ASSINE
search button

Presos ao passado: principal candidato nas eleições paraguaias é filho de secretário de Stroessner

Compartilhar

O Paraguai vive um dilema. O país cresce a um ritmo de quase 4,5% há mais de uma década, mas nas ruas a pobreza das favelas convive lado a lado à riqueza dos condomínios. São essas duas nações que votarão amanhã, em eleições de turno único, para escolher um novo presidente: mirando o futuro, mas com o passado martelando o presente. O favorito é Mario Abdo Benítez, do Partido Colorado, no poder praticamente sem interrupções desde 1954, data de início da ditadura, que terminou em 1989. 

O candidato carrega a sombra do regime militar em suas costas. Ele é filho do antigo secretário privado do ditador Alfredo Stroessner, que liderou o país por 35 anos, período em que milhares de dissidentes foram mortos. As chagas da história, no entanto, não parecem incomodar a maioria de seus eleitores. 

“O Partido Colorado nunca fez uma crítica séria de Stroessner nem de seu regime. Além disso, grande parte de seus eleitores sente saudosismo dos tempos da ditadura. Os antecedentes familiares de Abdo chocam a oposição, mas não empresários e militantes de seu partido”, afirma a historiadora e escritora paraguaia Milda Rivarola. Para se ter ideia, até hoje o presidente de honra da legenda é Stroessner, que após o fim do regime fugiu para o Brasil, onde morreu em 2006. 

Ao contrário de Argentina e Brasil, que sofrem com problemas econômicos, o Paraguai cresce desde 2003. Com inflação pequena, impostos baixos e mão de obra barata,  e empurrado pelos investimentos estrangeiros e pela soja, a pobreza no país passou de 50% a 28%. Por outro lado, há muitos trabalhadores rurais marginalizados e moradores das cidades vivendo na pobreza. O Paraguai ainda é uma das nações mais desiguais da região. 

O principal opositor de Abdo é Efrain Alegre, do Partido Liberal, que mesmo tendo votado, em 2012, pelo afastamento do então presidente Fernando Lugo, conta com o apoio do ex-bispo católico. Há 10 anos, Lugo venceu as eleições presidenciais, última e única vez em que a oposição derrotou o Partido Colorado. Mas embora sua campanha prometa um Paraguai mais inclusivo, Alegre não representa uma ruptura a atual conjuntura econômica e social da nação, ainda muito conservadora. 

“Nota-se muita apatia e desengano nestas eleições, o que dá mais poder aos aparelhos partidários que mobilizam eleitorado cativo. A polarização entre direita e esquerda é menos marcada que em outros países. As principais legendas controlam 70% dos votantes, são clientelistas e de direita”, diz Milda. 

Temas progressistas, como aborto e casamento gay, são tabu.  Em 2016, uma menina que engravidou após ser estuprada pelo padrasto teve negado na Justiça um pedido para interromper a gravidez, feito por sua mãe, que acabou presa acusada de cumplicidade com o agressor e de violar seu dever maternal. 

Mas ainda há espaços para novidade nestas eleições. Apesar de possuir 19 povos nativos, nunca houve um partido exclusivamente formado por eles. Até agora, com a criação do Movimento Político Indígena, liderado pelo candidato a senador Gerónimo Ayala, da etnia mbya guarani, tentará uma vaga no senado.