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A advertência está no Rio

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A tragédia cultural que se abateu sobre o Rio de Janeiro, ao ruir em cinzas o velho Museu Nacional, doeu no Brasil inteiro, que tem sido pródigo nas desatenções para com o patrimônio histórico. A hora é de deplorar o sinistro e eleger os culpados, mas é também a hora de formular séria advertência, que serve para todos os estados: o que se viu na Quinta da Boa Vista ameaça, todo dia, ser visto nos lugares mais distantes deste país, onde se descuida da preservação das riquezas do passado. Derramado o leite, como no dito popular, distribuem-se agora as responsabilidades, nem sempre honestas. Foram os bombeiros, que demoraram 40 minutos para sair do hidrante? Ou os governos, que demoraram 40 anos e nada resolveram?


Não há uma única cidade, um único sítio histórico ou arqueológico que não esteja a reclamar socorros imediatos, não é de hoje. Sem sair do Rio, há um inventário, que nem precisa se aprofundar tanto, para mostrar, com facilidade, que são muitas as nossas riquezas abandonadas. Pobre país desmemoriado.


Também neste momento, a cidade, ainda sob a dor dos rescaldos, presta-se a um papel de desbravador ferido e solitário: alerta que é preciso que os orçamentos deixem de considerar o patrimônio do passado algo de secundária importância, espécie de incômodo para os organizadores das despesas públicas. O que tem condenado um setor tão sensível a se contentar com migalhas financeiras; migalhas das verbas orçadas para o descaso dos exercícios seguintes.


Mas mesmo frente ao pouco que se reserva para a arte e a cultura, sem que se saiba até quando será assim, é necessário que ministério e secretarias estaduais dessa área aprofundem cuidados no momento em que elegem projetos a serem contemplados, abrindo passagem para o apoio e o fomento aos bens permanentes. Ninguém teria coragem de desmentir que muitas verbas oficiais escorregam para o regalo de grupos de simpatia dos governantes.


Não fosse assim a maldita tradição, talvez pudesse ser salvo o museu, que há duas décadas reclama verbas e atenções, e hoje é só o esqueleto despovoado, sem a alma e sem a vida que guardavam conquistas científicas e glórias do talento dos artistas desde os tempos de Dom João VI. Descuidou-se das instalações elétricas, das infiltrações, da segurança das áreas onde havia fácil combustão. Descuidou-se de manter equipe em número suficiente para permanente vigilância. O resultado não haveria de ser outro.


Quando se destrói uma obra pública, é costume das autoridades ligadas ao setor prometer imediata reconstrução. Mas no cenário que ficou do Museu Nacional não terão como dizer o mesmo, porque no patrimônio da memória, o que o fogo extinguiu ficou extinto para sempre. Não há recuperação possível. Elas não têm como devolver a vida ao que morreu em definitivo. Aos cariocas, fica o direito ao réquiem para a maior entre as maiores de suas relíquias de um passado glorioso.


Em mais esse monumental caso de desleixo e insensibilidade é inevitável responsabilizar, além do que couber ao município, os governos estadual (porque era uma preciosidade para os fluminenses) e federal (porque o acervo destruído era razão de orgulho para todos os brasileiros). O que autoriza, deduzindo-se, formular oportuna advertência em defesa do que nos resta do que foi guardado do passado. Cuidem-se Minas, Goiás, Bahia e todos os estados que vieram escrevendo lembranças e memórias de seus dias de província.


Deplorável ter de dizer tudo isso; mas a hora é agora.

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