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Especialistas acreditam que expropriação da Repsol abre oportunidade à Argentina

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Um dia após a nacionalização pelo governo argentino da YPF, filial da petrolífera espanhola Repsol, a repercussão internacional do caso foi destaque nos noticiários de Espanha e Argentina. Após o presidente do grupo Repsol dizer que demandará indenização de US$ 10 bilhões, as autoridades argentinas afirmaram que não será pago o valor estipulado pela petroleira. 

Especialistas ouvidos pelo Jornal do Brasil acreditam que a medida argentina abre novas possibilidades de crescimento econômico para o país, e não acham que o caso terá repercussões diplomáticas severas. 

Precedentes

Participando do Fórum Econômico Mundial, no México, o primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, disse passar por um 'profundo mal-estar' por conta da decisão. Rajoy alegou que a atitude não tem nenhuma justificativa e apresenta um grave precedente, considerando a ação negativa para todos os envolvidos. 

Segundo ele, a empresa se viu expropriada sem justificativa econômica que explique o acontecimento e o episódio fere o bom entendimento que sempre houve nas relações entre os dois países. Ainda, apontou que a reputação internacional argentina se “afeta, e muito”. No entanto, Rajoy não detalhou quais medidas podem ser tomadas pelo governo espanhol. 

“O que aconteceu ontem a uma empresa espanhola, é possível de se pensar que suceda amanhã a qualquer outro investimento”, declarou. “Isso estabelece um grave precedente para o conjunto das relações comerciais em uma economia globalizada.”

Segundo o jornal espanhol El Pais, o primeiro-ministro também afirmou que o mais importante de toda a situação é que a América Latina necessita de investimentos estrangeiros para se desenvolver, o que não acontecerá sem a garantia da segurança jurídica e do respeito ao Estado de Direito ‘sem menosprezar as decisões soberanas do povo argentino’. 

Já na Argentina, o vice-ministro da Economia, Alex Kicillof, assumiu o papel de porta-voz do governo no caso e fez duras críticas à Repsol, segundo o jornal El Clarín. Nesta terça-feira, juntamente com o ministro de Planejamento do país, Julio De Vido, Kicillof foi ao Parlamento explicar aos senadores o projeto de lei de expropriação. 

Em discurso no Senado, Kicillof declarou que a internvenção estatal na petrolífera irá ‘revisar’ os valores da Repsol e acrescentou que os executivos da companhia manuseavam esses dados como ‘informação secreta e de forma imprudente’.

“Não vamos pagar o que eles querem, esses US$ 10 bilhões”, declarou Kicillof.  

Ele ainda acrescentou que ‘não é não tenhamos percebido que a YPF estava mal, é que tivemos paciência', dizendo que a companhia teve rentabilidade superior à média e não investiu esse capital no país. Kicillof considerou que o grupo Repsol teve benefícios extraordinariamente grandes nos últimos anos.

"Ninguém pode considerar que estamos tirando algo que lhes pertencia", sentenciou o vice-ministro. 

Preço da privatização

Para o professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Williams Gonçalves, a atitude do governo argentino tenta reparar um erro histórico de privatização de um setor estratégico para a política econômica do país.

“O que a presidente Kirchner está fazendo é reparar um erro do governo Menen, que privatizou o que não se privatiza”, disparou, em alusão à importância do setor de hidrocarbonetos. “Enquanto no mundo inteiro se disputa com armas, como um Estado pode privatizar todo seu complexo de geração de energia?”

Apesar da tensão entre os dois países, o especialista não acredita que haja problemas no plano diplomático. Gonçalves também aponta que não houve nenhum investimento em infraestrutura na última década na rede energética argentina, o que se reflete atualmente.

"Quando o governo de Kirchner tenta crescer, esbarra na falta de infraestrutura. É por isso que estão nacionalizando o setor. Mas não vai ser tomada a companhia, as ações serão compradas.", opinou. "É completamente legal dentro do contexto de soberania nacional. É um ajuste entre necessidades e possibilidades." 

O professor lembra que a imagem do país sul-americano está prejudicada desde que o ex-presidente Kirchner renegociou a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), e enxerga que a nacionalização agrava esse cenário. Ele acredita que novas ações nesse sentido sejam feitas.

“Nós não podemos perder de vista que o governo Menen foi o que levou mais longe as privatizações e teve um programa ultraliberal até as últimas consequências”, apontou. “Aos poucos, é natural que alguns setores voltem ao controle do Estado. Talvez não esteja no plano do governo renacionalizar tudo, mas algumas áreas sim.”

Investimento e indenização

O economista Julio César Insaurralde, da consultora especializada em Petróleo e Gás Verax, pondera que a expropriação vem em um contexto de maturação das jazidas de gás e petróleo argentinas, que originou a insatisfação estatal com os considerados insuficientes investimentos da Repsol em prospecção de novas fontes de hidrocarbonetos. 

Para o consultor, do ponto de vista interno, esta é uma grande oportunidade de desenvolver a indústria argentina, o que também seria bom para o Brasil, na medida em que se trata de um grande parceiro comercial e membro do Mercosul. 

Além disso, o fato de a YPF passar para o domínio estatal não significa que a empresa terá necessariamente uma queda de produtividade. Como exemplo, ele citou a nacionalização das Aerolíneas Argentinas, que pertenciam à companhia espanhola Iberia, e atualmente apresentam desempenho satisfatório. "Tudo depende do modelo de gestão aplicado", disse.

Contudo, serão necessários grandes investimentos. O governo argentino, que na primeira gestão de Christina Kirchner subsidiava a energia elétrica, a água e os transportes no país, cortou esses gastos, possivelmente para reverter essa sobra de verbas a setores essenciais da economia. 

O especialista avalia que a indenização pedida pela Repsol nesta terça-feira (17), de US$ 10 bilhões, dificilmente será paga nesta cifra. Ele faz um paralelo, resguardando as proporções, com a situação da Petrobras na Bolívia em 2006, quando o governo boliviano nacionalizou duas refinarias brasileiras e a empresa obteve ressarcimento considerado abaixo do esperado.

"Uma coisa é ressarcir os investimentos que você teve no período em que funcionou, outra é pensar no que se perde no potencial futuro de negócios.", avalia. 

Insaurralde também atenta que a Espanha, que tinha influência em mais da metade da produção energética do país, em um só golpe, perdeu sua maior representativade na América do Sul. 

"De uma só vez, a Espanha perdeu a influência na América do Sul. O país já se encontra em crise severa e agora tem esse problema? É por isso que eles vão brigar até o final pelo ressarcimento que acham justo." 

Apuração: Luciano Pádua