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Extrema direita prega expulsão de muçulmanos nas ruas de Paris 

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Uma multidão invariavelmente branca, muito branca, irrompe o silêncio de uma manhã tranquila em Paris, feriado de 1º de maio. Numa sincronia quase militar, começa a reivindicar uma "França para os franceses", lembrar "nós, sim, estamos em casa", e destaca que não é "nem de direita, nem de esquerda, mas de Frente Nacional". Com o respaldo das urnas no primeiro turno das eleições presidenciais no país, é essa a mensagem que o partido da extrema direita pretende passar: entrou para ficar na política francesa, e não vai medir esforços para resgatar uma França homogênea e cristã que, há muitos anos, não existe mais.

A Frente Nacional adotou uma nova embalagem, mas na essência pouca coisa mudou desde que Marine Le Pen assumiu a presidência do partido no lugar do pai, o lendário Jean-Marie Le Pen - que mesmo aposentado, responde até hoje na Justiça por ofensas racistas e antissemitas feitas no passado. Marine parece ter aprendido a lição, e se cerca de cuidados para não usar palavras ofensivas quando quer estigmatizar os muçulmanos, o alvo favorito do FN para justificar o desemprego e a insegurança na França.

Entretanto, se na forma o discurso é menos agressivo, no conteúdo continua pregando a existência, de um lado, de um povo superior, ariano, conservador e cristão. Do outro, os demais. Não à toa, Marine fala sobre a crise, defende o protecionismo, critica a União Europeia e a globalização. Mas é quando diz que a imigração está "enchendo as cidades de ladrõezinhos" que a multidão vai ao delírio. Não à toa, Le Pen, o pai, é longamente aplaudido quando assume o microfone para dizer que "a imigração massiva de gente do terceiro mundo está acabando com a França e sua identidade original".

Para um brasileiro, ir a uma manifestação da Frente Nacional, mesmo que a trabalho, é uma experiência com um gosto amargo. A presença de alguém "diferente" chama, o tempo todo, a atenção. "Você é jornalista?", pergunta um. "Se você tiver cinco minutos, posso explicar-lhe um pouco sobre o quanto a laicidade está à perigo aqui na França. Sobre como algumas religiões, não somente o islamismo, são incompatíveis com a laicidade", argumenta, com um livro a respeito nas mãos.

Na multidão, formada por caravanas de todo o país e centenas de bandeiras tricolores da França, o estereótipo clássico do militante de extrema direita - branco, cabeça raspada, tatuagens pelo corpo, roupas negras e coturnos nos pés - se faz raro, mas está lá. É deles que partem, entre um e outro slogan ditos normais, como "a França para os franceses", outros menos politicamente corretos como "fora daqui, Islã". Os carecas de preto também gostam de exaltar o quanto gostam de comer porco ("tudo é bom no porco", exclamam), uma provocação velada aos muçulmanos, a quem a carne suína é proibida.

Enquanto isso, os outros militantes não entoam as frases mais suscetíveis e polêmicas, mas riem, compartilham do momento de descontração. Hoje, o eleitorado da Frente Nacional sob a maquiagem populista de Marine Le Pen é formado cada vez mais por agricultores, desempregados e franceses que não concluíram o ensino médio. Uma população que não precisa de muito latim para acreditar que a saída do euro e o fechamento das fronteiras vai resolver os problemas do país, e que não se considera racistas ou xenófobo. "Não tenho nada contra, mas acho que cada um tem que viver onde é mais adaptado a sua cultura", explica uma senhora. "Eles não têm nada a fazer aqui. Nunca vão se adaptar aos nossos costumes", completa uma jovem ao lado.

A quantidade de jovens na manifestação é, aliás, impressionante. São eles os responsáveis pela renovação da faixa etária do partido, sonhada desde o princípio por Marine Le Pen para conquistar mais eleitores de outras camadas sociais. Nos comícios, a "Juventude Frente Nacional" ocupa sempre as primeiras filas e com frequência assume a palavra logo antes do ex-líder aposentado. "Por que você gravou quando cantamos o hino nacional?", questiona outro participante da marcha. "Por que cantarmos o hino nacional é associado a extremismo por vocês, jornalistas?", insiste. "Se os franceses não defenderem as suas raízes, quem vai fazê-lo?", justifica o homem, de cerca de 35 anos, antes de voltar, irritado, ao cortejo.

O partido fez 17,9% dos votos no primeiro turno, um resultado histórico para a sigla e que significa que 6,4 milhões de franceses depositaram o nome de Marine Le Pen nas urnas. A migração destes votos no segundo turno é uma das chaves desta eleição, que será definida no domingo - o candidato socialista, François Hollande, é o favorito a vencer o pleito. É impossível sair do comício da Frente Nacional sem se questionar, afinal, quantos franceses apoiam, mesmo que em segredo, essa postura de aversão ao que vem de fora. No dia seguinte, vem a resposta: uma pesquisa do instituto TNS Sofres afirma que 37% da população - mais de um terço, portanto -, concorda com as ideias defendidas por Le Pen e sua turma.