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STF decide por unanimidade que marchas pela legalização da maconha não constituem crime  

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O Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade, na noite desta quarta-feira, ao fim de uma sessão de mais de cinco horas, que manifestações pacíficas a favor da descriminalização da maconha não constituem o crime previsto no artigo 287 do Código Penal, que pune com detenção de três a seis meses, quem fizer “publicamente apologia de fato criminoso”. A decisão tem efeito vinculante para as demais instâncias do Judiciário.

O voto condutor – de mais de duas horas – foi o do ministro-relator, o decano Celso de Mello, para quem “o princípio majoritário não pode legitimar a supressão, a frustração, a aniquilação de direitos fundamentais, como o livre exercício do direito de reunião e da liberdade de expressão, sob pena de descaracterização da própria essência que qualifica o estado democrático de direito”.

Ainda de acordo com Celso de Mello, “a denominada marcha da maconha – ao contrário dos que muitos sugerem – longe de estimular o consumo de drogas ilícitas, ou dele fazer apologia, busca expor de maneira organizada e pacifica as ideias, a visão, e as concepções dos organizadores e manifestantes desse evento social”.

O ministro-relator afirmou que “meras propostas de descriminalização de qualquer ilícito penal não constituem apologia de fato criminoso”, dando como exemplos os antigos crimes de adultério e de sedução que, como o tempo, e depois de muitas campanhas, deixaram de ser ilícitos penais. Para ele, no caso específico das “marchas da maconha”, não configura apologia de crime previsto na Lei de Tóxicos nem o uso de camisetas com desenhos ou fotos de folhas da “cannabis sativa”.

Os ministros deixaram claro que tais manifestações devem ser, obviamente, pacíficas, sem armas, previamente notificadas à autoridade pública, sem estímulo ao consumo da droga ou o seu consumo no decorrer dos eventos, nos limites da lei.

O ministro Luiz Fux – o segundo a votar – tentou inserir na ementa do julgamento um “balizamento”, a fim de proibir a participação de crianças e adolescentes até 16 anos nas passeatas em favor da liberação da maconha e outras drogas, tendo em vista o artigo 227 da Constituição, que exige do Estado e da família a proteção da saúde dos menores. A seu ver, os menores de 16 anos não têm ainda “autonomia individual”.

No entanto, o presidente do STF, Cezar Peluso, e o ministro-relator fizeram valer o ponto de vista processual de que estava em julgamento uma argüição de descumprimento de preceito fundamental (Adpf 187), em que se discutia, apenas, a aplicação dos princípios fundamentais da liberdade de reunião e da liberdade de expressão a manifestações pacíficas contrárias a uma previsão legal de ordem penal.

Assim, prevaleceu a proposta da vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, que ajuizou a Adpf 187 em julho de 2009. O STF resolveu dar “interpretação conforme a Constituição, no sentido de excluir qualquer entendimento que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos.”

Na petição inicial, a vice-procuradora-geral, Deborah Duprat, já explicara não estar em questão a política nacional de combate às drogas, mas, sim, a interpretação do artigo 287 do CP, que vem gerando “restrições a direitos fundamentais”. Na sessão desta quarta-feira, ela reafirmou que decisões judiciais, com base na norma legal, “vêm proibindo atos públicos em favor da legalização de drogas, empregando o equivocado argumento de que a defesa desta idéia constituiria apologia ao crime”. Nessa linha, alegou que “a proibição da realização de atos públicos em favor da legalização do uso de substâncias ilegais nega vigência a dispositivos constitucionais que garantem a liberdade de expressão e liberdade de reunião” (Artigos 5º, incisos 6, 9 e 16, e artigo 220 da Constituição).

O parecer da Presidência da República, contrário à Adpf, era de autoria do então advogado-geral da União, Dias Toffoli, atual ministro do STF, que não compareceu à sessão, impedido de votar, por ter sido parte no processo. Ele argumentava que a configuração ou não do ilícito penal só pode ser verificada no caso concreto e não à priori, “no juízo do controle abstrato de normas”. No início da sessão, Deborah Duprat, sublinhou que “a liberdade de expressão faz parte da democracia e pressupõe o livre mercado de ideias”. E que o que estava em debate era “unicamente a liberdade de expressão no mercado de idéias”. Além disso, referiu-se à recente aparição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em programa de televisão de grande audiência, defendendo a liberação de drogas leves, e perguntou: “Ele faz apologia de um crime? Se fez, só não foi molestado por ser ex-presidente da República”?

Falaram como “amici curiae” (diretamente interessados na ação), em defesa da iniciativa da PGR, os advogados Mauro Chaiben, da Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup), e Luciano Feldens, do Instituto de Ciências Criminais.

No início do julgamento, o plenário acompanhou o ministro-relator na preliminar de que os “amici curiae” não dispõem de poderes processuais para “atuar” nas ações de constitucionalidade, com o objetivo de “delimitar o alcance da demanda”. A Abesup pretendia que o STF concedesse, de ofício, habeas corpus permitindo o cultivo doméstico de maconha e seu uso para fins medicinais e religiosos.

Em face de mais um longo voto de Celso de Mello, a maioria dos demais ministros deram seus votos por lidos, mas fizeram uma série de comentários que prolongaram o julgamento até as 20h30. Marco Aurélio e Cezar Peluso – os dois últimos a se manifestarem – leram partes de seus votos. O primeiro considerou o artigo 287 do Código Penal “derrogado”, em face da “livre manifestação do pensamento”, cláusula pétrea do artigo 5º da Constituição. E qualificou de “bem baseado” o voto do relator.Peluso destacou que a manifestação pública pela descriminalização de drogas leves “não é em si mesma a instigação de um crime, mas expressa a necessidade de mudança legislativa”.

Além de Dias Toffoli (impedido), não participaram da sessão os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes (em viagem).