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Mensalão: ministros não conseguem pacificar clima no plenário do STF

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Brasília - O clima de coexistência pacífica no plenário do Supremo Tribunal Federal está ainda longe de ser restabelecido. No início da sessão desta quarta-feira (21/8), o presidente da corte e relator da ação penal do mensalão, ministro Joaquim Barbosa disse “umas poucas palavras” sobre a sua “responsabilidade” de, “respeitados os direitos fundamentais, zelar pelo bom andamento dos trabalhos” da corte. Mas não pediu desculpas ao ministro Ricardo Lewandowski a quem acusara de fazer “chicana’ em favor de um dos réus da ação penal do mensalão na tumultuada sessão de quinta-feira última.

Lewandowski pediu a palavra, considerou o episódio “ultrapassado”, porque "este tribunal é maior do que cada um de seus membros e o somatório de seus integrantes”, mas fez questão de nomear as “manifestações formais explícitas de solidariedade” que recebeu de todas as associações nacionais de magistrados. Barbosa não gostou e, logo depois de um pronunciamento escrito do decano da corte, ministro Celso de Mello, afirmou: “Tenho visão bastante peculiar da presidência de um dos poderes da República. Eu não vejo a presidência do STF como um eco de vontades corporativas. É algo bem superior a isso”.

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Logo depois da manifestação de Lewandowski, o decano Celso de Mello leu uma declaração de seis páginas, em que fez uma calorosa defesa da divergência e do "voto vencido”, concluindo: “Os juízes do Supremo, tal como reconhecido pelo presidente (Joaquim Barbosa) têm consciência de que o exercício do poder somente se legitimará com o dialogo, o debate, com a aceitação da diferença, com o acolhimento do pluralismo de ideias e da coexistência harmoniosa. O Judiciário não pode ser uma instituição dividida.

O ministro Marco Aurélio – o segundo ministro mais antigo do Supremo, e conhecido por suas posições divergentes e “votos vencidos” – também fez uso da palavra para defender o direito do ministro Lewandowski de “proclamar o que pensa” e dizer diretamente a ele: “Siga em frente!”.

Manifestações

As falas dos ministros foram, em síntese, as seguintes:

Joaquim Barbosa- “Antes de começarmos a retomado dos embargos na ação penal 470, eu gostaria de dizer umas poucas palavras. Como presidente desta corte, tenho a responsabilidade de - respeitados os preceitos fundamentais, especialmente os direitos fundamentais - zelar pelo bom andamento dos trabalhos, o que inclui regularidade e celeridade dos trabalhos. Uma vez que justiça que tarda não é justiça. Não me move a intenção de cercear a manifestação de nenhum dos membros da corte. Ratifico o respeito ao tribunal e a seus membros. Mas ratifico que é seu dever adotar todas as medidas ao seu alcance para que o serviço da justiça seja transparente, célere, sem delongas, até em respeito à sociedade, que é quem paga os nossos salários”.

Ricardo Lewandowski- “Com referencia ao lamentável episódio da semana passada, quero dizer que me sinto e me senti extremamente confortado pelas manifestações formais explicitas de solidariedade que tive, por parte da Associação dos Magistrados Brasileiros, da Associação dos Juízes Federais do Brasil, da Anamatra, do presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, de dezenas de editoriais e colunas estampadas nos mais importantes jornais do país, de apoio de colegas de magistratura de todo o Brasil, de membros do Ministério Público, de juristas  , acadêmicos, parlamentares, membros do Executivo, ministros desta Casa, de ontem e de hoje, ex-presidentes. De maneira que quero deixar o episodio de lado, considerá-lo ultrapassado, porque este tribunal é maior do que cada um de seus membros e do somatório de seus integrantes. É o que tinha a dizer. Estou pronto para retomar os trabalhos. O Estado não pode negar-se a prestar jurisdição”.

Celso de Mello - “Este é um pronunciamento que jamais deveria ser feito. Mas, ao mesmo tempo, Senhor Presidente e Senhores Ministros, este é um pronunciamento que deve ser feito, em razão de fato notório ocorrido na última sessão de julgamento”.

“O episódio que se registrou na semana anterior, muito mais do que mero incidente, supera, por suas conseqüências e intensa repercussão, a esfera pessoal de seus ilustres protagonistas para se projetar em umadimensão eminentemente institucional, constituindo, por isso mesmo, motivo que deve merecer séria reflexão por parte dos juízes desta Corte Suprema. Não nos olvidemos, jamais, Senhor Presidente e senhores ministros, das sábias palavras do saudoso ministro Luiz Gallotti, que lançou grave advertência as consequências do processo decisório nesta Corte, ao enfatizar que o Supremo Tribunal Federal, quando profere os seus julgamentos, também poderá, ele próprio, ser julgado ela nação”.

“Ninguém desconhece que divergências representam natural consectário de julgamentos colegiados e que, mesmo manifestadas com ardor, veemência e firme convicção no seio das cortes judiciárias, valorizam-lhes as decisões e representam inestimável fator de legitimação dos próprios pronunciamentos dos tribunais”.

“É precisamente por essa razão que as práticas processuais e o exercício da jurisdição, no âmbito desta Suprema Corte, devem respeitar, nas relações entre os juízes que a compõem, o mesmo espírito de liberdade que representa aprópria essência da alta missão constitucional para a qual este Supremo Tribunal Federal foi idealizado e instituído. Assim como ninguém tem o poder de cercear a livre manifestação dos ministros que integram o Supremo Tribunal Federal, também cada um dos Juízes desta Corte tem o direito de expressar, em clima de absoluta liberdade, as suas convicções em torno da resolução dos graves litígios que lhes são submetidos, sob pena de comprometimento do necessário coeficiente de legitimidade que deve qualificar as decisões proferidas por este Supremo Tribunal. Os juízes do STF, tal como reconhecido pelo seu presidente, no pronunciamento que ora vem de fazer, têm consciência de que o exercício do poder jurisdicional somente se legitimará com o diálogo, com o debate, com o respeito à alteridade, com a aceitação da diferença, com o acolhimento do pluralismo de idéias e com a coexistência harmoniosa entre as diversas correntes de ação e de pensamento, pois o Poder Judiciário, em nosso País, não pode ser uma Instituição dividida e, muito menos, fragmentada por eventuais dissensões que se registrem em seu corpo orgânico, especialmente se se reconhecer que o propósito maior do Supremo Tribunal Federal é o de servir, com integridade e respeito, ao que proclamam a Constituição e as leis da República”.

“Aquele que profere voto vencido (...) não pode ser visto como um espírito isolado nem como uma alma rebelde, pois, muitas vezes, como nos revela a História, é ele quem possui, ao externar posição divergente, o sentido mais elevado da ordem, do direito e do sentimento de justiça, exprimindo, na solidão de seu pronunciamento, uma percepção mais aguda da realidade social que pulsa na coletividade, antecipando-se, aos seus contemporâneos, na revelação dos sonhos que animarão as gerações futuras na busca da felicidade, na construção de uma sociedade mais justa e solidária e na edificação de um Estado fundado em bases genuinamente democráticas.

Marco Aurélio- “Ao inocentar alguns acusados, o ministro do STF manifestou uma voz minoritária e dissonante, que precisa ser respeitada.Cada vez maior é a movimentação social a favor das minorias e do respeito à liberdade de xpressão. Aqueles que não tinham voz, que estavam à sombra, hoje podem sair às ruas e pleitear um lugar ao sol e o direito de ser diferente. Ventos democráticos renovaram o poluído ar deixado pelo autoritarismo, pelo sectarismo. Mas que democracia é essa que atende pelo nome de satisfação pessoal, que inadmite visão discordante, que massacra os que contrariam a corrente majoritária?

A independência do magistrado revela a finalidade precípua de defesa do Estado, das instituições e do cidadão. Protege-se o juiz nos atos jurisdicionais, para poder concretizar o direito como resultado do processo da submissão do fato à norma, a partir da ciência e consciência, da formação intelectual e humanística possuídas. Mede-se a maturidade de um país pela observância à decisão formalizada, seja qual for, desde que fundamentada e anunciada publicamente. Imaginar que a defesa de entendimento minoritário reflete apoio político comprado implica supor que os integrantes da ótica vencedora estão também comprometidos com a mídia ou a opinião pública. Censurar posturas diversas daquela que se tem e, a um só tempo, alardear modernidade e pluralidade soa, no mínimo, como hipocrisia. Uma sociedade aberta, tolerante e consciente pressupõe escolhas pautadas nas várias concepções sobre os mesmos fatos. Parafraseando Voltaire, afirmo, ministro Ricardo Lewandowski, que, até quando divirjo da interpretação dada ao contido em processo da competência do Supremo, defendo o direito de Vossa Excelência de proclamar o que pensa. Siga em frente! Caminhamos rumo à quadra em que a coragem de dizer as próprias verdades não será motivo de assombro”.