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Em discurso a líderes civis, Papa pede diálogo e cita reabilitação da política

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Durante encontro com representantes da sociedade civil no Theatro Municipal, neste sábado (27), Papa Francisco pediu que houvesse um "diálogo construtivo" para enfrentar as dificuldades do presente. "Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo com o povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade."

Francisco falou ainda da importância da participação da sociedade para reabilitar a politica. "É uma das formas mais altas de caridade."

O Pontífice destacou que um país cresce quando seus mais diversos setores dialogam. "É impossível imaginar um futuro para a sociedade sem uma vigorosa contribuição das energias morais numa democracia que evite o risco de ficar fechada na pura lógica da representação dos interesses constituídos", disse.

Francisco destacou a necessidade do encontro entre os setores para o desenvolvimento de uma nação. "A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro, onde todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom."

Ao final do discurso, o Papa foi cercado por crianças no palco. Em seguida, ele cumprimentou diversos representantes de vários segmentos da sociedade, inclusive um grupo de índios, que protagonizou um momento inusitado. Um dos índios deu seu cocar para Francisco, que imediatamente o colocou na cabeça, para delírio dos milhares de presentes no teatro.

Representante jovem emociona

Antes de Papa Francisco fazer seu discurso no Theatro Municipal, ele ouviu as palavras do jovem Valmir Júnior, de 28 anos, escolhido para representar a sociedade civil no encontro.

Integrante da Pastoral da Juventude no Rio, Valmir, muito emocionado, falou sobre sua trajetória de luta e como encontrou na solidariedade um caminho para a sua vida. 

Órfão de pai e mãe, Valmir chegou a se envolver com drogas na comunidade onde mora, em Marcílio Dias, na favela da Mará, mas encontrou ajuda para deixar as drogas e se formar como professor de História pela PUC, através de uma bolsa de estudos.

"Tinha tudo para ser mais um jovem exterminado pela violência. Sempre presenciei o tráfico de drogas, que usava o jovem como mão de obra barata. Quando experimentei droga pela primeira vez, senti na pele as dificuldades, mas superei ao receber o apoio de minha paróquia e decidi reescrever minha história."

Valmir prossegui afirmando a honra que sentia em representar a sociedade civil. "Nunca pensei que receberia tamanha honra. Ao ser convidado, me veio à mente uma única certeza: eu também sou sociedade civil"

Valmir citou ainda as desigualdades e a pobreza no mundo. "Trago comigo a pobreza, a morte, trago a vida de todos os meus irmãos, trago a lembrança dos jovens que foram exterminados aqui bem perto, na Candelária. Trago também aqui a lembrança dos jovens que no inicio deste ano foram vitimados por um incêndio em uma boate, no sul do país, trago jovens dependentes químicos e moradores de rua e que hoje podem ser peregrinos da Jornada Mundial da Juventude."

Valmir lembrou da violência urbana, afirmando que também estava representandos os jovens que exterminam outros jovens. "Eles também são esquecidos, também são nossos irmãos." O representante afirmou ainda que também representava ali jovens que sonham com um novo amanhecer, que constróem um mundo novo. "Jovens que estão nas ruas e reivindicam o direito a uma vida mais digna."

O representante lembrou ainda que, órfão de pai e mãe, foi criado por sua família, que lhe deu amor e apoio. "O amor não está fora de moda, eu amo o próximo. Nunca quis só conseguir emprego, completar estudos, sempre quis mudar a minha vida mudando a vida de outros, ser útil é minha tarefa constante. Dedico minha vida a ser útil para transformar a realidade social da nossa juventude. Abençoa nossa juventude, abençoa a todos nós", conclui, emocionado, Valmir, para em seguida receber um fraterno abraço de Papa Francisco.

Antes da fala do Papa, o arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta, fez um discurso destacando a importância daquele momento.

Veja a íntegra do discurso de dom Orani:

Vossa Santidade

Papa Francisco,

Santo Padre, aqui neste Teatro está refletida boa parte da sociedade brasileira, diversos atores sociais das mais diferentes áreas, abertos ao diálogo em busca de uma sociedade que seja mais justa, mais fraterna, mais livre, em profunda unidade com os ideais cristãos.

Estão aqui membros dos poderes judiciário, legislativo e executivo. Temos irmãos e irmãs das diversas denominações cristãs e também de diversas religiões, grupos representativos de diversas etnias indígenas. Estão conosco representantes do mundo das artes, das ciências, dos esportes e da cultura. Também estão autoridades militares, membros das organizações da sociedade civil e dos meios de comunicação.

Agradeço pela presença de todos e de cada um. Que este nosso encontro nos ajude a olhar para a mesma direção, mesmo com interesses diversos, querendo construir um mundo melhor para nós e para a nova geração. 

Muitos foram os acontecimentos de importância para toda a sociedade carioca e para o País testemunhados por este Teatro Municipal. Que este local continue a proporcionar o fortalecimento de nossa democracia, sempre pautada pelo diálogo, pela busca do bem comum e pelo fim das desigualdades sociais.

A Igreja, em sua caminhada histórica, sem renunciar à sua missão evangelizadora, e até mesmo como consequência dela, tem procurado dialogar com toda a sociedade e desafiada a contribuir para colaborar na construção de um mundo mais justo e fraterno. As profundas transformações culturais de nossa “mudança de época” nos fazem vislumbrar um novo momento histórico, com o qual queremos colaborar.

Algumas semanas atrás, vimos grandes manifestações pacíficas de cidadãos brasileiros, em sua maioria jovens, expressando sua voz por um país mais justo e menos desigual, à procura de uma vida mais fraterna e digna. Isso deve tornar a participação das pessoas ainda mais responsável no cenário político e social brasileiro. Rezamos muito para que a juventude, impulsionada pela JMJ, fosse protagonista de um mundo novo, o que deve renovar a esperança em um novo amanhecer. E temos certeza de que, com valores cristãos, tudo ocorrerá em paz!

Sem sombra de dúvidas que a presença da sociedade civil em uma atitude mais protagonista fortalecerá uma renovação na democracia participativa, e ajudará a fomentar a consciência cidadã e a criar maiores espaços de participação política. Este encontro nos proporciona uma reflexão muito importante para discernirmos os caminhos a serem trilhados. 

A participação política, consciente em busca do bem comum deve nortear cada debate, cada manifestação. Há, mesmo entre nós presentes aqui, diferentes formas de buscar uma democracia em que todos tenham voz e vez. Ainda que tenhamos diferentes olhares sobre a realidade da nossa sociedade, um ponto deve unir a todos: uma busca obstinada em valorizar o ser humano, em particular aqueles mais fragilizados. Precisamos e devemos afirmar o sonho da justiça, da paz e da geral reconciliação de todos.

Todos sabemos das preocupações de Vossa Santidade com relação à política para o bem comum, a diminuição da violência e da pobreza nesse mundo globalizado. Aqui estamos para ouvi-lo, e desde já agradecemos suas palavras. Obrigado, Santo Padre, por estar aqui conosco!