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Para evitar Tribunal de Haia, Brasil aceita discutir caso Battisti

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Em uma tentativa de evitar - ou pelo menos atrasar - que a concessão de refúgio político ao ex-ativista italiano Cesare Battisti seja contestada na Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia (Holanda), o Brasil aceitou compor, em parceria com o governo da Itália, uma comissão de conciliação para discutir diplomaticamente as divergências provocadas pela decisão de garantir a não extradição de Battisti a seu país de origem. A instalação do colegiado foi discutida pelo chanceler brasileiro, Antonio Patriota, e o ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, em Nova York.

A criação da Comissão de Conciliação está prevista na Convenção sobre Conciliação e Solução Judiciária entre o Brasil e a Itália, datada de 1954, e prevê que qualquer um dos dois países, se insatisfeito com uma decisão judicial específica, poderá tentar resolver a controvérsia. Um árbitro neutro, escolhido a partir da lista de membros de Haia, seria incumbido de mediar o acordo, que seria feito em até quatro meses, sujeitos à prorrogação.

Na prática, no entanto, como as considerações do colegiado não têm caráter de sentença arbitral, a manifestação do grupo de trabalho, se não for considerada satisfatória por um dos dois países, apenas atrasa o envio do caso ao Tribunal Internacional de Haia. O Brasil não aceita revisar a decisão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não extraditar Battisti, ao passo que a Itália considera uma afronta o refúgio ofertado pelo Brasil ao ex-extremista.

"Se uma das partes não aceitar as propostas da Comissão de Conciliação ou não se pronunciar a respeito (...) qualquer delas poderá solicitar que a controvérsia seja submetida à Corte Internacional de Justiça", diz um trecho do artigo 16 da convenção assinada pelos governos brasileiro e italiano. Em tese, a Corte de Haia pode penalizar o Brasil por não ter extraditado Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos na Itália.

Ainda assim, parlamentares italianos receberam com otimismo a possibilidade de instalação da Comissão de Conciliação. "Esse entendimento prevê a criação de um grupo ítalo-brasileiro para avaliar conjuntamente os aspectos jurídicos do caso Battisti. Não podemos deixar de reconhecer como sendo positiva esta primeira abertura, de fato, de diálogo por parte da autoridade brasileira face aos apelos italianos", disseram em carta os deputados Mario Mauro e Carlo Fidanza, do Partido Popular Europeu. O aceno brasileiro em prol da comissão ocorre às vésperas de a presidente Dilma Rousseff desembarcar em Bruxelas, onde irá ao Parlamento Europeu, e foi visto por setores da oposição como uma estratégia para evitar que o caso Battisti seja colocado em primeiro plano na visita e possa desencadear protestos.

Em 2009 o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que o caso de Cesare Battisti não se enquadrava como crime político e confirmou a extradição à Itália, com a ressalva de que, em substituição à pena perpétua imposta pela Justiça italiana, o ex-extremista tivesse sanção máxima de 30 anos de reclusão. No mesmo julgamento, no entanto, os ministros do STF decidiram que caberia ao presidente da República a decisão final de extraditar ou não Battisti, desde que o chefe máximo da República não violasse o tratado de extradição entre os dois países. O então presidente Lula optou por não extraditar Battisti.

Assinado em Roma em outubro de 1989, o tratado de extradição prevê que "cada uma das partes obriga-se a entregar à outra (...) as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciais da parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal". O mesmo texto ressalva, porém, que não será consolidada a extradição se o condenado tiver praticado crime político ou se houver "razões ponderáveis para supor" que o condenado pode ter a situação agravada por perseguições em seu país de origem. A tese da defesa de Battisti é que ele poderia sofrer perseguição se fosse enviado às autoridades italianas.

Caso Battisti

Ex-integrante da organização de extrema-esquerda Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), Cesare Battisti foi condenado pela Justiça italiana à prisão perpétua por quatro assassinatos, ocorridos no final da década de 1970. O italiano nega as acusações. Depois de preso, Battisti, considerado um terrorista pelo governo da Itália, fugiu e se refugiou na América Latina e na França, onde viveu exilado por mais de 10 anos, sob proteção de uma decisão do governo de François Miterrand. Quando o benefício foi cassado pelo então presidente Jacques Chirac, que determinou a extradição de Battisti à Itália, o ex-ativista fugiu para o Brasil em 2004. Encontrado, ele ficou preso no País a partir de 2007.

O então ministro da Justiça, Tarso Genro, sob o argumento de "fundado temor de perseguição", garantiu ao italiano o status de refugiado político, o que em tese poderia barrar o processo de extradição que o governo da Itália havia encaminhado à Suprema Corte brasileira. Ainda assim, o caso foi a julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) no final de 2009, quando os magistrados decidiram que o italiano deveria ser enviado a seu país de origem, mas teria de cumprir pena máxima de 30 anos de reclusão, e não prisão perpétua como definido pelo governo da Itália. Na mesma decisão, no entanto, os ministros definiram que cabia ao presidente da República a decisão final de extraditar ou confirmar o refúgio a Battisti.

No dia 31 de dezembro de 2010, último dia de seu governo, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não extraditar Battisti à Itália, com base em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que levantava suspeitas de que a ida do ex-ativista a seu país de origem poderia colocar em risco a sua vida. Segundo o documento, a repercussão do caso e o clamor popular tornariam o futuro de Battisti "incerto e de muita dificuldade" na Itália.

Três dias depois da decisão de Lula, a defesa de Battisti entrou com um pedido de soltura no STF, mas o governo italiano pediu ao Supremo o indeferimento da petição alegando "absoluta falta de apoio legal". Na ocasião, o presidente do STF, Cezar Peluso, negou a libertação imediata e determinou que os autos fossem encaminhados ao relator do caso, ministro Gilmar Mendes. No dia 3 de fevereiro, o governo italiano encaminhou STF um pedido de anulação da decisão de Lula, acusando-o de não cumprir tratados bilaterais entre os dois países.

Os recursos foram julgados no dia 8 de junho de 2011. Primeiro, O plenário decidiu que o governo da Itália não tinha legitimidade para contestar a decisão de Lula. Em seguida, o STF determinou a liberdade imediata do italiano por entender que não cabe ao Supremo contestar a decisão "soberana" de um presidente da República. Com o fim da sessão, o alvará de soltura de Battisti foi encaminhado para a penitenciária da Papuda, em Brasília, de onde ele saiu nos primeiros minutos do dia 9 de junho, após quatro anos preso.