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Entre medo e barricadas, Masaya resiste ao cerco do governo nicaraguense

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Barricadas de tijolos, casas queimadas, luto, dor e pânico: a combativa cidade de Masaya, no sul da Nicarágua, resistia nesta quarta-feira (20) ao cerco das forças do governo de Daniel Ortega, em uma escalada de violentos protestos que já deixaram 187 mortos em dois meses.

Entre o pranto e a indignação, familiares e vizinhos enterraram as três pessoas que morreram na véspera na incursão da polícia de choque e de paramilitares nesta cidade localizada 35 quilômetros ao sul de Manágua, que na segunda-feira se declarou em rebeldia para exigir a saída de Ortega do poder.

"Isso está horrível. As pessoas estão morrendo por este governo que não quer sair", disse à AFP Ramona Alemán, dona de casa de 40 anos, em um cemitério de Masaya onde sepultaram Marvin López, morto em uma trincheira por um disparo na garganta.

Em algumas regiões da cidade eram ouvidos disparos e explosões de morteiros. Caminhonetes da polícia de choque percorrem a parte central, mas nos bairros da periferia ainda há muitos moradores entrincheirados.

Habitantes também reportaram disparos e ataques de homens fortemente armados nas cidades de Jinotepe, León, Matagalpa e Estelí, onde nesta quarta-feira morreu uma pessoa.

Escombros do hotel Masaya e de algumas casas queimadas esta madrugada eram levantados por habitantes. Uma mulher de bicicleta mostrou à AFP três cápsulas de fuzil que recolheu no caminho.

"Entraram no meu estabelecimento, jogaram combustível dentro, meu tio foi espancado e bateram em sua cabeça com uma AK-47. Não o mataram, mas o deixaram ensaguentado", narrou o ativista estudantil Cristian Fajardo, dono do hotel.

Quase todos os negócios em Masaya estão fechados por medo de novos ataques, mas existem poucos que se arriscam porque dizem que se não trabalharem não podem comer.

"Queremos que haja paz, que ele renuncie. O choque e os grupos paramilitares que estão na entrada da cidade são sanguinários. Houve chuva de balas de madrugada", contou José Ramírez, um vendedor ambulante de sorvetes.

O ataque a Masaya aconteceu depois que a Conferência Episcopal da Nicarágua (CEN) suspendeu, na segunda-feira, o diálogo à espera de que o governo convidasse um grupo de organizações internacionais para investigar a violência, o que finalmente ocorreu nesta quarta-feira.

Essa convocação foi acordada na sexta-feira passada entre o governo e a Aliança Cívica pela Justiça e Democracia, que reúne setores da sociedade civil.

"A União Europeia, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos e a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) informou os bispos da Nicarágua que receberam oficialmente os respectivos convites do governo", publicou no Twitter Silvio Báez, arcebispo auxiliar de Manágua.

Três ativistas nicaraguenses que foram nesta quarta-feira ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, advertiram que o governo de Ortega usa o diálogo para continuar a repressão contra a população.

"O presidente se aproveitou desse diálogo nacional para aumentar a repressão e a violência", disse no conselho o sociólogo Denis de Jesús Darce, da Comissão Permanente de Direitos Humanos.

Após condenar a "violência e a intimidação patrocinadas pelo governo", os Estados Unidos se juntaram à pressão pela presença de organismos internacionais e o adiantamento das eleições.