo prazo, até o próximo dia 9 de janeiro, para que a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, preste informações sobre a situação de Pedrinhas e do sistema carcerário do estado, em geral, sob pena de pedido de intervenção federal no estado ao STF.

São as seguintes as principais partes do relatório:

Histórico de mortes

O Complexo Penitenciário de Pedrinhas possui vários estabelecimentos prisionais em que está recolhida a maior parte dos presos do Estado. Algumas comarcas que que enviam presos para o Complexo estão localizadas há mais de 800km da capital.

Essa grande concentração de presos, principalmente com a junção de  presos do interior com os da capital, foi o principal fato motivador da criação de facções no sistema prisional maranhense. A primeira delas surgiu exatamente como medida dedefesa dos detentos do interior contra os da capital.

Até a rebelião de 2002, os presos mortos eram sempre oriundos do interior,o que serviu de motivação para a criação da facção dos baixadeiros. Este grupodepois passou a se autodenominar de Primeiro Comando do Maranhão (PCM). Desta facção surgiu outra denominada “anjos da morte”. O “Bonde dos 40” é a facção mais nova e mais violenta que congrega os presos da capital.

Em novembro de 2010 ocorreu uma grande rebelião no presídio São Luís, em quee 18 presos foram mortos, sendo três deles por decapitação. Em 7/2/2011, na Cidade de Pinheiro-Ma, localizada a 80 km da Capital do Estado, seis presos da Delegacia Regional da comarca foram mortos durante uma rebelião, sendo três decapitados.

Após a Rebelião ocorrida no Município de Pinheiro, o Conselho Nacional de Justiça fez inspeção na referida Delegacia, e constatou a superlotação, estrutura precária da Unidade, comando de facções, más condições de higiene, falta de iluminação, alimentação inadequada, servidores desqualificados para as funções, péssimas condições de segurança, entre outros problemas.

O Relatório do supramencionado Grupo de Trabalho também constatou que os inquéritos nº 589/2008, 1714/2008 e 169/2010, mencionados no último relatório apresentado ao CNJ pelo grupo formado para levantamento e apuração de casos de abuso de autoridade, tortura e qualquer tipo de violência perpetrado por agentespblicos, ou sob a conivência destes, contra presos no Estado do Maranhão, realizadocom base na Portaria DMF nº 06, de 07/04/2010, ainda não haviam sido concluídos.

Em 5/10/2012, o ministro Aires Brito, à época presidindo o Conselho Nacional de Justiça, enviou ofício3 ao Governo do Estado solicitando audiência com o Coordenador da Unidade de Monitoramento Carcerário do Estado para tratar da assinatura de Termo de Compromisso em que o Governo do Estado declararia a intenção de resolver os problemas constatados durante os mutirões e inspeções. Todavia, não obteve resposta.

Também em 25/12/2012, e de forma infrutífera, a Unidade de Monitoramento do Sistema Carcerário no Estado do Maranhão enviou ao Poder Executivo estadual proposta de Termo de Compromisso4, visando a construção de duas unidades prisionais de segurança máxima (uma na capital e outra no interior); abertura de 3 mil vagas com a construção e adaptação de unidades prisionais no interior do Estado, dentre outras.

Na noite do dia 9 de outubro do presente ano, houve uma outra rebelião na Casa de Detenção no Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Na ocasião, além da destruição de várias celas por parte dos presos, 9 detentos morreram e 30 ficaram feridos.

No dia 23 de outubro, o CNJ e o CNMP realizam uma fiscalização nas unidades do Complexo Penitenciário de Pedrinhas e no Hospital Socorrão II, oportunidade em que ficou reafirmada a condição de segurança e precariedade dos presídios.

Após a inspeção das Unidades prisionais a equipe reuniu-se com a governadora do Estado, oportunidade em que a representante do Poder Executivo assumiu o compromisso (verbal) de construir 11 unidades prisionais espalhadas no território do Estado, e realizar a abertura de concurso pblico para o quadro deservidores do Sistema Prisional do Estado.

Em função das últimas mortes ocorridas na Casa de Detenção, a SociedadeMaranhense de Direitos Humanos e a Ordem dos Advogados do Brasil acionaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e, no dia 16.12.2013, foi expedidaMedida Cautelar (n 367-13), em que a CIDH solicita ao Governo do Brasil,cautelarmente: medidas necessárias e efetivas para evitar mortes e danos à integridade dos presos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas; redução da superlotação prisional; investigação dos fatos que ocasionaram a adoção das medidas cautelares; e ainda, informações, no prazo de 15 dias sobre as medidas adotadas, com atualizações periódicas.

Na manhã do dia seguinte à expedição da referida Medida Cautelar, houve um motim no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pedrinhas, ocasião em que foram confirmadas as mortes de quatro detentos. No mesmo dia confirmou-se a morte de mais um na CCPJ do Anil.

No dia 19, mais um preso foi assassinado no Presídio São Luís II, morte esta ocorrida em um dos pavilhões da Unidade, no horário de visita íntima. Foi neste mesmo presídio que foram encontrados os doentes mentais em cumprimento de medidas de segurança e em situação de internação cautelar.

A falta de vagas em unidades de saúde para as internações cautelares e para o cumprimento das medidas de segurança tem levado o Estado a encaminhar os doentes mentais para o sistema prisional. Este fato por si só já constitui grave violação de direitos humanos, mas poderá ter outras consequências, tais como eventual extermínio dos doentes mentais.

No dia 23, já depois da inspeção que resultou neste relatório, o corpo do preso Antonio Rodrigues de Lima Filho foi encontrado no Presídio São Luís II.

Por fim, ressalta-se que somente no ano de 2013 já ocorreram 60 mortes nos presídios maranhenses, sendo que duas delas após as inspeções que resultaram neste relatório.

Das Inspeções realizadas

A inspeção foi realizada no dia 20.12.2013 nas Unidades do Centro de Detenção Provisória - CDP, Central de Presos de Custódia – CCPJ, Casa de Detenção– CADET, e Presídios São Luís I e II, objetivando verificar os fatos que estão causando as rebeliões e mortes de detentos naqueles locais.

Verificou-se que as unidades estão superlotadas e já não há mais condições para manter a integridade física dos presos, seus familiares e de quem mais frequente os presídios de Pedrinhas.

Nas unidades visitadas, o acesso a alguns pavilhões era precedido de negociação com os líderes das facções. Os chefes de plantão e diretores das unidades não eram capazes de garantir a segurança da equipe que inspecionava a unidade, sob o fundamento de que as facções poderiam considerar a inspeção em dia de visita íntima como um ato de desrespeito. Os próprios servidores da administração penitenciária informam que os presos novos são obrigados a escolher uma facção quando ingressam nas unidades do complexo penitenciário de Pedrinhas.

No Centro de Detenção Provisória as celas não possuem grades, o que possibilita a circulação de todos os presos sem qualquer restrição. Esta impossibilidade de separação dos presos inviabiliza a garantia de segurança mínima para os presos sem posto de comando nos pavilhões.

Em dias de visita íntima no Presídio São Luís I e II e no CDP, as mulheres dos presos são postas todas de uma vez nos pavilhões e as celas são abertas. Os encontros íntimos ocorrem em ambiente coletivo. Com isso, os presos e suas companheiras podem circular livremente em todas as celas do pavilhão, e essa circunstância facilita o abuso sexual praticado contra companheiras dos presos sem posto de comando nos pavilhões.

Ressalta-se que a morte ocorrida no dia 19 do mês em curso no Presídio São Luis II foi justamente na ocasião da visita íntima, o que pode ser um indício de que seria em decorrência de desentendimentos nos momentos em que ocorriam relações sexuais em ambiente coletivo.

O número excessivo de mortes em um único ano (60) é outro fato revelador da necessidade da comunhão de esforços para organizar o sistema prisional do Maranhão.

A extrema violência é a marca principal das facções que dominam o sistema prisional maranhense. Um vídeo enviado pelo presidente do sindicato dos agentes penitenciários mostra um preso vivo com a pele do membro inferior dissecada, expondo músculo, tendões, vasos e ossos, tudo isso antes de ser morto nas dependências do Complexo Penitenciário de Pedrinhas.

Conclusão

A precariedade do sistema prisional maranhense já foi constatada em momentos anteriores, em especial por este Conselho Nacional de Justiça. O Governo do Estado do Maranhão já recebeu várias indicações da necessidade de estruturar o sistema com o preenchimento dos cargos na administração penitenciária, construção de pequenas unidades prisionais no interior do Estado, além de outras medidas estruturantes que possibilitem ao Estado o enfrentamento das facções do crime organizado.

Além disso, o Estado tem se mostrado incapaz de apurar, com o rigor necessário, todos os desvios por abuso de autoridade, tortura, outras formas de violência e corrupção praticadas por agentes pblicos.

Assim, indicams a necessidade de atuação mais intensa deste Conselho com o objetivo de motivar as instituições locais para o cumprimento das recomendações anteriores deste Conselho, do CNMP e da própria OEA.

Essa é a realidade que foi constatada. Sendo assim, submeto o presente

relato à apreciação de Vossa Excelência.

Respeitosamente.

Douglas de Melo Martins, Juiz Auxiliar da Presidência.