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No Dia Mundial contra a Tortura, ONGs defendem punição de torturadores

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Na data em que a ONU estipulou como Dia Mundial em Apoio às Vítimas de Tortura, nesta terça-feira (26), o governo brasileiro voltou a ser criticado pelo atraso nas investigações sobre os crimes de tortura ocorridos na ditadura militar. Para Organizações Não Governamentais e entidades que lutam pelos Direitos Humanos a busca pela verdade e o resgate das informações ocultadas na época é essencial para não se perder a memória social do país. Elas cobram a punição dos torturadores e denunciam ainda que a tortura no Brasil continua existindo nos dias de hoje, especialmente em presídios.  

Para Cecília Coimbra, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM), entidade pioneira no combate à tortura no Brasil, o governo brasileiro não atuou na revelação de informações dos militares nos chamados ‘anos de chumbo’. A presidente do GTNM aponta que somente o trabalho de pesquisa de ONGs e entidades permitiu as descobertas feitas até o momento.

Nesta quarta-feira (27), o jornalista Vladimir Herzog, assassinado pelos militares após sessões de tortura, faria 75 anos. Herzog, segundo as versões oficiais, suicidou-se, o que a história já confirmou não ter ocorrido. Nas poucas horas em que esteve preso no DOI-CODI de São paulo, Herzog foi obrigado a assinar uma "confissão", que os militares alegaram ter sido espontânea. Nesta terça feira, Cecília lembrou que a morte de Herzog foi um marco na democratização do país. Ela conta que foi somente a partir da sua morte que se começou a discutir as falsas versões oficiais divulgadas pelo governo da ditadura militar.

O papel contendo suas declarações, segundo o comunicado oficial do Exército, "foi achado rasgado, em pedaços, os quais, entretanto, puderam ser recompostos para os devidos fins legais”. Nele, o preso teria escrito: “Eu, Vladimir Herzog, admito ser miltante do PCB desde 1971 (...). Relutei em admitir neste órgão minha militância, mas, após acareações e diante das evidências, confessei todo o meu envolvimento e afirmo não estar interessado mais em participar de qualquer militância político-partidária”, diz o texto, cuja reprodução distribuída pelos militares o Jornal do Brasil publicou na época, contestando sua veracidade.

O Jornal do Brasil também foi o primeiro veículo de imprensa a divulgar a foto do "suicídio" de Herzog, conforme disse o autor da imagem Silvaldo Leung Vieira, em entrevista em fevereiro deste ano.

Tortura Nunca Mais

A presidente do Tortura Nunca Mais lembrou que a morte de Herzog "tem um significado importantíssimo, porque a partir dela se começou a falar publicamente que a ditadura torturava e utilizava de versões oficiais falsas, referendadas por médicos legistas do círculo militar. Foi um marco pela democratização do Brasil”.

Ela revelou que a ONG trouxe a "comemoração" estipulada pela ONU para o Brasil em 1998 para dar mais visibilidade ao tema. O grupo fez ato para relembrar a data durante a Cúpula dos Povos, com debate no evento e faixas na passeata que levou mais de 20 mil pessoas às ruas do Centro do Rio, na quarta-feira (20). 

Maria Luisa Mendonça, diretora da Rede Social de justiça e Direitos Humanos, reforçando as queixas de Cecília diz que, por nunca terem sido investigados e punidos os torturadores da ditadura militar no Brasil, criou-se um ‘clima de impunidade’. Segundo ela, a instituição tem trabalhado nos últimos anos para a solução desses crimes de tortura, que não devem ser incluídos na Lei de Anistia. 

“Temos trabalhado bastante nos últimos tempos em relação ao tema da Comissão da Verdade, em apoio à sua criação, para que se investigue e puna os crimes de tortura. Esses crimes não prescrevem e não deveriam ser incluídos na Lei da Anistia, porque são de lesa-humanidade e  os tratados internacionais estabelecem que a tortura deve ser combatida”, disse. “O Brasil deve revisitar esse período triste de sua história e garantir que esses crimes sejam punidos a qualquer momento em que aconteçam”.

Segundo Mendonça, ainda existe tortura no país hoje, especialmente nos presídios.

“Existe, nas prisões, uma situação de total desumanidade. Problemas que persistem por décadas. A tortura está entre eles, que já foram denunciados”. Relata Mendonça. “Trata-se de um problema histórico que deve ser encarado com seriedade. É Inconcebível que, em pleno século XXI, isso exista. Existe ainda no imaginário popular, a ideia de que bandido tem que apanhar, de que ‘bandido bom é bandido morto’. Existe essa ideia retrograda no Brasil, como se os direitos humanos fossem defesa de bandido, e não de todos”.

Comissão da Verdade

Para a diretora da Rede, a Comissão da Verdade é um primeiro passo para que as informações ocultadas venham à tona. Ela espera que isso ajude os brasileiros a conhecerem sua própria história e que, a partir desse momento, a Comissão tenha poderes para denunciar processos jurídicos.

De acordo com ela, a condenação, pela juíza Cláudia de Lima Menge, da 20ª Vara Cível de São Paulo, do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra - que torturou e assassinou o jornalista e militante Luiz Eduardo Merlina, em 1971 - é uma decisão importante porque abre caminho para se repensar a Lei de Anistia.

“A partir desse processo que foi levado aos tribunais, esperamos que isso abra as portas para que se revisite e repense a lei de anistia. Nós defendemos, como em outros países como Argentina e Uruguai, que haja um processo jurídico de punição, para que não continue esse clima de impunidade no Brasil”, finalizou Mendonça. 

A opinião é endossada por Cecília Coimbra, que critica severamente a Lei de Anistia. Em artigo, ela diz que "foram feitos acordos entre forças políticas que respaldaram e apoiaram aquele regime de terror, e os diferentes governos civis que se sucederam após 1985". Como exemplo, ela cita a Comissão Especial sobre mortos e Desaparecidos Políticos, sancionada por Fernando Henrique Cardoso em 1995, que, para Cecília, apenas declarou mortos os desaparecidos, sem esclarecer as circunstâncias do óbito.  

A presidente do GTNM também aponta que a Comissão da Verdade vem se transformando em uma "Comissão do Possível", porque estaria limitada aos acordos estabelecidos após a abertura política do país, e não traria os crimes da ditadura à tona.

"Queremos sim uma Comissão Nacional da Memória, Verdade e Justiça onde todos os arquivos da ditadura sejam abertos e publicizados; onde o período de terrorismo de Estado (1964-1985) seja efetivamente investigado, esclarecido, publicizado (...) Há que não entrar na chantagem do “possível” em nome de uma pseudo governabilidade democrática", disparou no documento.