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Duas mortes na favela, só uma é de interesse público

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A morte do dançarino do programa Esquenta, DG (Douglas Rafael da Silva Pereira), vem sendo narrada pela grande imprensa com tamanha veemência que nos impressiona. A agilidade do processo e forma como tem sido conduzido o caso pela polícia civil e militar é assustadora. Douglas era funcionário de uma grande empresa com renome internacional, a Rede Globo, e claro, seu caso terá uma resposta. 

Não podemos dizer que o mesmo vai acontecer sobre a investigação do caso do morador Edilson Silva dos Santos que foi morto com um tiro na cabeça durante a manifestação na última terça-feira (22). Edilson estava junto com os moradores da comunidade reivindicando uma política de segurança pública em que os moradores da favela não sejam tratados como um alvo.

Segundo o jornal Destak (24/4) “Até agora, apenas uma pessoa reclamou o corpo de Edilson, mas não teve sucesso por não ser parente da vítima. Simone Hilário, 43, chegou ontem ao IML com uma pasta de documentos do rapaz. Segundo ela, Edilson sofria de problemas mentais.”

O enterro do Douglas teve essa cobertura porque ele era tinha um contrato. Se não fosse por isso seria mais um jovem anônimo que é morto pelos desmandos da polícia nas várias UPPs. Por ser funcionário de uma grande rede de comunicação e integrante de um programa televisivo, vemos essa repercussão na grande mídia. Questiono-me sobre qual vai ser os rumos das investigações sobre a morte do outro jovem que não tem um contrato de peso mas que também morreu no Pavão-Pavãozinho após a violenta ação da Polícia Militar.

Douglas foi encontrado atrás de uma creche, com uma marca de tiro nas costa horas após de ter sido morto. Edilson foi atingido por um tiro na cabeça, durante os protestos pela morte de Douglas. Para a polícia, na favela só tem bandido, traficante e pessoas coniventes com as práticas criminosas. É impossível não acreditar que a mentalidade dos PMs  é de que não existe pessoas de bem na favela. Sua prática está ligada a entrar na favela atirando sem se preocupar com quem está na frente ou em quem vai acertar. 

A violência que aconteceu no Pavão-Pavãozinho só reforça o que denunciamos há muito tempo: a Polícia Militar do Estado do Rio de janeiro só entra nas favelas da cidade para matar pobre e negro. O que a sociedade civil não quer entender com as críticas que fazemos constantemente é que o Estado não é sinônimo de público e muito menos de representativo. 

No Estado do Rio de Janeiro, segundo os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), de 2002 a 2011 foram registradas 10.134 mortes derivadas de intervenções policiais. Onde está os resultados das investigações desses crimes? Quais bandidos ou policiais são responsáveis por esse genocídio? Quais foram as repercussões nos veículos de comunicação que fizeram a cobertura dos 10.134 homicídios descritos pela pesquisa do ISP? 

As maiorias desses crimes não deve fazer parte dos números dos ‘autos de resistências’, esses não entram na conta do ISP. Mas acredito que se essa pesquisa fosse referente a morte de 10.134 funcionários das grandes mídias, todos os casos seriam publicados com a devida repercussão e a Secretaria de Segurança do Estado não mediria esforços de punir seus pares. Afinal de contas, quando é para defender o desastroso projeto de segurança pública do governo Cabral/Pezão, o secretário José Mariano Beltrame se compromete até em colocar seu próprio pescoço na corda. 

* Walmyr Júnior Integra a Pastoral da Juventude da Arquidiocese do Rio de Janeiro, assim como da equipe da Pastoral Universitária Anchieta da PUC-Rio. É membro do Coletivo de Juventude Negra - Enegrecer. Graduado em História pela PUC-RJ e representou a sociedade civil em encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.