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As cotas raciais e algumas explicações

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A politica social de cotas foi aprovada pelo Supremo Tribunal com louvor, passou pela Câmara, cruzou o Senado e o gol foi marcado pela presidenta Dilma Russef que, esta semana, sancionou a  Lei de Cotas, que reserva a negros e pardos 20% das vagas oferecidas em concursos públicos federais. 

Reconheço que mais uma vitória foi alcançada, mas precisamos avançar ainda mais para romper com o mito da democracia racial no Brasil. Sabemos que o racismo se faz presente nas relações sociais e a única forma de erradicar o racismo é colocar toda a sociedade em condição de igualdade econômica, cultural e educacional. Um fato constatado é que "paliativos" não vão resolver nossos problemas, será necessário muito mais para alcançarmos a tão sonhada igualdade entre todos os cidadãos.

Para os que são contrários às politicas de cotas é preciso dialogar para compreender as razões sociais e históricas que legitima esse processo. Primeiro, vamos analisar que no principio da isonomia não se trata com igualdade os desiguais. Não me inferiorizo enquanto negro, percebo de forma nítida que a sociedade é desigual. Mesmo com a constante referência de que negros têm o mesmo potencial que os brancos e que personalidades como o ministro Joaquim Barbosa, ou o ex-jogador Pelé, e tantos outros que poderiam ser citados, não precisaram das cotas, mas quero reafirmar que vivemos em um sistema desigual, sim!

As condições sociais são desiguais naquilo que tange às relações interpessoais, à ocupação do espaço territorial, à mobilidade urbana, ao direito à educação, cultura e moradia. Não sejamos inocentes ou hipócritas em dizer que o homem negro e o branco são vistos da mesma forma em uma entrevista de emprego, em uma fila do banco ou do supermercado, dentro de um elevador ou até na praia. Sabemos que o indivíduo negro transporta sobre si uma marca histórica que o criminaliza só por ter a pele negra, ou nunca ouvimos o discurso do camarada que ‘quase foi assaltado quando um negro se aproximou dele’?

Essa prática comum do racismo institucional é entristecedor. Muitos defendem que as cotas devem ser sociais e não raciais. Bem, vamos olhar para a nossa história e ver que por mais de 300 anos foi fomentada e respaldada pelo Estado a escravidão, e hoje há uma dívida moral a ser saldada pelo Estado para com a população negra. Nós negros não queremos cotas para a vida toda, como já disse acima, não podemos nos conformar com medidas paliativas. Porém, são essas ações afirmativas que garantem a emancipação da população negra.

Desejamos que o Estado cumpra sua obrigação de nos respaldar com uma educação pública de qualidade, com hospitais que garantam nossa assistência, com acesso à cultura, moradia, mobilidade e ao lazer. Hoje vemos avanços acontecendo e muita coisa pode vir a mudar se continuarmos com esse ritmo de transformações sociais. Mas não podemos deixar de fazer a seguinte leitura: enquanto uma elite conservadora estiver no poder, somente por medidas como essas forçaremos a entrada de negros e negras em todos os espaços da sociedade.

Faço memória que a classe mais desempregada do país é negra e a com menos índice de escolaridade também é negra. Sabemos que os presídios do país estão com 75% de negros na sua população carcerária. Segundo o último mapa da violência ficou constatado que para cada 4 jovens assassinados 3 são negros. Vivemos em meio ao genocídio da população negra. Cada dia que passa me certifico mais que só com uma política de ação afirmativa será possível construir outro amanhã e uma mudança radical na sociedade construindo uma real perspectiva de igualdade racial e social no Brasil.

Não podemos esquecer que toda cota racial é social. Vivemos em um tempo em que a população negra é 51 % da população brasileira, mas sabemos que a sua grande maioria é de negros e negras pobres e que suportam condições desumanas e inimagináveis para sobreviver. Essas realidades vêm mudando com alguns programas do governo federal, como o bolsa família, mas isso é conversa para outro artigo.

 

* Walmyr Júnior Integra a Pastoral da Juventude da Arquidiocese do Rio de Janeiro, assim como a equipe da Pastoral Universitária Anchieta da PUC-Rio. É membro do Coletivo de Juventude Negra - Enegrecer. Graduado em História pela PUC-RJ e representou a sociedade civil em encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ