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Qual desenvolvimentismo?

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Às vésperas da posse do governo Dilma 2 e considerando o problema do baixo crescimento em Dilma 1, a discussão sobre o desenvolvimento continua na agenda pública. O projeto vencedor nas eleições de outubro foi o social-desenvolvimentista, que defino como um processo objetivo, apoiado em determinada relação de força entre as classes e frações, cuja lógica interna baseia-se em um modelo de capitalismo no qual o Estado desempenha um papel ativo na economia e tem base social nos trabalhadores do setor formal, subproletariado, excluídos, estratos das classes médias urbanas, camponeses pobres e setores do empresariado produtivo. Embora tenham ocorrido impactos institucionais do projeto/processo social-desenvolvimentista, não necessariamente eles se dão mediante imediata correspondência com a pujança das forças que o suportam, pois dependem de concertação política e capacidades de vários tipos para serem devidamente implementados. 

O novo núcleo da política econômica terá, na Fazenda, um nome proveniente do setor privado e, a rigor, identificado com o projeto derrotado. Por outro lado, o Planejamento será comandado por um economista desenvolvimentista e o Banco Central continuará presidido pelo mesmo quadro que hoje o dirige. A presidenta Dilma é desenvolvimentista. Se a orientação de política econômica, mesmo que não no plano imediato, devido ao aperto fiscal conservador que se anuncia, mas, ao fim e ao cabo, como resultante dos próximos quatro anos de governo, será de oposição à primazia dos mercados, conforme esperam os desenvolvimentistas, que modelo de desenvolvimentismo eles almejam para o Dilma 2?

Uma relevante síntese desse debate foi feita por Pedro Paulo Zaluth Bastos (2012), da Unicamp, no artigo “A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo”. O trabalho aborda duas grandes concepções estratégicas para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil delineadas desde a vitória de Lula, nas eleições de 2002, em decorrência da crise do neoliberalismo. Por um lado, o “novo-desenvolvimentismo”, cujo conteúdo mais denso ele chama de desenvolvimentismo exportador do setor privado. Por outro, o “social-desenvolvimentismo”, qualificado como desenvolvimentismo distributivo orientado pelo Estado. 

Apesar de serem atuais, ambos têm enraizamento no tradicional pensamento econômico estruturalista latino-americano. O novo-desenvolvimentismo teria sua origem no PSDB, na crítica interna ao partido ao monetarismo prevalecente no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Brasílio Sallum Jr., em 1999, já identificava uma tensão entre fundamentalismo neoliberal e liberal-desenvolvimentismo em FHC 1 e 2. Essa visão enfatiza a função indutora do desenvolvimento desempenhada pela política macroeconômica, especialmente pela taxa de câmbio, cuja apreciação demasiada, através da elevação dos juros para fins de combate à inflação e de cobertura no déficit em conta corrente, prejudica as exportações. Bastos cita Luiz Carlos Bresser-Pereira, o maior expoente acadêmico do novo desenvolvimentismo, que já não tem mais nenhum vínculo como o PSDB e, publicamente, declarou seu voto em Dilma nas últimas eleições: “o novo desenvolvimentismo aposta na capacidade dos países em desenvolvimento de exportarem produtos manufaturados de médio valor agregado ou produtos primários de alto valor agregado”. Crítico rigoroso da estratégia de crescimento por meio de poupança externa, Bresser-Pereira defende uma taxa de câmbio adequada não apenas ao equilíbrio das transações correntes, que poderia ser alcançado pela exportação de commodities, mas, mais que isso, adequada ao equilíbrio industrial, para estimular indústrias de transformação que utilizem tecnologia no melhor estado da arte internacional. Para o novo desenvolvimentismo, a primazia está na política macroeconômica, e não na política industrial, que é vista como uma política setorial complementar, embora também importante. No limite, a melhor política industrial é uma boa política macroeconômica. Ademais, um modelo de crescimento apoiado na exportação de commodities é insustentável na perspectiva do desenvolvimentismo exportador do setor privado.

A visão de Bresser-Pereira coloca em evidência um elemento essencial: sem o concurso dos capitalistas, não há desenvolvimento econômico capitalista, muito menos políticas de bem estar. Sua obra identifica na apreciação cambial um entrave estrutural chave da política econômica aos investimentos produtivos e ao crescimento sustentado. Ele visualiza na indústria, em especial nas exportações industriais, o móvel para o crescimento, inclusive para a expansão do mercado interno, rejeitando a dicotomia entre os modelos export led e wage led. Sem competitividade cambial, ou seja, sem a desvalorização da moeda, a indústria nacional perde mercado interno e externo para os concorrentes estrangeiros, não só para os produtos chineses. Uma dificuldade da abordagem exportadora é política: cadê as forças sociais concertadas em sua defesa?

Por outro lado, o social-desenvolvimentismo encontrou maior apoio, seja no governo Lula, seja na intelectualidade desenvolvimentista, embora sem contar com uma adequada sistematização acadêmica. Essa corrente unifica-se na “ênfase no mercado interno e no papel do Estado para influenciar a distribuição de renda e a alocação de investimentos”. Entre seus expoentes no governo, Bastos destaca Guido Mantega, Luciano Coutinho e a presidenta Dilma Roussef. Segundo ele, o termo social-desenvolvimentismo é válido para “interpretar ex post o crescimento ocorrido sob o empuxe das pressões para elevação do salário mínimo, do crédito ao consumidor e das políticas sociais a partir de 2005”, mas “dificilmente pode descrever, sem ambiguidades, uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo”. A capacidade do componente “social” operar como fator de impulso do desenvolvimento capitalista já apresentava sinais de esgotamento em 2010. Consciente dessa restrição, um autor dessa corrente, Ricardo Bielschowsky, em 2012, argumentou que a estratégia de desenvolvimento deveria apoiar-se em três fontes de expansão e de indução do investimento: o consumo de massa, os recursos naturais e a infraestrutura. Cada um desses motores, por sua vez, deveria ser maximizado por dois “turbinadores”, a inovação tecnológica e a reativação de encadeamentos produtivos tradicionais. De qualquer modo, o foco é no mercado interno, sendo as exportações vistas como secundárias. 

Bastos, no atacado, crê mais no desenvolvimentismo distributivo orientado pelo Estado que no novo desenvolvimentismo. As potencialidades do primeiro lhe “parecem mais realistas, ao contar com a ampliação, integração e diversificação do mercado interno para induzir investimentos”. Mas, no varejo, concorda que houve erros na política macroeconômica de Lula e que Dilma estaria tentando corrigir (o texto foi publicado em 2012). Acontece que o crescimento não veio com Dilma, mesmo que o governo tenha procurado fazer uma gestão um pouco mais desenvolvimentista da política macroeconômica, investir em infraestrutura, fortalecer algumas cadeias produtivas tradicionais e manter a política social. Se o novo desenvolvimentismo tem pouca base política, o social-desenvolvimentismo experimentou, em Dilma 1, uma relativa falta de efetividade. Resultado: a coalizão neoliberal, que é forte, embora derrotada eleitoralmente, emplacou um ministro da Fazenda mais ao seu feitio.

Enfim, os brasileiros democratas e progressistas, mais que isso, a nação espera que os desenvolvimentistas de dentro e fora do governo formulem uma síntese virtuosa de ideias e políticas públicas que conduzam o país ao crescimento com justiça social. Para se alcançar essa síntese, uma variável fundamental precisa ser considerada: o desenvolvimento requer liderança política, elemento que, em uma sociedade capitalista complexa, implica em coalizão entre classes e frações e instituições de concertação.

Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.