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A estrela renasce pelas mãos de Moro

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A roda gira. Desde o assassinato de Marielle e Anderson, a tristeza dominou de vez o Rio. Não só os “de esquerda”, mas todos aqueles minimamente preocupados, em primeiro lugar com a pauta de direitos humanos, mas também com o combate à máfia generalizada que domina, há muito, o nosso estado. Além da tentativa de minar os sonhos de tantas minorias que Marielle incorporava – e pelos quais lutava brava e honestamente, aqueles tiros foram um atentado à democracia. Foram os tiros de misericórdia na nossa resiliente esperança num Rio melhor, mais justo, mais integrado, em paz. Esperança que renascerá quando a rede da máfia for desvendada e os assassinos, de todas as castas, devidamente punidos.  

Uma luz de esperança já surgiu, no entanto, ironicamente, com um outro atentado à democracia. O último tiro saiu pela culatra. E foi dado, quem diria, por Sergio Moro, com a decretação, antes da hora, da prisão do ex-presidente Lula. Foi o que faltava para reacender a sensação de injustiça e, quem diria, unir não só a esquerda, mas junto a ela todos os defensores da democracia, que estão muito indignados com “tudo que está mantido por aí”. O feitiço virou contra o feiticeiro. Moro acabou ressuscitando Lula e o PT.  

Depois de uma semana lendo as notícias, nacionais e internacionais, nos veículos tradicionais e nas redes sociais, parece cada vez mais evidente o caráter político da prisão de Lula, tal como afirma, dentre outros renomados juristas, Luigi Ferrajolio em “Uma agressão judiciária à democracia”: “O caráter não judiciário, mas político de todo esse caso é revelado pela total falta de imparcialidade dos magistrados que promoveram e celebraram o processo contra Lula. Certamente, este partidarismo foi favorecido por um singular e inacreditável traço inquisitório do processo penal brasileiro, a falta de distinção e separação entre juiz e acusação e, portanto, a figura do juiz inquisidor, que instrui o processo, expede mandados e então pronuncia a condenação de primeiro grau”.

Essa prática, que tem o nome em inglês de lawfare, é combatida internacionalmente por entidades de defesa da democracia, que já estão se mobilizando contra o golpe legalista no Brasil. Lula vem sendo perseguido por Moro, a mídia e a elite há muito tempo. Teve sua vida e de sua família devassada de tal forma que nos faz concluir que ele, de fato, não fazia parte do esquema de propinas, ao contrário de tantos outros que ainda se mantêm no poder. Basta usar o bom senso e comparar os valores envolvidos e o teor das provas dos demais indiciados ou presos da Lava Jato para ter convicção de que não era ele o “chefe da quadrilha” - a acusação ainda tem o ônus da prova, ou não? Será mesmo que a Justiça é igual para todos? Não será também o Judiciário, senão corrompido, direcionado por “teses” e “convicções”? A agilidade da Justiça, ficou claro, depende do réu. 

O comício que se transformou a prisão de Lula foi uma aula de política. Remeteu-me à nostalgia do comício do “Lula lá” na Candelária, em 1989. É claro que o tempo não volta, não se apagarão os erros de Lula e do PT, mas como bem disse Gregório Duvivier, “está difícil não ser Lula com tanto anti-lulismo”, ou, usando as palavras de Luiz Eduardo Soares, sou cada vez mais anti-anti-petista. Lula, como gênio político que é, soube aproveitar bem o momento para reverter sua imagem de “maior ladrão da história”, que vinha sendo vendida, para reafirmar sua notoriedade internacional como o maior líder popular do Brasil. Mais do que isso, teve a oportunidade que queria para olhar no olho do povo e dizer “eu não roubei”. São muito poucos os capazes de transmitir honestidade nos olhos ao dizer isso. Mas quem não quer, continua sem ver.

Correção 

No perfil de Eduarda La Rocque, publicado ontem, uma correção: a colunista nunca foi filiada ao PSDB. O ex-marido dela, Edward Amadeo, é que foi ministro do Trabalho de Fernando Henrique Cardoso.