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O novo ministério e o capital

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No capitalismo, o capital e os capitalistas que o representam possuem poder público. Há uma limitação estrutural aos governantes no sentido de manter níveis minimamente aceitáveis de atendimento das demandas do sistema econômico baseado nas relações capitalistas de produção. Sem acumulação de capital, não se realizam três rendas fundamentais: lucro, salário e receita tributária (renda pública). 

O poder público estrutural do capital, obviamente, não é indiferente à conjuntura, sobretudo à relação de forças entre capitalistas e trabalhadores. Uma virada na conjuntura pode, também, provocar um efeito estrutural, de duração mais longa, na relação de forças. Desde 2003, essa relação de forças, em linhas gerais, movimentou-se em dois sentidos. Por um lado, configurou um maior equilíbrio entre capital e trabalho, por outro, deslocou, em alguma medida, o capital produtivo – até então subordinado ao setor hegemônico da coalizão neoliberal, constituído pelas forças da financeirização –, atraindo-o para o ambiente estrutural de propensão a uma coalizão social-desenvolvimentista.

A tarefa da presidenta Dilma e de seus aliados, sobretudo no PT, de constituir o novo ministério é uma equação muito difícil. Afora as pressões conservadoras vindas do ambiente internacional, em 2014, houve queda dos investimentos e crescimento baixo, apesar do alto nível de emprego. Por outro lado, do ponto de vista da concepção de gestão de política macroeconômica dos interesses neoliberais, a meta de superávit primário não será cumprida e a inflação está alta, embora sem ultrapassar a banda superior. Não parece ser exagero considerar que, em alguma medida, houve, em 2014, o clássico exercício do poder de veto do capital, que se expressou na queda dos investimentos, embora a racionalidade da incerteza propiciada pela acirrada disputa eleitoral possa também ajudar a explicar a queda da taxa de investimentos. Os acontecimentos de 2014 coroaram o enfraquecimento da chancela do braço empresarial, sobretudo na grande indústria, à coalizão social-desenvolvimentista durante o governo Dilma, em função, principalmente, do perfil centralizador da presidenta, que não deu a necessária ênfase às instituições de concertação política, inclusive com os movimentos sociais. Ademais, a coalizão tem também a dimensão político-institucional, sendo que o principal aliado do PT, o PMDB, é um grande partido de centro. Por fim, o escândalo de corrupção na Petrobras, que se processa no exato contexto de composição do novo ministério, está na agenda pública, não tem como ser ignorado e influencia as decisões políticas.

Por tudo isso, a mera recorrência à força de vontade da presidenta e de seus aliados para compor o ministério, sobretudo na área econômica, pode ser ingênua. Para um governo de centro-esquerda, governar com a oposição do capital, sobretudo com o agravante de uma conjuntura plena de dificuldades, não é fácil e pode mesmo ser um erro estratégico para uma perspectiva reformista. O anúncio de que Joaquim Levy, homem do Grupo Bradesco, ocupará a pasta da Fazenda, Nelson Barbosa, o Planejamento, e que o Banco Central (BCB) continuará a ser presidido por Alexandre Tombini tranquilizou os investidores. Levy é homem de confiança do mercado financeiro, ocupou cargos no governo de Fernando Henrique Cardoso e foi secretário do Tesouro Nacional no início do primeiro mandato de Lula. Barbosa esteve na cúpula da Fazenda de 2006 a 2013 e é desenvolvimentista, tal como Dilma, enquanto Tombini, funcionário de carreira do BCB, afinou-se bem com a perspectiva de política macroeconômica da presidenta em seu primeiro mandato. Entendo esse trio como uma síntese de múltiplas determinações, como diria Marx, com claro peso político dos interesses capitalistas de uma burguesia brasileira que, como tem dito Luiz Carlos Bresser-Pereira, é ambígua, nacional-dependente. 

Por outro lado, há o programa que venceu as eleições e o programa derrotado. Essa síntese precisa, por meios mediatos, ser comprometida com o social-desenvolvimentismo, e não com o projeto neoliberal, para evitar que o governo a ser empossado em janeiro perda legitimidade em suas próprias bases. Os ajustes a serem feitos e o direcionamento da política econômica têm que almejar a retomada do crescimento com inclusão social via empregos e a destinação de recursos para redistribuição de renda e políticas de bem-estar, sobretudo nos sistemas de saúde e educacional, transporte, segurança e moradia popular.

No quadro atual, as baterias mais à esquerda das forças da revolução democrática devem priorizar bandeiras como a reforma política, a política nacional de participação social, a regulação da mídia, a criminalização da homofobia, os direitos humanos etc. Em relação à política econômica, é preciso zelar para que essa transição para contornar a perda de credibilidade dos mercados seja rápida, tenha seu caráter desenvolvimentista maximizado e as ações de contração na economia sejam minimizadas. Para as forças de esquerda, sair criticando, desde já, o segundo mandato de Dilma, pode significar erro de foco. É preciso enxergar a árvore e a floresta. O foco é o seguinte: desenvolvimentismo na economia, em contraposição ao rentismo, inclusão social via políticas de desmercantilização e reformas democráticas. 

Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.