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Policiais do Rio alteraram cena de um crime para encobrir um assassinato

Notícia é manchete no jornal espanhol El País

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O vídeo divulgado por um morador da Providência, na Zona Portuária do Rio, do momento em que policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade adulteram a cena do homicídio de um jovem de  17 anos, colocando uma arma em sua mão e disparando duas vezes  é manchete no jornal El País desta quarta-feira (30/9).

De acordo com o jornal, a morte de Eduardo Felipe Victor Santos, 17 anos, na Providência, favela do Rio de Janeiro poderia ter sido mais uma em um estado onde, até junho deste ano, a polícia matou quase duas pessoas por dia. A versão oficial seguiu a narrativa diária das favelas - "Traficante de drogas morre enfrenta a tiros a chegada da polícia" -, mas dois vídeos gravados por vizinhos, em que gravaram os passos de agentes falseando a cena do crime, questionam a história oficial, que alega um tiroteio e que os membros da Unidade de Polícia Pacificadora do (UPP), em tese formada por policiais comunitários, encontraram ao lado do adolescente um radiotransmissor, munição e uma pistola.

Nas imagens, gravadas na terça-feira de manhã, um homem jovem com a camisa coberta de sangue morre no chão cercado por três policiais armados com rifles e vestindo coletes à prova de balas. Aparece em cena, um quarto policial disparando para o ar e posicionando a arma deixada ao lado do corpo do menino. Outro policial pega uma arma, bem limpa e se agacha para colocar entre os dedos inertes do jovem. Atira duas vezes. Ele se levanta e fica ao lado, olhando para o cadáver. Ele percebe que ele tem sangue em sua mão e limpa na parede. A imagem é cortada.

Após a morte do adolescente, o segundo na mesma comunidade em uma semana, houve momentos de tensão entre moradores manifestantes e a polícia. Vizinhos, irritados com a encenação, fizeram vários protestos durante todo o dia perto da favela, na zona portuária do Rio, e atiraram pedras contra os policiais. Tarde da noite, como relatado pelo jornal O Globo, um grupo de 50 pessoas se manifestaram em frente à delegacia, onde os cinco policiais envolvidos testemunharam. Gritos de "polícia assassina" foram ouvidos e alguns agentes dispersaram o tumulto,  atirando bombas de gás.

Outro golpe para a UPP

Após a divulgação dos vídeos, dois policiais foram presos por fraude processual e outros três estão presos administrativamente para investigar a sua participação em alterar a cena do crime. O secretário de Estado de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, pediu "investigações rigorosas com punição exemplar dos responsáveis", mas a cena é um golpe para a imagem da Unidades de Polícia Pacificadora no Rio.

Os agentes do  programa, projetado para expulsar os traficantes das favelas, acumula muitos escândalos de letalidade da polícia. A mais recente foi na semana passada, quando Herinaldo Vinicius de Santana, 11, foi morto com um tiro na cabeça em um suposto confronto entre os agentes da UPP e traficantes na favela do Caju, também na zona portuária do Rio. A lista é longa, mas o sucesso potencial da missão da UPP nas comunidades tornou-se frustrado com a morte de Amarildo Dias de Souza, um pedreiro da favela da Rocinha, cujo corpo não foi encontrado e, de acordo com a investigação,  foi torturado até a morte na sede da UPP da comunidade em 2013.

O porta-voz da UPP Rio de Janeiro, Ivan Blaz, reconheceu que "o vídeo mostra uma manipulação descarada que afeta severamente a confiabilidade da UPP", mas disse que "os ganhos conquistados pela corporação não podem ser estragados por casos infelizes como esse".

Luiz Eduardo Soares, antropólogo e Secretário Adjunto da Segurança Pública no Rio entre 1999 e 2000, disse em uma entrevista ao El Pais que a crise na UPP é imensa. "A organização iniciou suas operações às pressas sem treinamento policial, e isso era essencial". Para a política e a mídia o objetivo era de criar "um cinto de segurança em face de grandes eventos." "Eu sempre disse que ão seria programa sustentável, tal força policial que precisa ser reformada para ter uma profunda afinidade com os princípios que nortearam a criação do programa ", diz Soares.

O número de pessoas mortas em supostos confrontos com a polícia aumentou no primeiro semestre do ano no Rio. O número de mortes causadas por segurança - polícia militar e civil - foi o maior em um semestre desde o primeiro semestre de 2011, tanto na capital e no estado, de acordo com o Instituto de Segurança Pública. No total, houve 349 casos, um aumento de 21,6% em relação ao primeiro semestre de 2014.