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Movimento estudantil vive crise de identidade, apontam políticos

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Com a crise entre estudantes e a reitoria da Universidade de São Paulo (USP), ocasionada pela presença da Polícia Militar no campus, veio novamente à tona a discussão sobre os rumos do movimento estudantil na sociedade brasileira. Antes uma das principais forças de resistência à Ditadura Militar, hoje o movimento vive uma crise de identidade, segundo Vladimir Palmeira,  político que começou sua trajetória como presidente da União Metropolitana dos Estudantes (UME):

"Não acho que o movimento estudantil tenha que se preocupar com o fato de ter perdido relevância na sociedade, vivemos outro momento histórico. O movimento não pode ser como no passado e vejo muito as lideranças cometerem esse erro, de querer repetir posturas que não se aplicam em uma sociedade democrática como a que temos hoje.  O que os estudantes podem fazer pela sociedade? Não há essa preocupação. Pode parecer  besteira, mas eles podem mobilizar a população para combater a dengue, por exemplo. Há diversos problemas no Rio. Eu vejo o prefeito fazendo e dizendo certas coisas e as pessoas acharem pouco relevante. Não, isso é muito importante", afirma.

Palmeira e Fernando Gabeira, que lutou ao lado de diversos movimentos estudantis durante a Ditadura, concordam que há uma grande diferença entre as duas épocas:

"Naquela época se deu em um contexto de ditadura, em que a luta central era a luta contra a repressão. Esse é um governo de centro-esquerda, e os estudantes viraram apoiadores. A UNE lutava contra a ditadura e hoje apoia o governo. O movimento envelheceu um pouco, em um certo sentido. Por outro lado, a presença dessa posição ideológica é para apoiar o governo. Vivemos um momento de transição, ainda não dá para saber em que direção o movimento estudantil brasileiro vai caminhar", explica Gabeira.

O intenso aparelhamento das principais entidades estudantis por partidos políticos, notadamente da base aliada do governo, também mereceu duras críticas por parte dos dois. 

"Isso influencia também. Nos centros acadêmicos, o pessoal ganha as eleições para fazer uma tribuna do partido. O que era compreensível na época da ditadura, embora eu nunca tenha concordado com esse tipo de prática. O CA é uma entidade do tipo sindical, a partir do momento que você a leva para a política tradicional, partidária, ele perde completamente a sua função", dispara Palmeira.

Para a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista em educação Libânia Xavier, há uma dificuldade em se comunicar com a comunidade acadêmica atualmente:

"De uma maneira geral, na época da Ditadura havia um projeto político muito mais bem definido. A  luta contra a ditadura era clara e unia todos, independentemente de divergência de opiniões. Hoje há uma diversidade muito maior em termos de posições políticas e visões de mundo. Talvez o movimento estudantil precise encontrar uma linguagem que una os estudantes de uma maneira mais eficiente, tal qual acontecia naquela época", pontua.

Para Vladimir Palmeira, parte das dificuldades encontradas pelo movimento estudantil se deve aos seus líderes no atual momento. 

"Nós temos lideranças de baixíssima qualidade nos quadros do movimento estudantil atualmente. Vemos a UNE e vários dos principais DCEs e notamos isso. Por outro lado, já há fortes movimentos de contestação brotando em diversos locais do país. Essa geração tem um forte viés cultural e isso precisa ser melhor abordado".

Palmeira ainda lembra que não é só o movimento estudantil que vive uma forte crise de representatividade perante a sociedade de uma maneira geral.

"O Brasil é o único país da América Latina que não tem movimento de massa. Talvez pela complexidade do país, pelo seu tamanho. Não tenho uma análise científica sobre isso, mas é o que eu acho. Você tem que atuar conforme a realidade  histórica. No curto espaço de tempo em que eu fui estudante, ninguém fazia nada em relação ao que estava acontecendo no país e um belo dia aconteceu, as pessoas acordaram. É muito difícil prever quando as grandes mobilizações acontecem, eles despertam quase que do nada".

Fernando Gabeira compara a situação brasileira com a luta estudantil no Chile. No caso, os estudantes reúnem dezenas de milhares de pessoas em manifestações contra o sistema educacional do país, muitas vezes acabam em confrontos violentos com a polícia. A líder da luta, Camila Vallejo (presidente da Federación de Estudiantes da Universidade do Chile), se tornou uma personalidade mundial e é convidada para dar palestras em diversos países. Seu perfil no microblog Twitter já conta com mais de 300 mil seguidores.

"O movimento que houve na USP aparentemente foi para afastar a PM. Mas ele usou formas de luta ilegais, como ocupação, e perdeu a simpatia da opinião pública. Atualmente, grande parte da população de São Paulo é contra o movimento. Isso não acontece com o movimento no Chile, por exemplo, já que os estudantes têm causas muito claras, como a luta por uma educação pública e gratuita".

Palmeira fez duras críticas aos alunos da USP, que, segundo ele, não representam a comunidade onde se encontram ou tampouco o movimento estudantil na maior universidade do país:

"É uma minoria sectária, que perdeu a assembleia geral e ocupou a reitoria da USP sem ter o respaldo da comunidade acadêmica. Ter a PM no campus é uma coisa, outra é ocupação militar. Eu acho que a comunidade consultada está achando que é justo, mas essa ocupação é um erro. Esse já é um movimento social, uma questão social e tem que ser resolvida com diálogo. Eles não representam nada para os alunos da USP, mas não podem servir de justificativa para uma ocupação militar da universidade", ressalta.