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Lewandowski vota por absolvição de João Paulo Cunha

Joaquim Barbosa vai fazer réplica e revisor quer tréplica 

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O ministro Ricardo Lewandowski, revisor da ação penal do mensalão, votou nesta quinta-feira pela absolvição do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) de todos os crimes em que foi enquadrado pelo procurador-geral da República e pelos quais foi condenado no voto do ministro-relator, Joaquim Barbosa: corrupção passiva, peculato (duas vezes) e lavagem de dinheiro. 

No final da sessão plenária, Barbosa anunciou que vai fazer uma réplica ao voto de Lewandowski, reservando-se o direito de “trazer respostas não só às divergências, mas também às dúvidas que foram trazidas à tona”. O ministro-revisor respondeu que “também peço que me reserve um espaço para responder às dúvidas”. E o presidente do STF, Ayres Britto, acabou por afirmar que o Regimento Interno da Corte “confere ao relator a função de ordenar e dirigir o processo”, acrescentando que cabe a ele “um papel de centralidade”. 

O bate-boca foi alimentado por Lewandowski que insistiu na “tréplica”, o que provocou uma intervenção ríspida de Britto: “Relator tem proeminência sobre o revisor, que tem um papel complementar”. E encerrou a sessão, que será retomada na segunda-feira. 

A divergência 

O ministro-revisor divergiu totalmente do voto inicial do ministro-relator Joaquim Barbosa, favorável à condenação do réu, em primeiro lugar, por ter o presidente da Câmara dos Deputados na época (setembro de 2003) recebido R$ 50 mil para favorecer a empresa SMP&B (de Marcos Valério, Ramón Hollerbach e Cristiano Paz). 

Na continuação do seu voto, o ministro-revisor também desqualificou a condenação do ex-presidente da Câmara dos Deputados — pedida pelo MPF e apoiada por Joaquim Barbosa — por crimes de peculato. 

Na primeira acusação, o parlamentar, depois de contratar a SMP&B para prestar serviços à Câmara, no valor de R$ 10.745.902, assinou cerca de 50 autorizações para subcontratações, o que teria resultado na terceirização de 99,9% do contrato, embora houvesse cláusula dispondo que a contratada poderia subcontratar outras empresas, “desde que mantida a preponderância da atuação da contratada na execução do objeto”. 

O revisor também absolveu Cunha da acusação do segundo crime de peculato, que consistiria na contratação da agência IFT, de seu próprio assessor de imprensa, para prestar serviços à Câmara, e que não teriam sido prestados, beneficiando-se de dinheiro público do qual era gestor. 

Lewandowski também absolveu, consequentemente — nesta parte do julgamento — os réus Marcos Valério e seus sócios dos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro.

Corrupção 

O ministro Lewandowski, ao começar o seu voto referente ao réu João Paulo Cunha, ressaltou que o crime de corrupção passiva exige “ato de ofício” como contraprestação da vantagem indevida, citando doutrina no sentido de que deve haver relação entre o ato executado pelo funcionário público e “a coisa entregue em razão da função pública”. E também que o que se pune é “o tráfico de função pública”. 

O ministro-revisor procurou provar que não houve o chamado “ato de ofício” do funcionário público. Segundo ele, os autos demonstram — ao contrário do que afirmou o relator Joaquim Barbosa no seu voto — que a licitação que culminou com a escolha da empresa de Marcos Valério para divulgação do trabalho e da imagem da Câmara dos Deputados foi solicitada, em março de 2003, pelo então diretor de Comunicação da Casa, “após regular trâmite administrativo”. E que a licitação foi autorizada pelo então primeiro-secretário da Câmara, Geddel Vieira Lima (julho de 2003). 

Além disso, frisou o ministro que foi criada comissão especial, mas que o ato do então presidente, João Paulo Cunhai, aprovando a criação dessa comissão não caracterizou ato de ofício destinado a beneficiar a empresa de Marcos Valério na futura licitação. 

Quanto à acusação direta do MPF de que Cunha teria influído na escolha da SMP&B ao final do certame, recebendo em troca R$ 50 mil, o ministro Lewandowski relacionou depoimentos constantes dos autos dos diretores de outras agências que concorreram com a agência, os quais “atestaram a higidez do certame”. Tanto que, segundo ele, não houve nenhum recurso dos competidores. 

Quanto aos R$ 50 mil recebidos por João Paulo Cunha, o ministro aceitou o depoimento do réu de que se tratava de dinheiro pedido ao tesoureiro do PT, Delúbio Soares, para a realização de pesquisas pré-eleitorais em Osasco (base eleitoral do deputado) e outros três municípios próximos. Segundo ele, a quantia foi recebida pela mulher do deputado na agência do banco Rural em Brasília, e foi enviado, sim, por Marcos Valério. Mas não se destinava a “pagar” nenhum ato de ofício do então presidente da Câmara. 

Peculato 1 

O réu João Paulo Cunha é também acusado de peculato (duas vezes) por ter, como presidente da Câmara dos Deputados, se apropriado de dinheiro público, de que tinha a posse, desviando-o em proveito próprio ou alheiro (Código Penal, artigo 312). No primeiro caso em julgamento, ele teria, ao contratar a agência SMP&B para prestar serviços à Câmara (contrato de R$ 10.745.902), assinado autorizações para subcontratações, o que teria resultado na terceirização irregular de 99,9% do contrato básico, com desvio de recursos públicos. 

No entanto, o ministro Lewandowski entendeu que Cunha, embora  pudesse autorizar as subcontratações, não tinha propriamente “posse” dos recursos públicos, não se caracterizando, portanto o crime de peculato. Ou seja, o presidente da Câmara não era o e”executor” do contrato, mas sim o diretor-geral da Casa, Sérgio Sampaio. 

Num sentido totalmente oposto ao do voto do ministro-relator, Lewandowski explicou, primeiramente, por que tinha votado pelo acolhimento da denúncia, em agosto de 2007: 

“Verifico agora que a premissa do voto, qual seja a de que ocorreu a contratação quase total do objeto licitado, estava, data vênia, equivocado. A afirmação de que quase a totalidade dos serviços foi subcontratada não corresponde à realidade”. 

O revisor destacou que o Tribunal de Contas da União — depois de uma primeira auditoria incompleta — acabou por verificar que 88,68% do serviço foi subcontratado, o que seria, para o órgão de fiscalização, um percentual “normal”. 

O ministro Ricardo Lewandowski concluiu o seu voto sobre a primeira acusação de prática de peculato por João Paulo Cunha da seguinte forma: “Rejeito a acusação por que partiu da falsa premissa de que a SMP&B subcontratou 99,9% do objeto licitado”. Além disso, criticou a afirmação da peça acusatória de que o réu teria “desviado recursos para a organização criminosa”. E perguntou como alguém que, segundo o MPF, teria desviado recursos para uma “organização criminosa”, não é denunciado — como não foi João Paulo Cunha — por crime de quadrilha.