Dezenas de milhares de pessoas foram às ruas de Manágua nesta segunda-feira (23) em apoio aos protestos que deixaram 27 mortos e abalado o governo da Nicarágua, intensificando a pressão sobre o presidente Daniel Ortega.
A chamada "Marcha pela paz e o diálogo" concentrou em Manágua trabalhadores, estudantes, moradores e empresários com bandeiras da Nicarágua e vestindo camisas brancas e pretas, que marcharam pacificamente entoando o hino nacional e gritando palavras de ordem contra o governo e a favor dos estudantes detidos.
"Vá embora, vá embora", repetia um grupo de manifestantes, pedindo a saída de Ortega.
"Nicarágua, te amo", diziam alguns cartazes dos manifestantes, enquanto outros mostravam os nomes dos estudantes mortos nos protestos iniciados na quarta-feira passada. Outros agitavam bandeiras do país e cantaram o hino nacioal.
A passeata transcorreu em um clima festivo, ao contrário da violência vista nas manifestações anteriores, que terminaram com a presença da tropa de choque, atirando bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha em manifestantes que respondiam com pedras e coquetéis molotov.
Moradores de bairros populares que foram reduto da insurreição popular que conduziu à vitória da Revolução Sandinista em 1979 foram saudar a passagem da manifestação desta segunda-feira com bandeiras da Nicarágua e ofereciam água com mangueiras aos participantes.
A vice-presidente e primeira-dama Rosario Murillo tentou aliviar a tensão, ao anunciar, em coletiva de imprensa, a decisão de soltar os detidos nos protestos, a pedido do arcebispo de Manágua Leopoldo Brenes, "estabelecendo as bases do diálogo".
Também revelou que uma policial morreu no domingo durante os protestos. O Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh) disse ter atualizado a contagem de mortos para 26, sem incluir a policial, elevando o total de vítimas fatais a 27.
No entanto, o clima de distensão que Ortega tentou criar com a revogação da reforma de pensões se dissipou com uma violenta investiga policial na noite de domingo na sede da Universidade Politécnica, onde estavam entrincheirados os manifestantes contrários ao governo.
- Diálogo sob condições -
"No nos vamos a sentar en ningún diálogo (con el gobierno) mientras no se libere a todos los detenidos, mientras no cese la represión y mientras no se den las condiciones necesarias para dialogar", dijo a la AFP Michael Healy, presidente de la Unión de Productores Agropecuarios de Nicaragua.
Ortega tentou no domingo aplacar a fúria das ruas, revogando o aumento nas contribuições de patrões e trabalhadores ao fundo de pensões administrado pelo Instituto Nicaraguense de Seguro Social (INSS).
Estes aumentos foram o estopim dos protestos iniciados na quarta-feira por um grupo de estudantes, que rapidamente se estendeu a outros setores da sociedade.
"Os protestos não são mais pelo INSS, mas contra um governo que nos nega liberdade de expressão, liberdade de imprensa e de nos manifestarmos pacificamente", declarou à AFP Clifford Ramírez, estudante de Ciências Políticas de 26 anos, que participou do início das passeatas.
"Acreditamos que não há mais espaço para o diálogo", acrescentou Ramírez em conversa por telefone.
As manifestações iniciadas pelos estudantes receberam o apoio dos moradores dos bairros, que saíram às ruas fazer panelaços, e de trabalhadores e operários inconformados com a corrupção no governo e a deterioração de suas condições de vida.
Os protestos se intensificaram no fim de semana, com barricadas de pedras e pneus incendiados nas ruas, enquanto prosseguiam os saques em lojas de vários pontos da capital.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu nesta segunda-feira "moderação de todas as partes" em conflito na Nicarágua.
- Sem condições -
Enquanto isso e diante de versões de que a Conferência Episcopal se reuniria com Ortega em busca de uma saída para a crise, o bispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, descartou a possibilidade.
"Não vejo condições para nenhum diálogo com o governo da Nicarágua", declarou no Twitter.
"É preciso deter a repressão, libertar os jovens presos, restituir a transmissão do (censurado) Canal 100% Noticias e discutir a democratização do país com todos os setores", acrescentou o prelado.
O papa Francisco declarou no domingo estar "preocupado" com a situação e pediu a "cessação de toda violência".
Para o estudante Ramírez, a onda de mortes e censura desatada nos dias de protesto encerraram a possibilidade de um diálogo.
"Não podemos mais aceitar este governo, estamos protestando para que o casal Ortega Murillo deixe o poder", sentenciou.
No entanto, o universitário admitiu que o movimento que pede a saída de Ortega e sua esposa e vice-presidente Rosario Murillo do poder carece de liderança e planos para o futuro sem o atual presidente.
Em sua opinião, os jovens que foram às ruas não se sentem representados pelos partidos da oposição, que se dobraram a Ortega nos últimos anos, nem pelas cúpulas empresariais que o apoiaram desde que voltou ao governo, em 2007.
"Desde a Revolução Sandinista de 1979, temos os mesmos líderes políticos, eles não deixam que surja mais ninguém. Nós queremos uma liderança nova que represente os jovens", afirmou Ramírez.
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