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A armadilha da delação premiada

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Delação premiada é benefício legal concedido a criminosos delatores que revelem fatos relevantes acerca dos delitos, apontando os responsáveis, obtendo em troca benefícios legais tais como redução de pena e regimes mais brandos.

Na legislação brasileira, esse tipo de benefício é previsto em diversas leis e pode beneficiar o acusado com a diminuição da pena de um a dois terços; cumprimento da pena em regime semiaberto; extinção da pena e perdão judicial.

Sua origem advém de uma decisão proferida em 1775 na Inglaterra, quando um juiz declarou admissível o testemunho de um acusado contra seus cúmplices em troca de sua impunidade.

Na forma que conhecemos na atualidade, a delação premiada surgiu na década de 60 nos Estados Unidos, como o nome de plea bargainingI. Na época, a justiça americana enfrentava a máfia, e os criminosos presos se recusavam a colaborar com a polícia porque receavam que aqueles ainda soltos pudessem se vingar. Ressurgiu a ideia de oferecer um prêmio a quem delatasse seus companheiros de crime.

A ideia foi adotada em outros países, inclusive na Itália, chamada de “Operação Mãos Limpas”, a qual ajudou a colocar muitos criminosos atrás das grades. Na Itália, a delação premiada também foi usada para o combate a atos terroristas.

O intuito, entretanto, é por diversas vezes desvirtuado, tendo em vista que enquanto o processo não acaba, o premiado permanece com vencimentos, proteção a testemunha e vários outros benefícios, mantendo-o em situação mais confortável e sob a proteção da lei.

Não há nenhum compromisso com a verdade, pois se trata de um criminoso, que anteriormente buscava proveitos ilícitos e agora, para se esquivar das consequências, daquelas, procura obter vantagem “ilícita”, através da delação premiada, o reputar mais proveitoso atirar para todos os lados, entregando terceiros, independentemente de efetivamente terem participado de delitos ou não, e quantos mais apontar melhor, pois como gozará das proteções legais durante e até o final do processo (trânsito em julgado) ou, conforme acordo realizado, até para o resto da vida. Ao “abrir o leque” da investigação prorroga, até perder de vista, o tempo necessário para a conclusão da ação penal, bem como da manutenção de seus benefícios acima elencados. Somente alguém que ocupasse  um posto realmente relevante numa prática criminosa teria conhecimento suficiente de seus meandros para apontar a participação individualizada de cada um dos seus denunciados, demonstrando ser ele, sim, um dos maiores, senão o maior criminoso.

Vejamos a hipótese de um mau servidor público que estivesse envolvido em centenas de casos de corrupção, todos devidamente comprovados, ao requerer o benefício da delação premiada, apontaria dezenas ou centenas de nomes como co-autores, acusando outros de envolvimentos em crimes diversos, principalmente desafetos, aquele primeiro poderia manter seu emprego, com salários integrais, sendo deslocado para outro estado da federação e sob proteção da força pública, tudo custeado por nós, contribuintes.

Embora se trate apenas de um dos meios de prova em direito admitidos sempre devendo ser corroborada por outras provas (de modo semelhante à confissão) isto acaba não ocorrendo de fato, sendo tratada como verdade absoluta, afinal, dá muito menos trabalho do que realmente investigar.

A cada dia temos mais servidores dos diversos órgãos dando entrevistas sobre processos tramitando, com a fase probatória ainda em curso, quiçá investigatória, sendo apresentados, com alarde, trechos de depoimentos, fazendo a alegria de transmissores de televisão, quase imediatamente após prestados, inclusive sobre casos tramitando em segredo de justiça; na verdade, tal procedimento, acaba prejudicando a própria apuração da verdade dos fatos, pois sucede à veiculação televisiva imediata condenação, pela opinião pública, de todos os mencionados pelo delator, independentemente de serem ou não verdadeiros os fatos ou autoria apontados, não deixando qualquer possibilidade de defesa para os mesmos.

Constantemente, as acusações são formalizadas recheadas de “provavelmente”, “possivelmente”, “certamente”, que se repetem de forma exagerada nas acusações, ainda que as “conclusões” apresentadas sejam totalmente ilógicas e inacreditavelmente fantasiosas, destruindo reputações, vidas e famílias apenas para saciar a voracidade da mídia, sedenta por escândalos, aumentando a audiência e seus patrocínios.

Mesmo que os fatos “delatados” não sejam verdadeiros, e que nada tenham trazido de proveito efetivo para o interesse público, tal constatação terá demandado anos e recursos desperdiçados com a verificação (ou não) da procedência de suas acusações. E o delator terá sido premiado com seus benefícios legais durante muito tempo, ou até permanentemente.

Em respeito até o disposto no Artigo 5º, incisos C e LVII da Constituição Federal, a exposição de honra, imagem, trabalho, residência e família dos “delatados” jamais deveria ser feita , ao menos até que efetivamente se tenha apurado a veracidade da ocorrência de crimes e a confirmação de sua autoria com o conseqüente trânsito em julgado da sentença condenatória.

Após a condenação pela mídia, ainda que os “delatados” sejam absolvidos no processo, pela absoluta inexistência de provas do fato delituoso, jamais voltarão ao status quo de antes; ao contrário, como a lenda popular reza que “nesse país ninguém fica preso”, “esse é o país do jeitinho”...”, sempre surgirão insinuações sobre a matéria acusatória veiculada, seja no trabalho, escolas dos filhos, empregos dos cônjuges, vizinhança..., sendo eternamente assombrados por aquelas falsas acusações.