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A reforma política depende de disputa política

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A reforma política é necessária. Obviamente, nem tudo que é necessário é possível. Será possível a reforma política? Sim. Para que haja ação política é necessário haver atores e um propósito, assim como o contexto também é importante. Há atores com o propósito de fazer a reforma política dentro e fora do Congresso Nacional e o tema está na agenda pública. Analisemos a questão.

Desde os anos 1990, há iniciativas de realização da reforma política oriundas do Congresso Nacional. Na primeira década da virada do milênio, o processo da reforma política foi ganhando adeptos na sociedade civil organizada. Cito os dois exemplos atuais mais representativos: a ‘Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”, composta por 95 organizações e movimentos da sociedade civil, entre os quais a CNBB e a OAB, que está à frente do “Projeto de Iniciativa Popular de Reforma Política e Eleições Limpas”, já tendo arrecadado mais de 500 mil assinaturas, e a campanha do “Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político”, apoiada por 69 organizações e movimentos, entre os quais Abong, CUT, MST e PT. Em setembro, a campanha do plebiscito popular arrecadou quase 8 milhões de assinaturas de eleitores brasileiros. A coleta de assinaturas da Coalizão, para a iniciativa popular legislativa, é mais difícil, pois os signatários, que são abordados nas ruas, precisam ter em mãos os dados do título de eleitor.

Além das forças parlamentares e partidárias que atuam no interior do Congresso a favor da reforma política, outra frente institucional de luta ocorre no STF, que está julgando uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), com pedido de medida cautelar, de autoria da OAB, questionando o financiamento privado de campanha garantido pelas legislações partidária e eleitoral. A votação no STF está seis votos a um a favor da ADI da OAB, mas, desde o início de abril, a ação está nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que pediu vista do processo.

  Em julho de 2013, a Fundação Perseu Abramo (FPA) publicou sua primeira pesquisa de opinião sobre a reforma política. Foram entrevistados 2.400 eleitores e seguidos os critérios estatísticos de composição da amostra. Nas respostas a perguntas direcionadas, 89% são favoráveis à reforma política, sendo que 75% consideram-na muito importante. 65% preferem que sejam eleitos representantes só para fazer essa reforma, enquanto 25,8% pensam que os atuais parlamentares devem fazê-la. 92% julgam as campanhas eleitorais caras ou muito caras e 72% compreendem que as empresas fazem doações por esperarem fazer negócios por meio dos políticos por elas financiados. 68% defendem que as empresas sejam proibidas de doar recursos financeiros para as campanhas eleitorais e 44% apoiam a proposta de que elas sejam financiadas apenas por doações de pessoas físicas. 25% defendem o financiamento público exclusivo. Ou seja, há amplo questionamento do financiamento empresarial. Há um campo sociopolítico aberto para a mudança desse dispositivo legal.

  Ao se comparar dados de pesquisa de opinião pública sobre reforma política de 2006 com a pesquisa específica sobre o tema realizada em 2013, a preferência pela lista aberta caiu de 63% para 48%, o apoio à lista flexível, combinando voto em lista partidária com voto preferencial, subiu de 14% para 21% e a defesa da lista fechada cresceu de 5% para 11%. O apoio à lista fechada aumenta para 63% quando ela é vinculada à proposta de sua composição basear-se na alternância de gênero. Ou seja, cresce o apoio à instituição de alguma modalidade de voto não preferencial, mesmo que combinado com o voto preferencial. Por outro lado, nas respostas não direcionadas, há problemas no entendimento técnico do que seja uma reforma política, uma vez que demandas sobre políticas públicas são misturadas a alterações nas regras constitutivas do sistema representativo (eleições e partidos). 

O processo da reforma política existe, ele tem acumulado forças ao longo dos anos, possui base nas principais organizações e movimentos do campo democrático e popular e ganhou um novo impulso de 2013 para cá, com as manifestações de junho, que evidenciaram insatisfações com o sistema político. Há apoio também entre os eleitores, seja para o fim do financiamento eleitoral privado, seja para a Constituinte Exclusiva da Reforma Política.

  Se o Congresso não consegue reunir uma maioria para realizar a reforma política, a Constituição de 1988 disponibiliza instrumentos de democracia direta que podem ser mobilizados para destravar o impasse. Mas, como o plebiscito e o referendo dependem também de decisão do Poder Legislativo, a Constituição garante a liberdade de expressão, reunião e organização e as forças do campo democrático e popular que defendem a reforma política vão continuar se organizando para fortalecer o processo da reforma política.  Algumas entidades representativas têm levantado a perspectiva de pensar o processo da reforma política como um movimento de massas, como foi o das diretas já.

  Em relação à proposta da presidenta Dilma Roussef, lançada em junho de 2013, de se fazer uma Constituinte Exclusiva para a Reforma Política, reproduzo aqui o pensamento do constitucionalista Ives Gandra Martins, que a defende, desde que legitimada por meios de democracia direta: “Os povos evoluem, e cada geração tem o direito, em regime democrático, de decidir seu próprio destino [...] se, mediante plebiscito ou referendo, o povo optar pela alteração de disposições relativas a regimes jurídicos ou políticos, democraticamente, isso será legítimo, podendo até mesmo a alteração atingir normas pétreas institucionais. [...] O plebiscito ou o referendo, conforme o teor da emenda a ser aprovada, representa a vontade popular em determinado período histórico, valendo, a meu ver, mais que a vontade dos constituintes passados”.

Como diz o título desse artigo, a reforma política depende de disputa política. A mudança social requer reunir consenso, mas a democracia também institucionaliza o dissenso e o conflito. Há atores e propósitos favoráveis e contrários à reforma política. Há divergências sobre quais mudanças devem ocorrer. O tema está na agenda pública, nas esferas sociopolítica e político-institucional. A luta política democrática é o caminho para que a vontade popular de alterar algumas regras do sistema político possa vir a ser respeitada.

Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.