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Gentileza gera gentileza 

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Sexta-feira foi a estreia dos “Exilados”, única peça que James Joyce escreveu, que fala do amor de dois amigos pela mesma mulher, casada com um deles.

A peça, dirigida por Ruy Guerra, que eu não via desde a época do Cinema Novo, me fez reencontrar pessoas também afastadas desde então. Ótimas, alegres, participaram do coquetel, depois do espetáculo, num dos teatros mais interessantes do Rio, atualmente, que é o “Solar de Botafogo” que fica na rua Gal. Polidoro, lugar que poderia ser também chamado de “Baixo Cemitério”, como os outros barzinhos ali por perto,  só que chiquérrimo. 

O prédio é grande, e além do teatro, existe um salão de festas, salas de palestras, arte, dança, música, tudo isso bolado pelo Leo, dono do teatro, que trabalhou como ator comigo na peça “Trair e coçar é só começar” e, agora, contratou minha filha pra trabalhar nos "Exilados" como atriz, que, aliás, faz maravilhosamente o papel de uma velha  manca, empregada da família. Fiquei pasma ao vê-la encarnar tão bem um personagem tão diferente de tudo o que ela já fez e com o dobro da sua idade.

Outra coisa que gostei muito foi a cenografia do Marcos Flaksman e a luz do Maneco Quinderé, ousadas e modernas.

No sábado subi pra Petrópolis e todos os amigos de lá me convidaram pra ir à Bauernfest, ou seja, “A festa do colono alemão.”

Cinco anos passei na Europa e só conheci, por um estranho acaso, uma cidade da Alemanha chamada Emeric, quando eu e um amigo argentino gay, também ator, fomos convidados pra fazer a peça que estávamos encenando em Roma, em Amsterdam, que conhecíamos e amávamos como o paraíso da liberdade. Meu amigo, completamente hippie,  tinha os cabelos pintados de vermelho, os olhos sombreados por um koal indiano, moda inevitável na época, e na lapela do casaco de lã, uma flor de plástico vermelha.

Embarcamos no trem, em Roma, felizes da vida de voltar a Amsterdam quando qual não foi a nossa surpresa ao sermos barrados na entrada da cidade por não termos passagem de volta.

-Será que vão me mandar de volta pra Argentina? Pergunta meu amigo, apavorado, os olhos azuis arregalados. Você não sabe o que é ser gay em Buenos Aires!

Deixamos Amsterdam escoltados por dois policiais e saltamos em Emeric, fronteira da Holanda com a Alemanha.

Os alemães implicaram com os cabelos pintados de henna do meu amigo e quase nos atropelaram com seus carros e bicicletas.

Perguntamos quando partia o próximo trem pra Roma, em inglês, francês, espanhol, italiano, português, esperanto, e nada. Os alemães só falam alemão.  Até que chegou o gerente e disse, em inglês, com sotaque, que o primeiro trem pra Roma saia às oito da noite. 

- Que faremos então? Perguntei ao meu amigo.

- Podemos comer chucrute e cantar Lili Marlene.

Em vez disso, compramos um champagne na farmácia e resolvemos relaxar.

Tudo isso me veio à cabeça com o convite da Bauernfest, alám da lembrança do trem de volta pra Roma onde os alemães brincavam de enfiar moedas dentro do gargalo de garrafas, quebrando uma por uma e dando gargalhadas.

Por causa de tudo isso, pensei melhor se aceitaria ou não o convite pra festa do colono alemão, onde acabei indo com meu namorado e meu neto e ficamos pasmos com tanta delicadeza e  alegria, em frente ao maravilhoso Palácio de Cristal, no centro de Petrópolis, um dos mais lindos do mundo com suas casas coloniais, algumas agora transformadas  em  deslumbrantes pousadas.

E o que mais me impressionou na festa alemã, depois de ter estado em Emeric, foi a mistura de raças: negras, brancas e judias, e a gentileza que uns geravam aos outros que as devolviam numa alegria contagiante composta por cervejas e salsichas, alem de magníficas tortas.  

Então saí da festa pensando como seria magnífico se as coisas tivessem realmente mudado assim, gerando gentileza em vez de guerra, de Emeric a Bauernfest.