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Colômbia vota hoje para presidente após campanha polarizada pelos acordos com as Farc

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O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, deixa o poder em agosto depois de oito anos no comando do país com o legado de um prêmio Nobel da Paz pelo controverso acordo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Na corrida pela sucessão, o primeiro turno da eleição, que ocorre hoje, deve ser dominado pela candidatura de esquerda de Gustavo Petro e pela direita tradicional do país, incorporada pelo jovem Iván Duque, favorito nas pesquisas e ligado ao ex-presidente Álvaro Uribe. No terceiro país mais desigual da América Latina, a economia derrapante, o avanço das dissidências das Farc, o crescimento do narcotráfico e as relações com a Venezuela dominaram a campanha.

As urnas terão, ao todo, seis candidatos. O líder nas pesquisas, Iván Duque, com 37,6%, tem apenas 42 anos e está no primeiro mandato de senador, único cargo político que ocupou. Antes disso, atuou no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Caso eleito, dará um enorme salto até o comando da terceira maior economia da América do Sul. Filiado ao partido Centro Democrático, é a aposta do uribismo, força política atrelada a Uribe, eleito como o senador mais votado nas eleições legislativas de março deste ano, mas impedido pela lei de disputar mais um mandato presidencial depois de governar a Colômbia entre 2002 e 2010. A principal base de sua campanha é a revisão de termos que beneficiariam ex-guerrilheiros no acordo com as Farc. 

Seu principal competidor, Gustavo Petro, de 58 anos, é de longe o mais seguido por colombianos nas redes sociais Facebook e Twitter. Ex-guerrilheiro do Movimento 19 de Abril (M-19), governou a capital do país, Bogotá, entre 2012 e 2015, e aparece com 24,2% nas consultas, 13,4% atrás de Duque. Nos seus comícios, chega a falar três horas diante do silêncio do público. Com o Executivo do país dominado por partidos de direita e centro-direita há décadas, o discurso contra a desigualdade ecoa em meio às mazelas vividas pelo povo colombiano. 

No entanto, seus opositores o comparam a Hugo Chávez e Nicolás Maduro, alardeando que sua vitória significaria trazer ao país à crise vivida na Venezuela.

O centro político se fragmentou na disputa, favorecendo a liderança de Duque e Petro. O independente Sergio Fajardo, de 61 anos, ex-prefeito de Medellín, tem 16,15%, garantindo o terceiro lugar. Ele promete quebrar a polarização representada pelos líderes da corrida presidencial. Germán Vargas Lleras, vice-presidente de Juan Manuel Santos no segundo mandato, patina com 8,8%. Humberto de la Calle, que trabalhou nas negociações de paz com as Farc, aparece isolado com 2,1%. O evangélico Jorge Trujillo não pontua. 

De acordo com as projeções, nenhum candidato atingirá 50% dos votos, o que traz fortes indícios de que os colombianos terão um segundo turno no dia 17 de junho. Em meio à crise do sistema partidário e representativo colombiano, comum a outros países da América Latina, pesquisas também indicam uma abstenção de 60%, índice idêntico ao da eleição de 2014. O voto não é obrigatório na Colômbia. 

"O processo de paz culmina nessas eleições"

Maria Elena Rodríguez, professora do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Iri/Puc-Rio), mora no Brasil há 15 anos e concedeu uma entrevista por telefone ao JORNAL DO BRASIL sobre o processo eleitoral na Colômbia.

Apesar do acordo de paz histórico com as Farc, ainda há dissidências que atuam de forma violenta na Colômbia. Isso pode se tornar o grande desafio do próximo presidente? 

Sim. O processo de paz culmina nessas eleições. Um dos pontos centrais será definir o que o país quer. Essas eleições servem como um novo plebiscito. Ficou muito claro através dos candidatos que a base central da campanha são os acordos de paz. Isso polarizou de novo a população. Duque fala claramente em revisões no documento. Ele não diz que é contra a paz, o que seria uma loucura nesse momento, mas é contra especificamente que ex-guerrilheiros não sejam julgados e não cumpram pena de prisão. 

Caso Duque seja eleito e o acordo seja alterado, isso pode acirrar os ânimos das dissidências? 

Certamente. Depois de um processo de reconciliação com todos os mecanismos legais, é muito complicado modificar. Isso abala a própria legitimidade do acordo. 

Petro tem chances de vitória? 

Ganhar as eleições é um pouco difícil, mas Petro estar no segundo turno já é uma vitória para a esquerda colombiana. Seu partido é muito novo. Ele teve muito carisma enquanto prefeito de Bogotá e foi muito bem avaliado. Trata-se de um momento de reorganização da esquerda, que estava abandonada nos últimos anos. É um processo atrasado em relação à onda de esquerda da América Latina, mas pontua de forma muito clara uma candidatura de universalização dos direitos sociais.

Se eleito, Duque se tornará o presidente mais jovem da América do Sul. Senador de primeiro mandato, foi apoiado pelo ex-presidente Álvaro Uribe. Isso o levou a essa ascensão meteórica?  

A indicação de Uribe foi fundamental. Ele trabalhou para uma transferência de voto e credibilidade Duque era um total desconhecido até três anos atrás. As pessoas votarão cegamente em quem Uribe indicar. As regiões que rejeitaram o plebiscito votaram no Centro Democrático.

* Com supervisão de Denis Kuck