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Extrema direita e liberalismo ditam as regras no país da "igualdade" e da "fraternidade"

Eleição na França evidencia nova ordem política mundial

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Sob protestos em um dos principais palcos da Revolução Francesa de 1789, Emmanuel Macron (24,01% dos votos) e Marine Le Pen (21,30%) levaram a melhor no primeiro turno das eleições na França, neste domingo (23), e disputam o segundo turno, no próximo dia 7 de maio. O protesto contra os dois vitoriosos das urnas terminou em confusão perto da Praça da Bastilha. Porém, o destaque das eleições, segundo a mídia internacional, foi a derrota de partidos tradicionais como o de François Fillon (Os Republicanos) e Benoît Hamon (Partido Socialista). 

“O mundo contemporâneo passa por problemas para os quais os partidos tradicionais não apresentam resposta satisfatória. Do ponto de vista da ideologia política, as ideias de esquerda estão em baixa. Isso foi exaltado nos EUA com a vitória de Donald Trump e é o que nós assistimos no restante da America Latina”, disse o professor de relações internacionais da Uerj, William Gonçalves, acrescentando: “No caso do partido socialista, [o ex-presidente François] Hollande era quem tinha a prerrogativa para disputar a eleição, e abriu mão da recandidatura para, vamos dizer assim, não passar vexame”. 

Segundo o levantamento, o conservador François Fillon conquistou 20,01% dos eleitores, enquanto que o esquerdista Jean-Luc Melenchon ficou na sequência com 19,58% dos votos. Já Benoit Hamon foi derrotado com apenas 6,36%, ficando na quinta posição.

Membro da ala mais à esquerda do Partido Socialista, Benoît Hamon pagou o preço dos baixos índices de popularidade do presidente François Hollande, que manteve distância da campanha e se tornou o primeiro mandatário na Quinta República a não tentar a reeleição. Após a derrota, Hamon declarou apoio ao candidato liberal Macron (Em Marcha!) no segundo turno. "Eu faço distinção total entre um adversário político e um inimigo da República. Apelo para vencermos da maneira mais forte possível a Frente Nacional, ao votarmos por Emmanuel Macron, mesmo que ele não pertença à esquerda", disse. O conservador François Fillon (Os Republicanos) também admitiu a derrota e pediu votos em Macron pouco depois das primeiras projeções. 

“O partido socialista já vem caindo há um tempo não só na França. O governo de Hollande foi um desastre no país e, em grande parte, isso se deve ao fato de que o partido sobe com uma expectativa e acaba se rendendo aos programas conservadores da União Européia”, explicou o cientista político da Unicamp, Reginaldo de Moraes. 

Os candidatos

Em discurso antes mesmo de projeções de resultado mais avançadas, a ultranacionalista Marine Le Pen classificou os demais candidatos como "herdeiros" do presidente François Hollande e disse que ela, sim, é a "grande alternância" que a França precisa e quer.

A candidata da Frente Nacional disse que irá defender o país contra a "globalização desenfreada". "A principal coisa em jogo nesta eleição é a globalização desenfreada que está colocando em risco a nossa civilização", acrescentou, pedindo que os eleitores franceses se livrem dos grilhões de uma "elite arrogante".

“Marine Le Pen vai pescar o seu eleitorado na questão do pertencimento a União Européia, vai jogar a culpa da crise para o imigrante. E em caso de crise, o estrangeiro é sempre visto como aquele que toma o emprego do local. Isso, na atual conjuntura, somado ao terrorismo”, detalhou William, para quem essa é apenas uma visão superficial do problema, que será utilizado pelos oportunistas, como Le Pen e Macron. “Não se questiona a política desastrosa dos EUA e da OTAN de desestruturar os países árabes com os motivos mais mesquinhos. Aí aparece a Le Pen com uma proposta fascista e o Macron como um homem competente para dar resposta a isso”, completou o professor de relações internacionais, lembrando que Macron fez parte do governo socialista de Hollande, apesar de se declarar um 'não-político'. 

“O Macron representa reformas ainda mais liberarias e flexibilização das leis trabalhistas. E a Le Pen disse que queria ser o Trump da França. Mas o problema é que entre ser candidato e ser presidente há uma longa distancia”, disse Reginaldo, para quem Le Pen teria muita dificuldade de governar, já que seu pequeno partido não possui número no congresso. “O problema seria o peso político de sua presença pública ao fazer campanha para esses programas ultranacionalistas e anti-imigrantes”. 

Segundo turno

Para os especialistas, as chances de uma vitória da candidata no segundo turno são menores do que Macron. Em um dos poucos momentos de discurso inflamado, o liberal fez um ataque frontal a Le Pen, afirmando que quer ser "o presidente dos patriotas frente à ameaça dos nacionalistas". Macron mostrou, ainda, sua adesão à União Europeia, com quem Le Pen ameaça romper, prometendo construir um país que dará chance para que cada cidadão "possa encontrar seu lugar na França e na Europa".

“Agora o que vai pesar e está indefinido são os eleitores do [Jean-Luc] Mélenchon que são 20%, não é pouco. E eles vão se dividir bastante, já que a maioria pode se abster”, concluiu Reginaldo. 

“A capacidade dele [Macron] de forjar alianças e pegar eleitores é maior do que a dela [Le Pen] que possui uma política muito mais restrita. Porém, é importante ressaltar que ela pode não ganhar, mas se fortaleceu. E o fortalecimento de uma extrema direita com traços fascistas é um problema mundial”, finalizou William. 

*do programa de estágio