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Por um novo capitalismo

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Em “O fim da era do humanismo”, Achille Mbembe aponta para os riscos que a tecnologia e o capitalismo neoliberal representam para a democracia liberal. De fato. As fake news, o controle de informações pelo setor de tecnologia, a atuação de robôs e outras ferramentas tecnológicas estão influenciando todos os mercados, incluindo resultados de eleições. Por outro lado – o risco vem sempre junto a uma oportunidade –, são justamente as novas ferramentas de tecnologia que permitem uma gestão pública mais participativa, com o controle das contas e da qualidade do gasto público pelos cidadãos, assim como uma maior participação na definição das metas a serem perseguidas, na elaboração das leis, com a inferência por parte de legisladores sobre como seus eleitores votariam em determinados temas, e assim por diante. 

Não haverá um outro cenário possível, alternativo ao de Mbembe? E se o capital financeiro e o setor de tecnologia se direcionarem a trabalhar em prol da prosperidade do mundo? Por que o fariam? Pela conscientização dos riscos que a concentração de renda e devastação do ambiente derivados de um capitalismo predatório representam para todo o sistema. Por conta de incentivos, tributos e outros tipos de obrigatoriedade impostos pelo governo, mas pode ser também voluntariamente, por interesse próprio num mundo menos injusto e por isso menos violento e com mais qualidade de vida urbana. 

 Apesar de parecer ingênuo, diante de uma sociedade que se desintegra como a nossa, é cada vez mais possível dizer que o dogma felicidade = dinheiro imperante no último século nos trouxe a uma sociedade doente, infeliz. A postura dos jovens de hoje deixa claro a transição da sociedade do consumo para a sociedade do bem-estar, o que torna possível outros tipos de relações de trabalho e acordos na sociedade. Os jovens da elite já não precisam mais acumular recursos financeiros; uma parte substancial de todos os jovens quer ajudar a espalhar prosperidade no mundo, dando espaço para o florescimento de novas práticas capitalistas, tal como o sistema B e o desenvolvimento de um mercado de fundos socioambientais, que considere não apenas o retorno financeiro das aplicações. 

Ricardo Abramovay, em Muito Além da Economia Verde, enxerga a emergência de um discurso de responsabilidade socioambiental no ambiente corporativo inédito na história do capitalismo. São vários os movimentos empresariais que emergem com objetivos explícitos de um novo modo de produção, que satisfaça as reais necessidades sociais e por meios que compatibilizem o sistema econômico com os limites ecossistêmicos. A crescente conscientização do risco de colapso a partir do final do século XX, a percepção de que questões associadas às mudanças climáticas, os conflitos sociais, o esgotamento de água, poluição etc. passam a constituir uma ameaça real aos negócios. Essa conscientização gera, além do aumento da qualidade de vida, uma enorme oportunidade econômica para o mercado de capitais, seguros e resseguros. 

O caos não interessa a ninguém. Estamos numa situação que os economistas chamam de “equilíbrio de sela”, num baixo nível de bem-estar urbano, principalmente para os pobres, mas também para os ricos, de onde não se sai sem uma articulação de todas as forças da sociedade. Uma hora oportuna para pensar em como ter um mundo melhor para todos. Mas não sabemos para onde ir. O que buscamos? O que temos em alta conta? Que tipo de sociedade queremos? Qual a meta a perseguir? A pergunta remanescente nos foi deixada por Ferreira Gullar, no artigo “Não basta ter razão” (Folha de S. Paulo, 03/02/2013): “Como estimular a iniciativa criadora de riqueza e, ao mesmo tempo, valer-se da riqueza criada para reduzir a desigualdade?”