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'WSJ' diz que contratação de revistadores para Olimpíadas é um caos

Jornal norte-americano questiona qualificação de funcionários

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Matéria publicada nesta sexta-feira (22) no jornal norte-americano The Wall Street Journal conta que pessoas sem nenhuma experiência em segurança e com treinamento mínimo estão sendo contratadas para realizar o serviço de revista e busca por armas na entrada dos locais onde serão realizadas as competições dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Isso a apenas duas semanas do início do evento e depois das prisões realizadas ontem de suspeitos de terrorismo. 

O governo federal esperou até 1º de julho para aprovar o contrato de trabalhadores terceirizados para monitorar as máquinas de raio-X e revistar o público das competições em pontos de checagem na entrada dos locais onde serão realizadas as provas. Contratações similares em Olimpíadas anteriores foram feitas com pelo menos cerca de um ano de antecedência. O resultado é uma corrida maluca para a pequena agência de trabalhos temporários que conquistou o contrato de R$ 17,3 milhões para fornecer até 7 mil revistadores que o governo agora diz que precisa. Até segunda-feira, apenas 1.500 trabalhadores haviam sido contratados, segundo uma pessoa a par do esforço que descreveu a maratona de recrutamento como “uma confusão”.

> > The Wall Street Journal Rio Olympics Weapons-Screening Plans Are in Chaos

Segundo a reportagem do Journal, os recém-contratados para as vagas de revistadores, que vão receber cerca de R$ 30 por dia, também descreveram a pressa e a confusão. Mais de dez pessoas entrevistadas pelo The Wall Street Journal disseram que precisaram de qualificação mínima para conseguir o cargo e que receberam poucas instruções além do local de trabalho. Os candidatos às vagas disseram que as exigências não são rigorosas. A pessoa deve ter concluído o ensino médio, passar por um exame médico de rotina e ter seus antecedentes criminais verificados, além de obter pelo menos 70% de acerto em um curto teste de segurança on-line. Os candidatos recebem um guia de estudo on-line e têm direito a três tentativas para passar no exame de 20 questões de múltipla escolha. Nenhuma experiência anterior com segurança é exigida.

“Como é que você vai fazer o trabalho se você não tem nenhum treinamento prático?”, disse Priscila Siqueira, de 31 anos, da área de tecnologia da informação, que não tem nenhuma experiência com segurança, mas conseguiu um cargo de revistadora. “Se eu tiver que revistar alguém e eles tiverem uma arma ou uma bomba, e aí? Eu não saberia o que fazer.”

“Foi fácil”, disse Francisco José, advogado desempregado de 53 anos que disse que passou no teste na primeira tentativa. “Eu nunca tive um emprego como esse. Será uma experiência nova.”

O WSJ fala que um porta-voz da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (SESGE), o órgão do governo que aprovou o contrato, informou que os funcionários particulares serão supervisionados por policiais veteranos e por guardas de prisões que trabalharão ao lado dos revistadores. Ao mesmo tempo, o Rio de Janeiro está em estado de alerta depois dos recentes ataques terroristas na Bélgica, Turquia e França. Ontem, a Polícia Federal do Brasil prendeu 10 brasileiros suspeitos de ligação com o Estado Islâmico. Dois outros suspeitos que as autoridades afirmam estar planejando atentados terroristas estavam sendo procurados. Depois do atentado realizado com um caminhão em Nice, na França, na semana passada, o Ministério da Defesa do Brasil informou que todos os procedimentos de segurança estão sendo revistos para os Jogos, que devem atrair cerca de 500 mil visitantes para o Rio. Cerca de 85 mil militares e policiais estarão trabalhando durante a competição, o maior uso de força policial em um megaevento na história do país. O presidente interino Michel Temer divulgou um vídeo curto esta semana garantindo aos turistas que eles podem se sentir seguros no Rio.

“Nós reforçamos muito a segurança na cidade e vocês podem vir sem preocupações”, disse ele.

Ainda assim, o fracasso do Brasil em resolver algo tão básico como a revista das pessoas a poucos dias do início dos Jogos tem alarmado alguns especialistas em segurança. Conceder um grande contrato a uma firma sem experiência na última hora é “brincar” com a segurança pública, diz Colin Clarke, especialista em terrorismo e crime internacional do centro de estudos americano Rand Corp., especializado em defesa.

“Você quer pessoas que são treinadas para identificar comportamentos suspeitos, em busca de padrões, similares às que você encontra nos aeroportos”, diz Clarke. “E isso é ampliado [durante a Olimpíada] por causa da escala. As pessoas estão vindo de todas as partes do mundo para esses locais, falando diferentes línguas.”

Normalmente, os revistadores precisam de um mínimo de 13 horas de aulas teóricas e de instruções práticas de como lidar com o equipamento e com as pessoas e isso pelo menos 90 dias antes de um evento tão complexo e gigantesco como os Jogos Olímpicos, disse James Reese ao The Wall Street Journal. Ele é presidente do conselho da empresa americana de segurança TigerSwan, que tem três escritórios no Brasil.

“[Os revistadores] têm que aprender todas as diferentes anomalias que acontecem com tipos diferentes de dispositivos”, diz Reese. “Então você deve fazer um treinamento baseado em cenários; o que acontece se você recebe várias centenas de pessoas de uma só vez ou o que ocorre em termos de uma ameaça.”

O Journal lembra que para a Olimpíada de Inverno de Vancouver, em 2010, os revistadores e os operadores de máquinas de raio-X receberam entre 30 e 50 horas de treinamento, de acordo com informações da época. A empresa que conquistou o contrato para a Olimpíada do Rio, a Artel Recursos Humanos, não tem uma atuação significativa no setor de segurança do Brasil nem possui experiência no fornecimento de detectores de armas para megaeventos. Representantes da empresa não responderam a múltiplos telefonemas e e-mails pedindo comentários. A Artel recentemente contratou uma empresa de recursos humanos, a Simetria Terceirizados e Temporários, para ajudar na contratação dos revistadores. A Simetria publicou mensagens sobre as vagas em sua página no Facebook na semana passada. Nos escritórios da Simetria no centro do Rio, nesta semana, dezenas de contratados lotavam as salas de espera para saber onde vão trabalhar. Muitos estavam confusos sobre o que seria exigido deles e para onde deveriam ir e quando. Alguns se apresentaram nos locais determinados e descobriram que não havia ninguém responsável. No local onde serão disputadas as provas de vôlei de praia, em Copacabana, Robson Felix de Almeida, recém-contratado pela Artel, disse que esperou por três horas na terça-feira antes de voltar para casa. As novas máquinas de raio-X continuavam em um canto, sem estar instaladas.

“Eu deveria começar hoje, mas não havia ninguém lá. Nada”, disse o escritor de 46 anos. “Eu espero que tudo acabe bem. Mas se alguém quiser fazer algo, eles têm uma porta aberta. Nós não deveríamos estar fazendo isso. Deveria ser alguém com experiência policial.”

Neusa Nascimento, diretora da Simetria, disse que ela “não tem ideia” do tipo de treinamento que os revistadores precisam, se é que precisam de algum. Ela disse que o papel da sua empresa é fornecer trabalhadores com base nos critérios definidos pelo Ministério da Justiça e que é responsabilidade do governo treinar essas pessoas para usar detectores de metais e outros dispositivos.

“Seria culpa da Artel ou da Simetria se algo ruim acontecer? Não. A culpa seria do governo federal”, disse ela. “Nós apenas estamos fazendo o trabalho para o qual fomos contratados.”