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Tunísia debate grandes reformas sociais, inéditas no mundo árabe

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Uma comissão tunisiana propôs nesta quarta-feira (20) uma série de amplas reformas sociais, em alguns casos sem precedentes no mundo árabe, sobre a descriminalização da homossexualidade ou a igualdade na herança, abrindo assim o caminho para debates profundos em um contexto político tenso.

A "Comissão para Liberdades Individuais e Igualdade" (Colibe) foi criada em agosto de 2017 pelo presidente Béji Caïd Essebsi. Em seguida, um painel de especialistas foi convocado para propor reformas para adaptar o arsenal jurídico à Constituição de 2014 sobre essas questões.

Depois de várias consultas, a Colibe entregou ao presidente, em 8 de junho, 230 páginas de propostas que modificam alguns princípios inspirados no Alcorão.

Essas propostas foram elogiadas por defensores dos direitos humanos, mas chamadas de "terrorismo intelectual" por uma federação de associações religiosas.

- Bem-estar individual -

Essas reformas querem trazer "bem-estar para cada indivíduo", considerando que "a liberdade é tão importante quanto o pão", explicou nesta quarta-feira o presidente da Colibe, Bochra Belhaj Hmida, ativista de direitos humanos.

Mas a advogada ressaltou que o relatório permite que os tunisianos "discutam as questões substantivas".

Os autores previram várias alternativas para as reformas mais delicadas, como a igualdade na herança - controvertida em muitos países muçulmanos - entre irmãos e irmãs, filhos e filhas, pai e mãe.

A atual legislação tunisiana, baseada no Alcorão, estipula que as mulheres herdam metade do que corresponde aos homens com o mesmo grau de parentesco, embora permita derrogações.

Outra questão delicada, nunca debatida na esfera pública, é a abolição do prazo de viuvez, imposto a mulheres divorciadas ou viúvas antes de se casar novamente.

A comissão também propõe a "abolição total" da pena de morte, ou limitá-la aos crimes que levaram a uma morte.

- Fins eleitorais -

Também defende a descriminalização da homossexualidade, abolindo o artigo 230 que pune as práticas homossexuais, e proibir o teste anal, muitas vezes imposto quando supostos homossexuais são detidos ao abrigo desta legislação.

Embora a Tunísia seja tradicionalmente vista como pioneira no mundo árabe sobre os direitos das mulheres, Colibe é vista como um produto da vontade do presidente Essebsi de deixar uma marca na história.

Inspira-se, portanto, em Habib Bourguiba, primeiro presidente da Tunísia independente, que modernizou o estatuto das mulheres.

Trinta ONGs de defesa dos direitos humanos ou democráticos, exortaram o presidente a "transformar em lei as esperanças suscitadas" pela Comissão, "aceitando suas recomendações".

Mas uma federação de associações religiosas expressou seu protesto, chamando as propostas de "terrorismo intelectual que quer erradicar a identidade da Tunísia, para deixar o nosso povo sem religião e sem qualquer referência", criticou Sabri Abdelghani, imã e membro da federação.

"Essas reformas são para fins eleitorais e querem seduzir a União Europeia", disse ele à AFP. "Há versos do Ccorão, tais como os relativas à herança e ao período de viuvez, que não podem ser submetidos a uma interpretação", explicou Abdelghani.

Por outro lado, a lentidão do processo legislativo e a proximidade de importantes datas eleitorais poderiam dificultar as reformas.

"Estas propostas, mesmo que sejam boas e progressivas, podem ser manipuladas pelos conservadores para mobilizar seus seguidores" na campanha das eleições presidenciais e legislativas de 2019, de acordo com o cientista político Hamza Meddeb.

"Desta firma, vamos testemunhar uma reação do campo anti-islâmico e progressista", acrescenta.

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