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'Poderia ser a minha família sofrendo agora', diz sobrevivente de incêndio

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A tragédia na boate Kiss, em Santa Maria, deixou marcas de dor, revolta e sofrimento em centenas de famílias do Rio Grande do Sul. O sofrimento de quem reconheceu um parente ou amigo entre os mortos pelo incêndio comoveu o mundo num domingo de poucos sorrisos. 

O caso revelou histórias impressionantes, como a estudante que, pouco antes de morrer, postou um pedido de socorro desesperado no Facebook, ou o jovem que morreu porque estava no banheiro e não viu o incêndio começar. O estudante de administração Leandro Ozório, 21 anos, ainda tentava digerir o ocorrido quando conversou com o Terra, pela internet, na noite deste domingo. 

“Não paro de pensar que poderia ter sido eu”, disse. “Poderia ser a minha família que estaria sofrendo agora. Sinto um peso com tudo isso”.

Após garantir que os amigos mais próximos não estavam entre as vítimas fatais, o estudante contou que percebeu o fogo logo no início: “eu estava bem na entrada, a poucos passos da porta. O meu amigo estava comigo, viu o fogo e me mostrou. Quando olhei os integrantes da banda estavam tentando apagar, mas o fogo tomou conta muito rápido. Vi que eles não conseguiriam apagar e resolvi sair”, explica.

“Chegando na porta, um dos seguranças, que não teria como ver o que estava acontecendo, não quis deixar a gente sair. Então eu olhei para trás e vinha o tumulto de gente, todo mundo correndo e apavorado. O meu amigo cruzou por baixo do braço do segurança e eu consegui empurrá-lo. Quando empurrei, senti o aperto, as pessoas me pressionaram contra um lado da porta e eu consegui sair apertado com todo mundo”, conta o estudante, confirmando as versões que surgiram durante o dia de que, inicialmente, os seguranças da boate não queria deixar as pessoas saírem sem pagar.

“Atravessei a rua e fui para o estacionamento do mercado e só via pessoas saindo desesperadas. Foi questão de segundos e começou a sair fumaça pela porta, uma fumaça muito preta”, relata. Leandro explica que percebeu que o incêndio não seria controlado quando as chamas começaram a criar força no teto da casa noturna.

Não tendo a real dimensão da tragédia, Leandro saiu do local após confirmar que seus amigos mais próximos estavam bem. “Fui para casa, dormi e, quando acordei, já falavam em mais de 150 mortos! Eu poderia ter morrido agora, deixando tristeza para a minha família, para os meus amigos e colegas...”

Durante todo o domingo, Leandro, assim como outros sobreviventes, respondeu mensagens de amigos e parentes de outras partes do Estado pelo celular e através das redes sociais. Na página dele no Facebook, um amigo escreveu: “feliz por tu estar bem meu irmão, muita paz no teu coração...”. O estudante é natural de Quaraí, na fronteira-oeste do Rio Grande do Sul, e morava em Alegrete até janeiro do ano passado, quando se mudou para Santa Maria. “Todo mundo que me conhece, amigos, parentes, mandando mensagens, ligando... todos muito preocupados”, conta. “Fazia seis meses que eu não saia em festas aqui em Santa Maria, daí resolvi ir”, explica Leandro, que foi convidado por um amigo para ir à boate.

As cenas de horror dificilmente vão sair da memória do estudante. “Tu esqueceu os desastres dos Estados Unidos com as Torres Gêmeas? O terremoto no Haiti? A gente não esquece. E isso que nesses casos a gente não estava por perto, não estava no momento. Aqui eu estava presente. É complicado. Posso minimizar a situação, ocultar um pouco da memória, mas sempre vou lembrar tudo isso, de como começou , de como terminou...”, disse Leandro.

A madrugada na qual a diversão se transformou em desespero vai deixar marcas profundas. Seja pela perda irreparável, pelo trauma de vivenciar a tragédia ou pela sorte de conseguir escapar com vida, o incêndio da boate Kiss será lembrado por muito tempo como uma noite “inesquecível”, no pior sentido da palavra.

Incêndio na Boate Kiss

Um incêndio de grandes proporções deixou mais de 230 mortos na madrugada deste domingo em Santa Maria (RS). O incidente, que começou por volta das 2h30, ocorreu na Boate Kiss, na rua dos Andradas, no centro da cidade. O Corpo de Bombeiros acredita que o fogo iniciou com um sinalizador lançado por um integrante da banda que fazia show na festa universitária.

Segundo um segurança que trabalhava no local, muitas pessoas foram pisoteadas. "Na hora que o fogo começou foi um desespero para tentar sair pela única porta de entrada e saída da boate e muita gente foi pisoteada. Todos quiseram sair ao mesmo tempo e muita gente morreu tentando sair", contou. O local foi interditado e os corpos foram levados ao Centro Desportivo Municipal, onde centenas de pessoas se reuniam em busca de informações.

A prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias e anunciou a contratação imediata de psicólogos e psiquiatras para acompanhar as famílias das vítimas. A presidente Dilma Rousseff interrompeu viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde se reuniu com o governador Tarso Genro e parentes dos mortos.