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MPF entra com ação para discutir se Lei da Anistia vale para sequestro 

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O Ministério Público Federal anunciou, nesta terça-feira, que encaminha nesta quarta-feira (14)  à Justiça Federal em Marabá, no Pará, denuncia contra o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura (na época conhecido como Dr. Luchini), pelo crime de sequestro qualificado de cinco militantes, capturados durante a repressão à guerrilha do Araguaia na década de 70 e até hoje desaparecidos.

Com essa ação, o MPF pretende reabrir a discussão, na Justiça, da não aplicação da Lei da Anistia, de 1979, aos chamados “crimes continuados”, como é o caso do crime de sequestro. Para os procuradores que tomaram a iniciativa, é “irrelevante a mera suspeita de que as vítimas estejam mortas”.

“O fato concreto e suficiente é que após a privação da liberdade das vítimas, ainda não se sabe o paradeiro de tais pessoas e tampouco foram encontrados seus restos mortais”, ressalta a ação. Sebastião Curió é acusado “em razão de sua participação material e intelectual” nos fatos objeto da denúncia, e de ser “um dos poucos agentes criminosos que ainda tem o conhecimento atual da localização das vítimas sequestradas”.

Ainda de acordo com a denúncia, os relatórios e registros históricos existentes sobre as supostas mortes das vítimas “não interferem na tipificação do delito (de sequestro), pois, além de imprecisos e inespecíficos, não trazem elementos indicativos dessas mortes - e de suas circunstâncias”.

Procedimento

A denúncia criminal chega à Justiça depois que um procedimento investigatório criminal foi aberto pela Procuradoria da República em Marabá, em 2009. Desde então, procuradores vinham reunindo documentos e organizando os relatos sobre a guerrila coletados desde 2001.

Após a requisição de informações e a colheita de outras declarações e depoimentosmais recentes de testemunhas, ex-militares e colonos, o MPF no Pará selecionou os primeiros casos de sequestro durante a guerrilha a serem denunciados, por se tratar de “crimes permanentes”.

A denúncia é assinada pelos procuradores da República Tiago Modesto Rabelo e André Casagrande Raupp, de Marabá; Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr., de Belém; Ivan Cláudio Marx, de Uruguaiana (RS); Andrey Borges de Mendonça, de Ribeirão Preto (SP) e Sérgio Gardenghi Suiama, de São Paulo.

As vítimas

Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeira Corrêa (Lia), conforme a denúncia, teriam sido sequestrados por tropas comandadas pelo então major Curió entre janeiro e setembro de 1974 e, “após terem sido levados às bases militares coordenadas por ele e submetidos a grave sofrimento físico e moral, nunca mais foram encontrados”.

Os sequestros teriam ocorrido durante a última operação de repressão à guerrilha, deflagrada em outubro de 1973, denominada de Operação Marajoara e comandada pelo então major Sebastião Curió.

Corte interamericana

Os procuradores ressaltam que os cinco crimes de sequestro por eles identificados foram levados à Justiça pouco mais de um ano depois que a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o caso Araguaia determinou que “o Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária a investigação dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-lo, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções”.

A Corte ainda determinou que a promoção da responsabilidade penal dos autores deve ser cumprida em um prazo razoável. E, por se tratar de violações graves aos direitos humanos, o Estado não poderia aplicar a Lei de Anistia em benefício dos autores, nem “nenhuma outra disposição análoga, prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa julgada ou qualquer excludente similar de responsabilidade para eximir-se da obrigação de punir os autores desses crimes”.