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Europa e a "xenofobia à flor da pele". Depende da França evitar novos ataques

Especialista diz que atentados vão depender da resposta do governo francês às ações dos Kouachi

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A preocupação de novos atentados na Europa após a polícia francesa matar os suspeitos de terem promovido o massacre no semanário satírico "Charlie Hebdo", em Paris, na última quarta-feira (7/1), tem dividido as opiniões dos especialistas no mundo. Jorge Mortean, mestre em Estudos Regionais do Oriente Médio pela Escola de Relações Internacionais do Ministério de Relações Exteriores do Irã, em Teerã, alerta que novas ações extremistas vão depender de como o governo francês irá tratar os 12 assassinatos na revista e as mortes dos irmãos Saïd e Chérif Kouachi, de 32 e 34 anos, além de um possível comparsa da dupla.

>> Polícia mata irmãos que realizaram atentado em Paris, diz imprensa

"O que se viu na redação da revista Charlie Hebdo foi uma gota d'água no balde xenófobo francês, em forma de retaliação sociocultural, onde uma maioria não só depende desta minoria,mas como também a oprime", considera Mortean. O ataque à revista satírica aconteceu em um momento em que a França atravessa uma delicada relação social com os seus imigrantes, que representam cerca de 20% da população, sendo metade desse percentual de islâmicos. Os filhos dos imigrantes já compõem uma terceira geração e, como cidadãos franceses, tem os seus direitos garantidos na Constituição.  

"A ação na revista em Paris foi promovida por dois irmãos franceses e não imigrantes. Eles são descendentes de imigrantes e estão em uma minoria religiosa de muçulmanos. Ou seja, foi um atentado aos seus compatriotas, o que causa um mal estar e comoção nacional", avalia o especialista, deixando claro que o caso da "Charlie Hebdo" foi em um quadro "pontual" e em função "de uma discórdia religiosa". 

Mortean classifica a atitude dos Kouachi como "uma situação limite" provocada por uma onda de xenofobia que toma conta dos países europeus nos últimos anos. "O governo francês, por exemplo, garante os direitos dos franceses descendente de islâmicos, mas o cidadão originário do país não aceita bem essa situação. O que sobra para essa parcela de descendente são trabalhos que os franceses rejeitam e eles passam a constituir uma categoria menos favorecida financeiramente no país", explicou.

Em uma reflexão do que aconteceu naquela quarta-feira na "Charlie Hebdo" e a sua repercussão na sociedade francesa, Mortean classifica o caso como islamofobia. "Se eles [irmãos Kouachi] fossem cristãos, não se taxaria a ação na revista como terrorismo. Vamos entender, antes de mais nada, que o terrorismo parte de uma organização, tem objetivos políticos, sempre em espaços públicos para atingir diretamente o aparelhamento do estado e os terroristas assumem a autoria. Não foi o que vimos acontecer no semanário", descreveu o especialista, acrescentando que a Europa está lidando agora com os seus próprios cidadãos, se referindo aos imigrantes rebelados. 

A complicada relação entre franceses e islâmicos, na opinião de Mortean, teve como consequência mais grave o ataque à revista, apesar de outros incidentes no passado, como a manifestação de imigrantes em Paris, no ano de 2005, onde carros foram queimados e patrimônios culturais destruídos em ações para pedir igualdade de direitos e plena cidadania. Conhecendo de perto esse quadro de conflito social, Mortean acredita que o governo francês tem agora dois caminhos a seguir: "encontrar uma política social de reconciliação entre essas duas classes ou, de forma arriscada, iniciar uma 'caça às bruxas' que pode  instigar o ódio em toda a Europa, fomentando a xenofobia".

Segundo ele, os imigrantes vivem acuados nos países da Europa, o que uma política social de reconciliação poderia sanar. "Os muçulmanos são alvo de preconceito e o extremismo é um reflexo", diz. "Eu estou apostando que o estado francês irá chegar a um resultado que prevaleça os valores da igualdade, liberdade e da fraternidade", afirmou ele. O diálogo seria, na visão do especialista, a melhor solução. "A violência não pode ser combatida com violência. Senão, remete àquela retórica complicada da Alemanha nazista, que queria combater a discórdia com a discórdia, levando a uma barbárie. É uma saída arriscada demais. Além do mais, os europeus precisam da força de trabalho dos imigrantes, mas não querem aceitá-los como cidadão?", refletiu o especialista.