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O partidarismo na grande imprensa

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Nos últimos meses, a pesquisa Manchetômetro (bit.ly/1rRUYTv), produzida pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), tem tido destaque nas redes sociais. Essa pesquisa registra, diariamente, as menções, em manchetes de primeira página dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo e O Globo, aos candidatos líderes nas pesquisas eleitorais. Registra também as notícias diárias no Jornal Nacional nas quais esses candidatos são citados. Após o registro dos dados, eles são classificados em quatro classes: positivo, negativo, neutro ou ambivalente. Nessas eleições presidenciais, o Manchetômetro tem feito tal levantamento desde o início oficial da campanha, que teve sua primeira semana entre 6 e 12 de julho. De lá para cá, considerando os dados acumulados ao final de cada semana – 13 já se passaram –, a valência contrária aos candidatos apresenta a seguinte média: Dilma, 47.15, Marina, 5.92, Aécio, 3.38. Em entrevista ao Portal Terra, o cientista político João Feres Júnior (IESP-UERJ), coordenador da pesquisa, destaca que há uma predominância de manchetes negativas, mas que a proporção dessa negatividade sobre a candidatura de Dilma Roussef é muito maior, conforme os dados evidenciam. Antes de avaliar se Dilma tem sido injustiçada por essa grande mídia, a coordenação do Manchetômetro fez o levantamento da cobertura jornalística ocorrida no contexto da candidatura à reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), ocorrida em 1998, sob a legenda do PSDB. Então, a candidatura tucana estava na situação, posicionando-se hoje na oposição, enquanto ocorre o inverso para o PT. Em meu entendimento os resultados dessa comparação permitem constatar que a grande mídia apresenta um comportamento de dois pesos e duas medidas na já tradicional disputa entre PT e PSDB. Em 1998, o candidato FHC acumulou 33 menções favoráveis, 18, contrárias e 95 neutras, sendo que, para Lula, esses números foram, respectivamente, 2, 26 e 44.

O partidarismo da grande imprensa no Brasil tem feito parte da história do país. Os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de São Paulo apoiaram o golpe militar de 1964, sendo que o último conspirou ao lado dos golpistas. O jornal O Globo recentemente se desculpou pelo apoio editorial ao golpe de 1964. A Rede Globo foi fundada em 1965, mas já nasceu apoiando o regime militar. Na campanha das Diretas Já, em 1984, essa emissora escondeu até quando pôde de seu noticiário que havia milhões de brasileiros nas ruas lutando pela aprovação da emenda constitucional que visava restabelecer as eleições diretas para presidente da República. Nas eleições de 1989, a mesma emissora tomou partido a favor da candidatura de Fernando Collor de Mello, contra a de Lula, em um contexto de acirrada disputa, conforme o executivo da Rede Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, assumiu em 2011. Em 1994, setores da grande mídia apoiaram a candidatura de FHC, o líder do Plano Real, vinculando a luta contra a inflação à eleição do candidato de sua preferência. Certa grande mídia repetiu a dose na campanha de FHC à reeleição, em 1998, a começar por não fazer, com exceção da Folha de S. Paulo, a devida investigação das irregularidades ocorridas no processo de aprovação da emenda constitucional que permitiu que ele concorresse novamente ao pleito. Ademais, naqueles idos, o chamado pensamento único, o ideário neoliberal, ao qual o candidato tucano se alinhava, tinha maior guarida na imprensa do que ainda tem hoje.  Os exemplos são muitos, não é o caso de esgotá-los. Destaco apenas que amplos segmentos da intelectualidade, a começar pelos juristas, avaliam que a grande imprensa exerceu uma influência chave em todo o processo de julgamento da Ação Penal 470. Por fim, certas corporações da grande imprensa estão se comportando com explícito partidarismo nessas eleições, sendo o Manchetômetro uma importante porta de entrada, entre outras possíveis, no conjunto de evidências que dão base a essa avaliação.

Por outro lado, a centralização do capital nas grandes empresas de mídia é muito alta e os processos de fusão e aquisição que, desde os anos 1990, estão ocorrendo em vários setores empresariais, têm sido responsáveis por aprofundar a concentração da propriedade nos meios de comunicação social no Brasil, tanto horizontal como verticalmente. A concentração horizontal ocorre quando uma área de atividade, por exemplo, a televisão, é controlada por poucas empresas. A concentração vertical se dá quando um mesmo grupo de mídia controla várias etapas de uma cadeia produtiva de um serviço de comunicação (todas as fases de produção, edição, comercialização e distribuição de um jornal, por exemplo). Há ainda a concentração cruzada, quando um grupo controle diferentes mídias (TV, rádio, jornal, internet).

Acontece que, sem pluralidade de proprietários, a diversidade de opiniões fica prejudicada. Por outro lado, a Constituição Federal estabelece o seguinte: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Urge a regulamentação desse dispositivo constitucional. Em 2009, no governo Lula, foi realizada a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), com a participação de representantes da sociedade civil. Entre outras propostas aprovadas na Confecom está o Projeto de Lei da Mídia Democrática, a ser encaminhado na forma de iniciativa popular legislativa. Ele apresenta uma proposta de regulamentação dos artigos da Constituição Federal que tratam da comunicação social, como a de limitar a concentração da propriedade nas grandes empresas de mídia. 

  Não à toa, se fala no Brasil, criticamente, que existe liberdade de empresa, e não de imprensa. Noutras vezes, os críticos apontam que a opinião pública é substituída pela opinião publicada. Além disso, cada vez mais se fala em PIG (Partido da Imprensa Golpista). Até quando vai predominar na democracia brasileira a tendência ao uníssono nos meios de comunicação social, devido à centralização da propriedade nas empresas de mídia? Até quando a diversidade de opinião vai ser prejudicada pela inexistência de pluralidade de proprietários no mercado de comunicação social? Até quando algumas grandes empresas de mídia vão se comportar como partido político? Até quando as forças democráticas que denunciam essas irregularidades serão rotuladas, por algumas grandes corporações midiáticas, como defensoras da censura à imprensa livre, quando se trata exatamente do contrário, uma vez que a centralização da propriedade é o que impede a diversidade de opinião? Se o Supremo Tribunal Federal está prestes a anunciar que a contribuição financeira das empresas às campanhas eleitorais é inconstitucional, o que é o partidarismo da grande mídia a não ser o patrocínio da imagem de alguns candidatos e a desconstrução de outros por parte de grandes corporações? O que os candidatos têm a dizer sobre essas questões pertinentes à qualidade da democracia?

Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.