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Otan na Líbia: objetivos se confundem, intervenção se alonga

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No dia 17 de março de 2011, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Resolução 1973. O documento previa o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea da Líbia, país então em guerra civil emergente entre rebeldes e forças leais ao longevo líder Muammar Kadafi. A intervenção internacional começou, dois dias depois, com um objetivo claro: garantir a segurança dos civis líbios, dos quais dia a dia mais e mais viravam vítimas da feroz busca pelo poder neste país do norte africano.

Após três meses de operação, no entanto, a situação no campo de batalha ainda é turva, e mais obscuro ainda é o impasse internacional sobre os rumos da ação. "A intervenção foi bem sucedida em frear a ofensiva do governo líbio contra os rebeldes, mas fracassou no sentido de derrubar o governo líbio. Oficialmente, não era esse o objetivo, só que, evidentemente, todo objetivo político da Otan era se livrar do Kadafi, era promover uma mudança de regime na Líbia, e isso não foi alcançado", resume Maurício Santoro, cientista político da Fundação Getúlio Vargas (RJ).

Quando a intervenção começou, a situação em solo líbio era crítica. Após grandes avanços do rebeldes - sediados ao Leste em Benghazi e rumando em direção ao oeste e à capital Trípoli -, as forças de Kadafi contra-atacaram, minando dia a dia os avanços da rebelião. Relatos sobre os números de mortos no conflito - hoje calculados, nas piores das estimativas, em até mais de 10 mil - abundavam, e os relatos da perda de território para o exército governista era a tônica da narrativa. A supressão da resistência parecia questão de tempo.

A intervenção internacional - primeiro liderada por França, Reino Unido e Estados Unidos, e assumida uma semana depois pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) - estancou o sangramento das conquistas rebeldes. Hoje os combates diminuíram, mas a briga por cidades da Líbia central permanece, enquanto que os aviões internacionais quase que diariamente adentram a cena para realizar disparos.

A tensão de combate militar físico passou a ocupar espaço também das disputas diplomáticas quando a Otan começou a objetivar Trípoli como alvo dos disparos. Com os ataques à capital, na qual Kadafi mora (muito embora não se saiba precisamente onde), ergueu-se a dúvida de uma intervenção da Otan não humanitária, mas política, e cujo ápice seria a derrocada do coronel.

"A resolução 1973 estabelece de maneira muito forte que o objetivo da intervenção é a proteção dos civis. No entanto, ela não diz explicitamente que ações seriam necessárias (para isso), ela dá margem a uma certa ambiguidade. Por exemplo: a gente pode interpretar que uma ação para proteger os civis seria não só atacar as tropas que estavam diretamente ameaçando Benghazi, mas destruir até mesmo a força operacional das forças armadas dos líbios", analisa Santoro.

A Otan argumenta que as intervenções diretamente feitas em Trípoli visam às instalações bélicas de Kadafi, mas alguns episódios jogam sombras sobre esse objetivo tático. O mais claro se deu no dia 30 de abril, quando um bombardeio atingiu prédios administrativos do governo, matando Saif al-Arab Muammar Kadafi, o filho caçula do coronel, e três de seus netos.

No dia 25 de março, quando a Otan assumiu a intervenção, o planejamento era de que a operação durasse 90 dias. No início de junho, todavia, seus ministros de Defesa revisaram os cálculos e, na sede em Bruxelas, publicaram numa nota tomando a posição de que estavam "determinados a prosseguir com a operação por todo o tempo que for necessário".

Uma nova resolução, avalia Santoro, pode vir a ser promulgada em setembro, quando a 1973 expirar. Enquanto os impasses diplomáticos perdurarem, e enquanto os ataques a Trípoli não atingirem nenhum ponto nevrálgico do governo, tudo indica que a Otan permanecerá sobrevoando o deserto líbio ainda por muito meses.