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Copa do Catar: mortes de imigrantes e corrupção no foco de entidades de Direitos Humanos

Representante da ITUC acredita que 4 mil pessoas devem morrer pelas condições de trabalho no Catar

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A secretária-geral da International Trade Union Confederation (ITUC), Sharan Burrow, considerou “inacreditável” a reeleição de Joseph Blatter na presidência da FIFA. Burrow é autora do relatório que a entidade divulgou em âmbito global retratando de forma fiel os canteiros de obras dos estádios em construção no Catar, para a Copa de 2022, que mantém em regime de “escravidão” milhares de imigrantes do sul da Ásia e, mais recentemente, da África. Em entrevista para o Jornal do Brasil, Burrow revelou que mais de quatro mil trabalhadores devem morrer em conseqüência das degradantes condições de serviço oferecidas por grandes empreiteiras terceirizadas.        

O escândalo de corrupção que atingiu o topo da pirâmide da Fifa esta semana, com as prisões de “cartolas”, suscitou reflexões de Burrow acerca das condições dos imigrantes no Catar, em torno da Copa do Mundo. A executiva da ITUC ressalta que o mundo não pode esquecer que os imigrantes no país árabe correm risco de morte decorrente das precárias infraestruturas destas empreiteiras nos estádios que estão sendo erguidos do zero, além do perigo ocasionado pelo ritmo acelerado das obras com prazos apertados para finalização. “A Fifa não conseguiu estabelecer os direitos trabalhistas e adequadas condições de trabalho para os pobres imigrantes que estão pagando um preço alto no Catar”, acusa ela.

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Pelos dados expostos por Burrow em seu relatório, mais de quatro mil pessoas devem morrer nos canteiros de obras, até o ínicio dos jogos. Cerca de 1,4 milhões de imigrantes que já desembarcaram no Catar para atuar nos preparativos da Copa 2022. A expectativa é que mais um milhão de trabalhadores cheguem nos próximos meses para as atividades terceirizadas. A executiva está dando base às suas estatísticas em parceria com as embaixadas da Índia e Nepal.

Segundo ela, a maioria dos imigrantes vem de países do sul da Ásia e da África, como Senegal, Gana, Sudão. Eles chegam no Catar e se dirigem a uma agência, onde devem desembolsar de U$ 500 a U$ 2 mil para obter uma licença de trabalho e visto de permanência. “Eles [as agência] não deveriam cobrar por isso, é ilegal”, destaca a executiva do órgão. 

Burrow, que viu de perto a realidade dos imigrantes nos canteiros, conta que eles trabalham de oito a 12 horas diárias, em péssimas condições e sob um calor extremo. Ganham U$ 300 dólares por mês, em média. “São condições de escravidão”, sentencia. E as denúncias vão ficando cada vez mais graves com as revelações dos próprios imigrantes. Eles ficam presos no país e precisam obter uma licença para embarcar para deixar o território – “o que também representa uma ilegalidade”.

Burrow relembra de um fato recente de violação dos direitos nestes locais de obras, quando uma equipe alemã de jornalismo foi detida e teve os equipamentos destruídos e as imagens registradas apagadas. O fato aconteceu no dia cinco de maio deste ano e os jornalistas ficaram presos no país por dias. “Estavam [a equipe de reportagem] denunciando essas péssimas condições de trabalho”, diz a executiva.

“A Fifa se recusa a colocar os direitos trabalhistas como uma prioridade”, comenta novamente Burrow, acrescentando que a Fifa fecha os olhos para o chamado sistema Kafala, comum nos países árabes, uma legislação trabalhista que potencializa um regime de escravidão.

“O mundo sabe que a escolha da Rússia e do Catar como sedes das Copas de 2018 e 2022 foram baseadas em corrupção. É inacreditável que Joseph Blatter continue comandando a Fifa”, dispara  a executiva. Ela estima que os patrocinadores, como Coca-Cola, McDonald's e Visa devem sofrer uma enorme pressão – “e merecem sofrer” - para que repensarem o apoio.

A ITUC é uma organização regional da Ásia-Pacífico integrante da Confederação Sindical Internacional (CSI), representante de trabalhadores no mundo. A CSI tem o papel de promover e defender os direitos e interesses da classe, através de cooperação internacional entre sindicatos, campanhas globais e advocacia dentro das multinacionais, aderindo os princípios da democracia sindical. É governada por congressos mundiais quadrienais, um Conselho Geral e um gabinete executivo. Atua em parceria com a Organização Internacional do Trabalho e agências especializadas da Organização das Nações Unidas (ONU).

No momento em que a Justiça americana, com o apoio do FBI e da polícia suíça, provocavam um terremoto de alta magnitude que atingiu em cheio o alto escalão da Fifa e os olhos do mundo se voltavam para a eleição presidencial da Fifa, com grande expectativa de reeleição do quinto mandato de Joseph Blatter, a Negócios & Human Rights Resource, um centro internacional de Negócios, divulgava, nesta sexta-feira (29/5) outro relatório cujo conteúdo destaca a inexistência de ações por parte de empreiteiras multinacionais que operam no Catar, especialmente após o alerta feito pela ITUC. O documento destaca que somente poucas empresas estão se esforçando em regularizar as condições de trabalho dos imigrantes nos canteiros de obras dos estádios. 

A entidade consultou 24 empresas de construção com atividades nos estádios e outros investimentos no Catar em função da Copa de 2022, com sede no Oriente Médio, Europa e Ásia, para conhecer as políticas e condições de trabalho adotadas por elas. No entanto, a Negócios & Human não alcançou o sucesso esperado, já que o silêncio foi a resposta dada pela maioria das organizações. Muito semelhante às conclusões da ITUC, o conteúdo do documento da Negócios & Human Rights Resource retrata a realidade dos imigrantes nos canteiros: horas excessivas em condições perigosas, restrições quando querem deixar o país e outros possíveis crimes trabalhistas.

Segundo a entidade, quatro empresas deram retorno, a Aktor (Grécia), Bouygues (França), Carillion (UK) e Vinci (França). Duas fizeram promessa de revelar as suas práticas em breve, a Besix (Bélgica) e OHL (Espanha). Em contato com as empreiteiras, a Negócios & Human estimula o pagamento em dia dos salários dos trabalhadores, a regularidade nas autorizações de residência e cartões de saúde, autorizações de saída do país quando solicitado pelo imigrante e transparência das agências de recrutamento. 

A Negócios & Human divulgou ainda o nome das empresas que se recusaram a participar da pesquisa: Consolidado (Grécia); Habtoor Leighton Group (UAE); Midmac (Qatar); Porr (Áustria); WCT Holdings (Malásia).