ASSINE
search button

Joaquim Barbosa condena Dirceu, Genoino, Delúbio e Valério por corrupção

Lewandowski absolve Genoino, mas deixa voto sobre Dirceu para esta quinta

Compartilhar

No 31º dia do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ação penal do mensalão, nesta quarta-feira, o ministro-relator Joaquim Barbosa votou pela condenação, por corrupção ativa, do ex-ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil do primeiro Governo Lula, por considerar ter ficado comprovado nos autos que, “em razão da força política e administrativa que exercia”, ele foi “o principal articulador dessa engrenagem”, ao fim de um voto de mais de três horas. E condenou também, pelo mesmo crime, os réus José Genoino, Delúbio Soares (núcleo político), Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano de Mello Paz, Rogério Tolentino e Simone Vasconcelos (núcleo publicitário).

Mas o ministro-revisor, Ricardo Lewandowski deixou o principal réu político do mensalão, José Dirceu, para esta quinta-feira, depois de ter feito questão de iniciar o seu “extenso voto” nesta etapa do julgamento, no qual, divergindo de Barbosa, absolveu o ex-presidente do PT José Genoino.

>> Réus já julgados e votos dos ministros

Lewandowski considerou que a Procuradoria-Geral da República não logrou individualizar as condutas atribuídas ao ex-presidente do PT no primeiro Governo Lula, principalmente quanto aos “empréstimos fraudulentos” contraídos pelo partido à época dos fatos (2003-2004). O revisor da ação afirmou que a denúncia do Ministério Público foi “inepta”, e que Genoino não tratava de assuntos financeiros do PT. Ele condenou, no entanto, por corrupção ativa, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e quase todo o núcleo publicitário da ação penal: Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramón Hollerbach e Simone Vasconcelos.

Voto de Barbosa

Num voto que terminou às 19 horas desta quarta-feira, o relator Joaquim Barbosa leu trechos de depoimentos dos principais réus desta etapa do julgamento da Ação Penal 470, para destacar que Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e Marcos Valério reuniram-se mais de três vezes, pelo menos, com os presidentes dos bancos Rural e BMG, para tratar dos “empréstimos fictícios” feitos às agências de publicidade SMP&B. Tais montantes eram repassados em grande parte ao PT que, por sua vez, por indicação de Delúbio Soares, e com o conhecimento — e até o aval do ex-presidente do partido, José Genoino — distribuía “mesadas” a parlamentares da chamada base aliada.

O ministro-relator proferiu o seu voto sobre o quesito corrupção ativa referente ao pagamento do “mensalão” a parlamentares dos partidos da “base aliada” (PL,PP,PTB e PMDB), e cujos réus são: José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino; os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias; o ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto, à época (2003-2004) filiado ao PL (atual PR).

A certa altura do voto, Joaquim Barbosa afirmou: “A realidade fática dos pagamentos feitos por Delúbio Soares e Marcos Valério aos parlamentares (da ‘base aliada’) coloca Dirceu em posição central de organização e liderança do esquema. Entender que Marcos Valério e Delúbio Soares agiram sozinhos, num contexto de reuniões fundamentais, é inadmissível”.

Cinco escalões

Ao acolher a denúncia do Ministério Público Federal, da qual fez um resumo, o ministro-relator reafirmou que José Dirceu era a segunda pessoa mais poderosa do Executivo, à época dos fatos, logo depois do presidente da República. Assim, a seu ver, sua “liderança” no esquema criminoso ficou patente desde as primeiras reuniões destinadas a operacionalizá-lo. Diretamente sob o seu comando estariam Delúbio Soares e Marcos Valério, sócio principal da SPM&B e da DNA (“executores das ordens de Dirceu, no segundo escalão do esquema”), e José Genoino (“terceiro escalão”, que assinou “empréstimos simulados” ao PT, tendo como avalista o próprio Marcos Valério). No “quarto escalão” do esquema do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa situou os “responsáveis pelos repasses do dinheiro que vinha dos bancos”, Ramon Hollerbach, Cristiano de Mello Paz e Rogério Tolentino, sócios de Valério. No “quinto nível”, ele colocou Simone Vasconcelos, diretora financeira da SMP&B, e a colaboradora Geiza Dias.

O ministro-relator destacou, com base em depoimentos colhidos nos autos da ação penal, inclusive de Valério e de Delúbio, que houve repasse de R$ 8 milhões ao PP, de R$ 4 milhões ao PTB; de R$ 2 milhões ao PMDB de mi; e de R$ 10 a R$ 12 milhões ao PL.

As reuniões

O ministro-relator deu especial atenção às reuniões realizadas com a participação do então chefe da Casa Civil do primeiro Governo Lula, citando depoimentos constantes dos autos dos próprios réus e de testemunhas.

Ele citou, inicialmente, reunião de Dirceu com dirigentes do BMG, Valério e Delúbio, ocorrida em fevereiro de 2003. Apenas quatro dias depois do encontro, foi disponibilizada na conta da SMPB a soma de R$ 12 milhões, “montante usado, segundo o próprio Marcos Valério (depoimento), na distribuição de recursos a pessoas indicadas por Delúbio Soares”. Barbosa também se referiu a encontro do ex-chefe da Casa Civil com a presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, no qual se discutiu um “empréstimo fraudulento” de R$ 10 milhões, datado de 12/12/2003, igualmente para “distribuição de dinheiro a parlamentares”.

Barbosa lembrou que, entre esses dois “empréstimos fictícios”, foi votado o segundo turno da emenda constitucional da reforma previdenciária (agosto de 2003), na qual o Executivo tinha grande interesse. No dia 24 de setembro, com apoio dos deputados da chamada base aliada, foi votada e aprovada a reforma tributária.

“Como se percebe, as reuniões de José Dirceu com Marcos Valério e Delúbio Soares e com diretores do Banco Rural e do BMG inserem-se no contexto fático probatório de que nelas não teriam tratado, apenas, de exploração de nióbio e da liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco”, disse o ministro-relator. E comentou que “nem mesmo pessoa da confiança dos dirigentes do Banco Rural — segundo interrogatório constante dos autos — conhecia o assunto da exploração de nióbio”.

Valério no Planalto

Para reforçar o convencimento de que Dirceu se utilizou dos serviços de Marcos Valério e de Dellúbio Soares para controlar a “base aliada”, o ministro-relator extraiu trecho do depoimento do ex-deputado José Borba (ex-PMDB), também réu no processo. Ele conta que quando um parlamentar “tinha pendências para resolver com o ministro-chefe da Casa Civil, ele recorria ao publicitário Marcos Valério”.

“Diante do contexto, a alegação da defesa de que é comum que um ministro receba representantes de instituições financeiras e de empresas revela-se ineficaz. O problema não é um ministro receber diretores de instituições financeiras em seu gabinete, mas sim o contexto em que se deram essas reuniões, ou seja, empréstimos totais de R$ 55 milhões formalizados, exatamente, junto a esses bancos, cujos diretores frequentavam o chefe da Casa Civil, acompanhados por Marcos Valério, que, posteriormente, foi o responsável pelos repasses”, afirmou Joaquim Barbosa.

Ainda segundo ele, num primeiro momento (fase do inquérito), Marcos Valério negava reuniões com José Dirceu no Palácio do Planalto. No entanto, com o aprofundamento das investigações, ele acabou por confessar que chegou a frequentar a esse do Executivo. A assessora de José Dirceu, Sandra Cabral, confirmou que conheceu Marcos Valério em suas visitas freqüentes ao Palácio do Planalto.

O relator assinalou que “não funcionou nenhuma das teses que a defesa tentou construir para afastar o réu José Dirceu da centralidade das coisas”. E acrescentou: “As provas revelam que José Dirceu exerceu o controle dos atos executórios, e das reuniões com líderes partidários escolhidos para o recebimento da vantagem indevida. Num primeiro momento, Delúbio Soares e Marcos Valério tentaram blindar Dirceu para tornar mais plausível a tese do caixa dois. Chegaram a afirmar que Marcos Valério nunca tinha participado de reunião na Casa Civil. E que a relação entre Valério e Delúbio Soares era de amizade”.

O ministro destacou depoimento de Kátia Rabello, presidente do Banco Rural, segundo a qual “Marcos Valério foi um facilitador da interlocução das empresas”. Ela também disse que no caso do levantamento do processo de liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco — no qual tinha interesse — não houve oportunidade para um encontro com o presidente do Banco Central, e então “usou os serviços” de Valério. O ministro Ayres Britto fez uma rápida intervenção para dizer que os autos registram que Valério “esteve 17 vezes do Banco Central”.

Genoino e Delúbio

O ministro Joaquim Barbosa passou, em seguida, a analisar as acusações contra José Genoino, na condição também de réu por crime de corrupção ativa. Segundo ele, as provas indicam que o acusado negociou valores a serem repassados a parlamentares do Partido Popular (PP). Ressaltou ainda a sua “atuação” juntamente com o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), que solicitou dinheiro, “comprovadamente”, a Jefferson (depoimento de Emerson Palmieri, ex-”tesoureiro informal” do PTB, já condenado pelo plenário, por 7 votos a 3, por corrupção passiva).

Ao individualizar as atividades de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, no esquema do mensalão, o relator voltou a sublinhar o seu papel fundamental na sua operação, como aquele que decidia “quem deveria receber os valores” dentro da “engenharia criminosa de pagamento de propinas”.

Valério & cia.

Barbosa concluiu, igualmente, pela condenação — por corrupção ativa — de Marcos Valério e de seus sócios Cristiano Paz e Ramon Rollerbach, por terem atuado “para atender aos interesses do PT”, no sentido de “possibilitar poder ao partido”, agindo em entidades e órgãos públicos, a fim de auxiliar os demais corréus a pagar somas a parlamentares para que apoiassem o governo”. O advogado de Valério, Rogério Tolentino, dono da Tolentino & Associados, foi também enquadrado no mesmo crime, mas apenas com relação aos R$ 10 milhões com que o esquema beneficiou o PP e os outros réus daquele partido já condenados, nesta ação, por corrupção passiva.

Para o ministro-relator, Cristiano Paz e Ramon Rollerbach assinaram vários cheques e autorizações de repasses para ocultar os reais destinatários dos valores, contribuindo, decididamente, para a prática criminosa.

Quanto à ré Simone Vasconcelos, ex-diretora da SPM&B, o relator refutou o argumento da defesa que a caracterizou como “mera executora das demandas” da empresa de publicidade de Marcos Valério, e que, portanto, não tinha conhecimento dos fatos.

Barbosa votou pela absolvição de Geiza Dias (que já havia sido absolvida quanto ao crime de evasão de divisas, no início do julgamento, em outro tópico da ação) e, do ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto, atual prefeito de Uberaba (MG), acusado pelo MPF de ter recebido R$ 940 mil de Marcos Valério.

Divergência

O ministro-revisor Ricardo Lewandowski votou, rapidamente, para condenar Valério e seus sócios na SMP&B, e para absolver Anderson Adauto, Rogério Tolentino e Geiza Dias. Passou então a enfrentar as acusações contra o réu José Genoino.

Segundo ele, Ministério Público Federal não individualizou as condutas atribuídas a Genoino quanto aos empréstimos feitos pelo PT, considerados — tanto pela acusação como pelo ministro Joaquim Barbosa no seu voto — como “fraudulentos” ou “fictícios”. O ministro-revisor fez distribuir a seus colegas dois documentos que, segundo ele, mostram que o então presidente do PT provou ter pago o empréstimo obtido no Banco Rural — “o que enfraquece a tese do empréstimo fictício” — e que os empréstimos feitos no BMG são objeto de uma outra ação penal em curso na primeira instância, não “fazendo parte” da Ação Penal 470 em julgamento pelo STF.

Lewandowski fez severas críticas à Procuradoria-Geral da República, afirmando que o réu Genoino teve que se defender de acusações “abstratas” e “impessoais”. E que as condutas a ele atribuídas “foram deduzidas a partir do cargo que ocupava à época dos fatos”. O revisor aceitou os argumentos da defesa e de alguns depoimentos constantes dos autos de que Genoino não tratava de assuntos financeiros do partido do Governo Lula, exercendo, apenas, a função política de presidente do partido. E atribuiu ao tesoureiro Delúbio Soares as operações ilegais realizadas com o Grupo Marcos Valério.

Assim é que o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o ministro Joaquim Barbosa na condenação de Delúbio Soares, por ser “personagem onipresente” no processo, e um dos grandes articuladores do esquema de Marcos Valério”; na condenação de Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Simone Vasconcelos; e na absolvição do ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto e de Geiza Dias (do Grupo Valério).