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Mensalão: Celso de Mello critica pressão "inadequada e insólita" da mídia

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O ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, concedeu entrevista ao jornal Integração, de sua terra natal Tatuí (SP), na última segunda-feira (23), na qual comenta a pressão que ele sofreu da mídia antes de proferir seu voto decisivo para a análise dos embargos infringentes do mensalão.

Em entrevista ao jornalista José Reiner Fernandes - cuja reprodução abaixo foi autorizada pelo gabinete de Celso de Mello -  o ministro critica a pressão, classificando-a de "inadequada" e "insólita".

“Há alguns que ainda insistem em dizer que não fui exposto a uma brutal pressão midiática... Basta ler, no entanto, os artigos e editoriais publicados em diversos meios de comunicação social (os ‘mass media’) para se concluir diversamente! É de registrar-se que essa pressão, além de inadequada e insólita, resultou absolutamente inútil...

"Alguns dos que foram (e são) contrários à admissibilidade dos embargos infringentes esquecem-se, não obstante a plena legitimidade do exercício desse direito de crítica, de que essa decisão do Supremo Tribunal Federal, consolidada e viabilizada pelo meu voto de desempate, representa, pelo que nela se contém e pela autoridade do Tribunal de que emana, a reafirmação de princípios universais e eternos concebidos, de um lado, para proteger as presentes e futuras gerações contra a opressão do Estado e o abuso de poder e destinados, de outro, a garantir, em favor de qualquer pessoa, independentemente da acusação criminal contra ela formulada (e qualquer que seja a sua condição social, profissional, financeira ou política), a posse de direitos fundamentais e o gozo das liberdades constitucionais! Esse foi o claro sentido do voto de desempate que proferi.

"E que seja assim para sempre, para que tempos sombrios, que tanto estigmatizaram gerações passadas e conspurcaram a pureza do regime democrático, jamais voltem a obscurecer e a asfixiar os direitos básicos do ser humano”, concluiu.

Na edição desta quinta-feira (26) da Folha de S. Paulo, Celso de Mello também comenta o assunto com a jornalista Mônica Bergamo. "Foi algo incomum. Eu honestamente, em 45 anos de atuação na área jurídica, como membro do Ministério Público e juiz do STF, nunca presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação sociais buscando, na verdade, pressionar e virtualmente subjugar a consciência de um juiz", afirmou, acrescentando que a tentativa de subjugação midiática da consciência crítica do juiz mostra-se "extremamente grave e por isso mesmo insólita."

Para Celso de Mello, a pressão traz riscos: "É muito perigoso qualquer ensaio que busque subjugar o magistrado, sob pena de frustração das liberdades fundamentais reconhecidas pela Constituição. É inaceitável, parta de onde partir. Sem magistrados independentes jamais haverá cidadãos livres."

O ministro enfatizou a importância da liberdade crítica da imprensa, contudo argumentou que "às vezes é veiculada com base em fundamentos irracionais e inconsistentes." Por isso, o juiz não pode se sujeitar a elas. "Abordagens passionais de temas sensíveis descaracterizam a racionalidade inerente ao discurso jurídico. É fundamental que o juiz julgue de modo isento e independente. O que é o direito senão a razão desprovida da paixão?"

Celso de Mello reforça que não questiona "o direito à livre manifestação de pensamento", e lembra que já julgou, "sem hesitação nem tergiversação", centenas de casos que envolviam o direito de jornalistas manifestarem suas críticas. "Minhas decisões falam por si."

Em sua entrevista, o ministro destaca que a influência da mídia em julgamentos de processos penais, "com possível ofensa ao direito do réu a um julgamento justo", não é inédito. "É uma discussão que tem merecido atenção e reflexão no âmbito acadêmico e no plano do direito brasileiro."  Segundo Mello, o juiz "não é um ser isolado do mundo. Ele vive e sente as pulsões da sociedade. Ele tem a capacidade de ouvir. Mas precisa ser racional e não pode ser constrangido a se submeter a opiniões externas". O ministro conclui afirmando que, mesmo com toda a pressão, o STF julgou o mensalão "de maneira independente", e que se sentiu "absolutamente livre para formular o meu juízo".