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Mensalão: Dois réus do Banco Rural já estão condenados 

Seis dos 10 ministros enquadram Kátia Rabello e José Roberto Salgado em gestão fraudulenta 

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Ao fim do 19º dia do julgamento da ação penal do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, nesta quarta-feira, os principais dirigentes do Banco Rural à época dos fatos— Kátia Rabello e José Roberto Salgado — foram condenados por crime de gestão fraudulenta de instituição financeira pelos seis ministros que até agora votaram quanto ao chamado núcleo financeiro do processo. Quanto a estes réus estão de acordo os ministros Joaquim Barbosa (relator), Ricardo Lewandowski (revisor), Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Faltam votar — o que ocorrerá na sessão desta quinta-feira — os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ayres Britto (presidente).

Na sessão encerrada às 20 horas, cinco ministros (com exceção de Barbosa), absolveram a ré Ayanna Tenório, e outros tantos (com exceção de Lewandowski) condenaram o quarto réu, o atual vice-presidente do Banco Rural, Vinícius Samarane, também enquadrados no crime de gestão fraudulenta.

Divergência

Na sessão desta quarta-feira, o ministro-revisor Ricardo Lewandowski divergiu mais uma vez do ministro-relator Joaquim Barbosa. Ele concluiu pela absolvição dos réus Ayanna Tenório — que era vice-presidente administrativa do Banco Rural à época dos fatos — e Vinícius Samarane. Acusados do mesmo crime de gestão fraudulenta, a ex-presidente do banco, Kátia Rabello, e o ex-vice-presidente de operações, José Roberto Salgado, já tinham sido condenados pelos dois ministros nas duas sessões anteriores.

Na segunda-feira, Lewandowski acompanhou Joaquim Barbosa na condenação de Salgado e de Kátia Rabello, mas deixara os dois restantes réus do chamado núcleo bancário-financeiro — Ayanna e Samarone — para esta sessão plenária. Naquela ocasião, Barbosa concluíra que os quatro réus, “em divisão de tarefas típica de uma quadrilha, atuaram intensamente na simulação das operações de crédito sob enfoque (empréstimos fictícios)”, em benefício, não só das empresas do publicitário Marcos Valério, mas também do Partido dos Trabalhadores (PT). O montante desses “empréstimos” — e de suas renovações — teria chegado a mais de R$ 58 milhões.

Voto do revisor

Ricardo Lewandowski destacou, inicialmente, que o tipo penal previsto na Lei 7.492/86 é “aberto”, por incluir também “gestão temerária”. Mas que a gestão fraudulenta exige “dolo específico”, ou seja, requer prova de que o agente tenha empregado “meios ardilosos ou enganosos” para atingir seu objetivo.

Para ele, “o dolo específico não ficou devidamente caracterizado”. Afirmou não se ter convencido de que a ré Ayanna Tenório tenha agido conscientemente no sentido de cometer um ilícito penal. Destacou que, de acordo com os depoimentos constantes dos autos, ela foi contratada como vice-presidente administrativa três dias depois da morte de José Augusto Drummond, presidente do banco, em desastre de automóvel. E que tinha sido contratada por ser especialista na área de recursos humanos, depois de ter constituído empresa própria de consultoria.

O revisor tentou mostrar que quando das negociações que culminaram com os empréstimos fictícios objeto da ação penal, o vínculo de Ayanna com a instituição era de caráter meramente empregatício. Citou depoimento do próprio réu Marcos Valério que disse, em interrogatório, que não conhecia a ré. Lewandowski concluiu pela não culpabilidade da ex-vice-presidente administrativa do Rural, por não ter tido, a seu ver, nenhuma interferência na concessão dos empréstimos fictícios pelos quais condenou os réus Kátia Rabello e José Salgado. Lewandowski também julgou improcedente a ação penal para absolver o réu Vinícius Samarane, já que, segundo ele, o Ministério Público não conseguiu provar sua participação direta nos fatos delituosos.

Ressaltou que Samarane, entre 200 e abril de 2004, não exerceu o cargo de gestor ou diretor. “Se não era gestor, não poderia ser agente do crime de gestão fraudulenta. Ele mesmo admitiu ter sido diretor, mas na verdade não era diretor estatutário até abril de 2004”, explicou o ministro-revisor. Assim, concluiu que Samarane não tinha, à época dos fatos, nem “condições de atuar a fim de evitar determinado crime”, nem “o poder de decisão, que estava nas mãos de Kátia Rabello e José Roberto Salgado”.

Voto do relator

Conforme a denúncia do Ministério Público Federal, os empréstimos concedidos pelo Banco Rural no âmbito do esquema do mensalão do PT eram concedidos e renovados sem observância das cautelas mínimas necessárias, impostas pelo Banco Central, para a verificação da capacidade financeira dos envolvidos nas operações. É citada análise feita pelo Instituto Nacional de Criminalística que “mostrou a absoluta negligência dos acusados na concessão dos empréstimos ao PT, à SMP&B Comunicação e à Graffiti Participação Ltda”.

O ministro Joaquim Barbosa destacou — no voto proferido na segunda-feira — que os “empréstimos” do Banco Rural ao PT e às agências de Valério, e suas renovações — que chegaram, ao final, a mais de R$ 58 milhões — “foram feitos com informações defasadas e parecer desfavorável por parte dos analistas”.

Segundo o relator, não constam dos laudos dos empréstimos informações dos analistas e, assim, não havia como saber quais eram os recursos disponíveis para justificá-los.

Além disso, a instituição concedeu tais empréstimos ao PT sem que houvesse cadastro dos beneficiados no banco, nem documentação que servisse como garantia para o repasse do dinheiro, como bens ou outras contas. Ele destacou também que ficou comprovado não ter o PT, naquela época, condições para arcar com as despesas dos contratos. Em 2004, o PT teve um expressivo déficit de R$ 20 milhões, de acordo com informação extraída do depoimento do réu Delúbio Soares, tesoureiro do partido.

Os outros votos

Rosa Weber e Luiz Fux — os primeiros a votar depois do relator e do revisor — acompanharam Joaquim Barbosa, a não ser quanto à ré Ayanna Tenório. Com relação a ela, seguiram Lewandowski, e a absolveram. Para Rosa Weber, ficou comprovado que a ré entrou no banco com a missão de comandar a reestruturação da instituição, com funções de natureza técnica, e só assumiu a área de prevenção de lavagem de dinheiro em 2005, não tendo participado da tomada de decisões relativas aos empréstimos em causa.

O ministro Luiz Fux destacou no seu voto que “os crimes foram perpetrados por pessoas de alta classe social, de respeitabilidade, no desempenho do ofício”. E afirmou: “Temos aqui uma demonstração de que, desde o início do processo, foi revelado à sociedade que o núcleo financeiro deu apoio a uma agremiação partidária. Isto é claro como água. E temos a comprovação de empréstimos ideologicamente falsos. Em princípio, todos os réus incidiram nesse crime de gestão fraudulenta, que devia ser chamado de gestão tenebrosa pelos riscos que acarreta à economia popular”. Mas, depois de votar pela condenação dos réus Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, também absolveu Ayanna Tenório — por considerar não haver prova suficiente quanto ao dolo.

Dias Toffoli — que foi o único a acompanhar o revisor da absolvição do deputado federal João Paulo Cunha, no início do julgamento — divergiu de Lewandowski apenas com relação a Samarane. Assim, votou pela condenação deste, absolvendo apenas Ayanna (como fizeram Weber e Fux). Com o voto seguinte de Cármen Lúcia, na mesma linha dos três votos anteriores, formou-se a maioria a favor da condenação de Rabello e Salgado (seis votos).