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A geração da Verdade 

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De repente me lembrei de uma bronca pavorosa que levei de papai e que, depois de milhões de anos de análise, deve ter-me vindo à tona por algum motivo escondido dentro da minha alma de criança.

Eu era muito pequena quando resolvi copiar minha irmã, (que era pra mim o Máximo), tentando ultrapassá-la, inconscientemente, nos desenhos maravilhosos, (obviamente de figurinos que ela fazia e faz até hoje, na Globo) elogiados pelo mundo.

Eu também desenhava, cada uma com sua caixa de lápis Prismacollor, mas os meus desenhos eram menos elaborados, enfim, mais normais.

Então, um dia, fiz, sem querer, uma espécie de instalação que mudou minha vida. Resolvi não usar os lápis coloridos, mas somente um preto, nem no caderno, mas na porta do armário do quarto de vestir. Desenhei uma noiva do tamanho dela, que usava um longo véu, luvas, coroa, baton, saia rodada de cetim e bouquet de flores.

Ouvi meu pai chegar de mansinho, e achei que ele ia me envaidecer e alegrar com seus múltiplos elogios, mas qual não foi a minha surpresa quando ele olhou pra noiva desenhada no armário, fez uma cara enfurecida que eu nunca tinha visto antes, pegou uma borracha numa mesinha e disse furioso:

- Apaga isso já!

Olhei pra ele, triste e estarrecida, e ele falou mais alto:

- Já! Entendeu? Já! 

E me estendeu a borracha.

Comecei a apagar a noiva, e o que senti nesse dia, para quem esperava elogios e carinhos, foi decepção, humilhação e uma tristeza profunda. Ainda por cima eu tinha acendido as luzes do quarto pra desenhar melhor, e papai perguntou se, por acaso, eu achava que ele era sócio da Light.

Apaguei as luzes e comecei a apagar o meu desenho e o meu sonho de ser elogiada por papai, o homem pelo qual eu era completamente apaixonada e chorava sempre que ele chegava do trabalho, me punha no colo, até minha mãe aparecer e ele me trocar por ela, me botando no chão.

Hoje, depois de tantos anos de análise, acho que alguma coisa aconteceu na minha cabeça depois que apaguei aquela pobre noiva que não chegou no altar. Ao contrário, “saiu do armário” e resolveu dar uma virada na sua vida.

Só casei no civil porque minha mãe me obrigou, alegando que eu não ia morar com o meu namorado sem casar.

Aceitei por não ter opção. Mas três dias antes do casamento marcado, disse, apavorada, ao meu futuro marido que não ia casar mais. Ele ficou estarrecido e mandou eu pensar na festa que íamos dar  no dia, no vexame que seria desmarca-la, mas só me convenceu mesmo quando alegou que eu poderia me separar no dia que quisesse. Então concordei com ele e aceitei o vestido maravilhoso, super decotado e mini-saia, que o Guilherme Guimarães me deu de presente de casamento.

As amigas de mamãe ficaram meio chocadas, esperando um grande véu  e um vestido comprido. Mas estes ficaram, literalmente, no armário. O que virou moda daí em diante foi o casamento aberto, que contrariava aqueles das nossas avós e mães, trancadas em casa enquanto os maridos levavam as amantes pras garçonnières e se faziam de santos. Fomos uma geração da verdade. Fizemos uma revolução em todos os sentidos na época. Partimos pra todas as lutas, inclusive a armada. Acho que sem saber, já tínhamos formado a nossa Comissão da Verdade que vai ter sempre muito assunto, mesmo tantos anos depois.