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'Project Syndicate': Para encerrar a política de ressentimento da Europa

Ministro de Finanças da Grécia diz que disputa interna só beneficia inimigos da União Europeia

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O Project Syndicate publicou na quarta-feira (25/03) um artigo de Yanis Varoufakis, ministro de Finanças da Grécia, sobre o atual impasse entre seu país e a Europa.  

“Um apresentador de televisão alemão transmitiu recentemente um vídeo editado meu, antes de ser ministro da Fazenda da Grécia, onde eu fazia um gesto obsceno com o dedo médio a seu país. As consequências revelaram as possíveis repercussões desse suposto gesto, principalmente em tempos turbulentos. De fato, o barulho produzido por essa transmissão não teria ocorrido antes da crise financeira de 2008, que revelou as falhas da união monetária da Europa e que colocou países orgulhosos se enfrentando uns contra os outros”, escreve o ministro.

“Quando no começo de 2010 o governo da Grécia não pôde pagar o serviço de suas dúvidas aos bancos franceses, alemães e gregos, eu participei de uma campanha contra seu pedido de um novo empréstimo enorme dos contribuintes europeus para pagar essas dívidas. Dei três razões.

Em primeiro lugar, os novos empréstimos não representavam tanto um resgate para Grécia quanto uma cínica transferência de perdas privadas da contabilidade dos bancos nos ombros dos cidadãos mais vulneráveis da Grécia. Quantos contribuintes da Europa, que pagaram a fatura desses empréstimos, sabem que mais de 90% dos 240 bilhões de euros (260 bilhões de dólares) que a Grécia pediu emprestados foram parar nas entidades financeiras, não no Estado grego nem com seus cidadãos?”, prossegue Varoufakis.

Em segundo lugar, era evidente que, se a Grécia não podia mais devolver seus empréstimos vigentes, as condições de austeridade que eram as premissas dos “resgates” destruiriam os rendimentos nominais gregos, com o que a dívida nacional se mostraria ainda menos sustentável. Quando os gregos não pudessem fazer os pagamentos de suas monumentais dívidas, os contribuintes alemães e de outros países europeus teriam que intervir de novo. (Naturalmente, os gregos endinheirados já haviam transferido seus depósitos a centros financeiros como os de Frankfurt e Londres)

Por último, enganar a população e os Parlamentos apresentado um resgate bancário como um ato de solidariedade, ao mesmo tempo em que se deixava de ajudar os gregos comuns e normais – obrigando-os de fato a fazer recair uma carga ainda mais pesada sobre os alemães – acabaria debilitando a coesão dentro da zona do euro. Os alemães se voltaram contra os gregos; os gregos se voltaram contra os alemães e, à medida que mais países enfrentaram penalidades fiscais, a Europa voltou-se contra si mesma.

O caso é que a Grécia não tinha o direito de pedir emprestado aos contribuintes alemães – nem a nenhum outro europeu – em um momento no qual sua dívida pública era insustentável. Antes da Grécia receber qualquer empréstimo, deveria ter iniciado a reestruturação da dívida e passado por uma suspensão de pagamentos parcial da dívida aos credores de seu setor privado, mas naquele momento esse argumento “radical” não recebeu a atenção merecida.

De forma semelhante, os europeus deveriam ter exigido que seus governos se negassem sequer a examinar a possibilidade de transferir-lhes perdas privada, mas não o fizeram e a transferência ocorreu pouco depois.

O resultado foi o maior empréstimo da história respaldado pelos contribuintes, concedido com a condição de que a Grécia aplicasse uma austeridade tão rigorosa, que sua população perderia um quarto de sua renda, o que faria impossível pagar as dívidas públicas ou privadas. A posterior – e atual – crise humana tem sido trágica.

Cinco anos depois do primeiro resgate ser emitido, a Grécia continua em crise. A animosidade entre os europeus nunca foi tão grande e os gregos e os alemães, em particular, chegaram ao extremo de cair na acusação moral, em apontarem-se mutuamente os dedos e no antagonismo explícito.

O tóxico jogo da culpabilização só beneficia os inimigos da Europa. É preciso encerrá-lo. Somente então a Grécia poderá focar-se – com o apoio de seus parceiros europeus, que compartilham o interesse em sua recuperação econômica – na aplicação de reformas eficazes e políticas que impulsionem o crescimento, o que é essencial para colocar a Grécia, por fim, em condições de pagar suas dívidas e cumprir suas obrigações para com sua população.

Do ponto de vista prático, o acordo do Eurogrupo (instância que reúne ministros de Finanças e outras autoridades da zona do euro) de 20 de fevereiro, que deu uma prorrogação de quatro meses para o pagamento dos empréstimos, oferece uma oportunidade importante para avançar. Como pediram os dirigentes da Grécia em uma reunião extra-oficial realizada em Bruxelas na última semana de março, deverá ser aplicado imediatamente.

“Em longo prazo, os dirigentes europeus devem cooperar para reorganizar a união monetária a fim de apoiarem a prosperidade compartilhada, em lugar de alimentar o ressentimento mútuo. É uma tarefa difícil, mas, com uma consciência clara do objetivo, um planejamento comum e talvez um ou dois gestos positivos, é possível conseguir”, conclui o ministro grego.