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Nem Macron nem Le Pen estão sintonizados com o povo, diz Maffesoli

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O intelectual francês Michel Maffesoli, em entrevista ao jornal Correio do Povo, falou sobre como a transfiguração política contemporânea produz figuras como Donald Trump, o Brexit da Inglaterra e o segundo turno da eleição presidencial francesa deste ano, com "dois candidatos totalmente desconectados da população em geral".

"Nem Emmanuel Macron nem Marine Le Pen estão sintonizados com o povo. Há desconfiança. Esses períodos de desconfiança podem durar décadas. Estamos buscando uma nova relação mais sadia com a coisa pública. No momento, a insatisfação dominante assume as formas da revolta, da abstenção, do extremismo de esquerda ou de direita ou da escolha dos chamados aventureiros, daqueles que se apresentam como novidades", explica o professor emérito da Sorbonne, na entrevista publicada na véspera do segundo turno, que garantiu a vitória de Emmanuel Macron.

Maffesoli destaca que esta "transfiguração" da política pode ser vista, inclusive, pela "decadência" do que "foi" o partido político, típico do século 19, com sua divisão de esquerda e direita. "Esse tipo de transfiguração traz sempre o melhor e o pior."

O professor conta que Macron e Le Pen tentaram atraí-lo e fizeram convites, que ele recusou. Para ele, os dois são "puro acidente de percurso", "a expressão momentânea" de um desencanto com a política. "Desafeição significa não ter mais afeto por alguma coisa", ressalta. "Não há mais apetite pela política partidária. Há algumas décadas os estudantes militavam, engajavam-se politicamente, eram contestadores, esse tipo de coisa. Agora há uma forma de indiferença que se traduz na falta de atração pelo jogo político. A energia jovem vai para outro lugar."

"É triste que estejam num segundo turno", disse Maffesoli ao jornal brasileiro. "Estavam no lugar certo na hora desse desinteresse generalizado. Não expressam programas desejados, mas a indiferença sob a forma da asneira. Algo irracional. As pesquisas de opinião mostraram que dois franceses em cada três ficaram descontentes com as escolhas feitas que resultaram neste segundo turno. Foi mais pulsional, instintivo, impensado. Marine Le Pen e Emmanuel Macron estão longe do concreto e da realidade popular."

É a falta de atração pelo jogo político, contudo, que tem possibilitado novas formas de troca e solidariedade, tirando a atenção da política partidária para o "interesse comum" da proximidade vivida na vizinhança e nas redes sociais, por exemplo, defende Maffesoli. 

A política, as elites e a União Europeia

Questionado sobre as especificidades de Marine Le Pen e Emmanuel Macron, o professor ressaltou que enquanto a então candidata da Frente Nacional oferecia sua habilidade para "explorar a desconfiança de uma parte da sociedade em relação às elites", a aposta do Em Marcha! seria o "mais puro produto" da tecnocracia rejeitada pela sabedoria popular. 

"Ele e Marine Le Pen foram visitar uma empresa em crise no Norte da França. Marine Le Pen foi ao encontro dos empregados. Macron ficou conversando com os patrões. É um sinal."

"Marine Le Pen explora a desconfiança em relação às elites. Quando somos incapazes de descrever as coisas como elas se apresentam é que aparecem os discursos de ódio, racismo e xenofobia. Marine Le Pen é o triunfo da demagogia num momento de incapacidade de expressão dos problemas concretos por outros meios. Assim, irresponsavelmente, ela defende separar a França da Europa e expulsar os imigrantes. Nada disso é realizável e defensável. A sua força vem dessa habilidade para explorar a desconfiança de uma parte da sociedade em relação às elites", disse ao Correio do Povo

"Já Macron é o mais puro produto daquilo que a sabedoria popular rejeita: a tecnocracia. É um funcionário de alto escalão. Trabalhou em banco, sofre grande influência do setor financeiro e vive retocando sua biografia. Jean Baudrillard diria que se trata de um simulacro. Por exemplo, mentiu sobre ser de fato um filósofo. Vive de uma impressão de si, de fazer de conta que é isto ou aquilo, não se assume como aquilo que é realmente."

Sobre o projeto de União Europeia, Maffesoli aponta que a "utopia comunitária converteu-se em Europa dos tecnocratas", com uma espécie de adoção do modelo burocrático de Estado-Nação, o que não promete "futuro". O professor não nega, entretanto, os benefícios da livre circulação dos europeus pelo continente. 

"Por um lado, então, a Europa tecnocrática acabou, como criticaram Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon. Por outro lado, não podemos negar que para as novas gerações é impensável ficar encerrado nos limites das fronteiras. Há agora um novo modelo de trocas, de intercâmbio, um novo comércio, uma Europa da cultura", aponta. 

Ao mesmo tempo que o desenvolvimento tecnológico "produziu um desencantamento do mundo", também teria favorecido um "real reencantamento com o mundo". "Essa mesma tecnologia, associado a uma nova mentalidade, especialmente de parte dos jovens, um novo imaginário, está ajudando a produzir uma nova Europa real. Devo insistir que nem Macron nem Marine Le Pen correspondem a isso."

Maffesoli, autor de mais de 30 livros, esteve em Porto Alegre para falar sobre "Ecosofia, comunhão digital e imaginário social" no Grupo de Tecnologias do Imaginário (GTI) do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Famecos/PUCRS.

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