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STF retoma hoje julgamento sobre aborto de anencéfalos

Julgamento deve ser um divisor de águas no plano da opinião pública, segundo o ministro Ayres Britto

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O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará nesta quarta-feira a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS), que decide sobre a criminalização do aborto de fetos anencéfalos. O assunto causa polêmica entre aqueles que defendem e os que criticam a atitude. O ministro Carlos Ayres Britto afirmou que a sessão será um “divisor de águas no plano da opinião pública”. Por conta da repercussão do caso, será realizada sessão extraordinária, a partir das 9 horas, e o julgamento prosseguirá no período da tarde no STF. 

>> Enquete: Você acha que a mulher grávida de um feto anencéfalo pode escolher se interrompe ou não a gestação?   

A CNTS defende aborto nos casos de má-formação no cérebro em que o feto nascerá morto. A instituição argumenta que a criminalização do aborto de anencéfalos ofende a dignidade da mãe, que também corre risco de morrer com a gravidez. Estudos anexados ao processo informam que a má-formação letal no cérebro pode ser detectada com 100% de certeza durante a gravidez, inclusive pela rede pública de saúde.

Na terça-feira (10), o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), Wadih Damous, defendeu que o STF garanta às mulheres  o direito à interrupção da gravidez nos casos de fetos anencéfalos.

"O que a sociedade espera da mais alta Corte de justiça do país é a sensibilidade de reconhecer que a proibição do aborto prevista em nossa retrógrada lei penal não se aplica ao caso de fetos com anencefalia", afirmou Damous.

A socióloga e coordenadora executiva da ONG de defesa de direitos humanos CEPIA, Jacqueline Pitanguy, espera que o Tribunal decida favoravelmente ao direito da mulher de interromper a gravidez.

“Participei de audiência no STF em 2008 e argumentei que, por um lado, a lei que rege os transplantes no Brasil considera que, para efeitos de transplantes de órgãos, basta a morte encefálica. Ou seja, quando existe morte cerebral pode se proceder o transplante de órgãos. Se não há vida cerebral, não há vida. É incongruente que as mulheres que estão gestando um feto anencéfalo não possam interromper a gestação”, defendeu.

Pitanguy também destaca que em 1940, data de elaboração do código penal, não existia o exame de ultrassonografia, que permite descobrir se o feto é anencéfalo.

“Tem que se pensar no sofrimento da mulher ao saber que o que ela está gestando não é um ser humano. O que nos torna humanos é nosso cérebro. E no caso, não há nenhuma possibilidade de vida. Em vez de um berço e enxoval, vai ser preciso comprar um caixão.”

CNBB

Na outra ponta do debate, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) convocou o episcopado e todos os fiéis a se reunirem em “vigília de oração pela vida”, tendo em vista o julgamento. 

Em nota assinada por dom Raymundo Damasceno, arcebispo de Aparecida e presidente da CNBB, a entidade faz referência à nota anterior na linha de que os princípios da “inviolabilidade do direito à vida”, da “dignidade da pessoa humana” e "da promoção do bem de todos, sem qualquer forma de discriminação, (cf. art. 5°, caput; 1°, III e 3°, IV, da Constituição Federal) referem-se também aos fetos anencefálicos”.

“A vida deve ser acolhida como dom e compromisso, mesmo que seu percurso natural seja, presumivelmente, breve. Há uma enorme diferença ética, moral e espiritual entre a morte natural e a morte provocada. Aplica-se aqui, o mandamento ‘Não matarás’”, conclui a nota.

Divergências e Tuitaço

No Twitter, o clima era de apreensão. As entidades e os usuários que defendem a proibição incondicional do aborto opinavam para mobilizar a opinião sobre o julgamento e dominavam a discussão do tema. Assim, os hashtags #afavordavida e #abortonuncamais lideravam os trendings topics na noite de terça-feira. Muitas vezes endossados por argumentos religiosos, os defensores da proibição da prática abortiva para anencefálicos eram maioria na rede social. No canal oficial da Rede Defesa da Vida foi publicado:

“O direito à vida está protegido desde o momento da concepção sob o status de cláusula pétrea constitucional", citava, fazendo referência ao perfil oficial do STF.

O arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, afirmou em seu perfil da rede social:

"Se o STF aprovar o aborto de anencéfalos amanha, quem perde é a humanidade, que se tornará menos humana!"

Por outro lado, a hashtag #afavordavidadasmulheres fazia coro aos que acreditam que as mulheres devem ter o direito de decidir sobre o aborto de fetos anencefálicos. O movimento feminista Marcha das Mulheres repercutiu a questão ao longo do dia e disparou que "defender a legalização do aborto não significa ser a favor" da prática.

"Aborto inseguro é a terceira causa de mortalidade materna no Brasil. Cerca de 250 mulheres morrem por ano", dizia o perfil. 

Ainda, defendeu o Estado laico e ironizou o peso da religião nos argumentos que circulavam pelas redes sociais. 

"Se o papa fosse mulher, o aborto seria legal e seguro."

Caso Marcela

O emblemático caso da menina anencéfala Marcela de Jesus Galante Ferreira, que viveu 1 ano e 8 meses no interior de São Paulo deve ser o mais citado na próxima quarta-feira, principalmente pelos que rechaçam a descriminalização do aborto de fetos anencefálicos. 

A criança virou o principal exemplo dos grupos antiaborto depois de contrariar todos os prognósticos da medicina. Graças à intensa medicação, Marcela viveu muito mais do que crianças com esta anomalia sobrevivem.  A criança morreu em 2008, depois de se engasgar com leite. 

Apuração: Luciano Pádua