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#Day 2 SPFW: da feroz Ellus ao turista aprendiz no Grão-Pará de Ronaldo Fraga

Alexandre Schnabl comenta ainda os desfiles de Paula Raia, Movimento e Iódice com Adriane Galisteu

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O dia começou com o desfile externo, de Paula Raia, na loja do Itaim. Apesar do nome, a estilista não fugiu da raia e apresentou uma boa coleção de vestidos de festa, em tons clarinhos, brancos, off whites, rosês, um marrom suave e seco, violeta. Antes de se tornar designer, Paula era arquiteta. Daí que a moça costuma aplicar esta formação em seus exercícios de estilo. O resultado, portanto, foi arquitetônico e minimalista, mas rico em detalhes, tressês, torsades, volumes nas laterais, cordões. Leve e chique.

A sala de desfiles, no prédio da Bienal, ficou escura e, imediatamente, um vídeo começou a passar na boca de cena. Era um filme marinho, em preto e branco, com imagens de um tubarão-cabeça chata nadando para lá e pra cá. Esse tubarão-cabeça chata também é conhecido como tubarão do Zambezi ou tubarão-touro. É osso duro de roer. É ele quem dá expediente na Praia da Boa Viagem, no Recife, mandando os surfistas incautos depressinha para o Nirvana. Por este prólogo, dá para ver que a Ellus, a primeira grife a se apresentar na Bienal, no segundo dia do SPFW, não brinca em serviço. A marca de Nelson Alvarenga é feroz, em se tratando de criar belas coleções comerciais e realizar bons desfiles na semana de moda paulistana. Sim, a Ellus é um tubarão. Ou um tubarão-touro, se preferir. Não brinca em serviço. A Ellus interpretou as profundezas marinhas em uma coleção que, literalmente, foi do branco ao preto. Só que, no caso, os meio-tons, ao invés de cinzas, eram uma variedade de azuis profundos, em peças lisas e em estampas aquáticas estilizadas, chegando ao azul petróleo, quase um preto azulado. O todo, afinal, foi fenomenal. Adriana Bozon e o estilista estreante Rodolfo Murilo Souza mandaram muito bem. Desde os looks em organza crespa, imitando a espuma do mar, até as peças com comprimento mullet, que simulavam as guelras dos peixes. Bacana mesmo. Toques de brilho e transparência, por sua vez, podem ser interpretações das estruturas celulares das anêmonas e de outros delicados seres abissais. O ponto forte, entretanto, foi a parte final do desfile, com bodies, vestidos e hot pants, mais coletes, calças secas, paletós e outros ítens em alfaiataria, em azul noite ou preto, desenvolvidas a partir da observação dos swimsuits dos mergulhadores. Esqueça Lawrence Wahba ou outros fanfarrões de documentários do Discovery. A Ellus trouxe a maestria do explorador aquático Jacques Cousteau, clássico dos clássicos. E, se este estivesse vivo, jamais conseguiria imaginar o quanto mergulhar nas profundezas pode ser chique. 

A Movimento apostou na mistura de flores tropicalistas com o estilo militar. Se deu certo? Bom, as boas estampas de maxi flores coloridas sobre fundo branco funcionaram bem, mas nem sempre o efeito de detalhes de lapelas, palas, ombros e golas tirados dos uniformes militares deram certo. Ainda assim, foi interessante ver este mix, além de ser sempre bom ver esculturas como Natália Zambiasi, Flávia Lucini, Renata Kuerten, entre outras, subvertendo a ordem militar a favor do gingado praiano. Aliás, a subversão aconteceu também na música, pois, ao invés de marchas imperiais, o público ouviu um pancadão de funk capaz de fazer todo mundo mexer os pezinhos. Na encolha, óbvio, porque o povo é chique e blasê. E, como truques de styling, muito boas as viseiras, brincos e braceletes em metal dourado, que imitavam quepes, comendas e punhos da hierarquia das forças armadas. Assim como as pulseiras e colares feitos com cordas coloridas e nós de marinheiros. Um acerto.  

Em seguida, a Iódice também apresentou um desfile que teve como background outro filme aquático. Desta vez, imagens de água com bolhas ininterruptas. Tudo a ver. Afinal, a mulher da grife é borbulhante, gosta de aparecer em vestidos nos quais possa se sentir sexy, seja em festas babadeiras ou em outras ocasiões sociais. As borbulhas do filme, portanto, podem também fazer alusão ao Veuve Clicquot que, elegantemente, preenche as flûtes durante os rega-bofes al mare, a bordo de algum iate chiquinho. Por que não? Valdemar Iòdice optou por vestidos, blusas e calças brancas em couro, looks em preto e branco, em amarelo lima e em um rosa melancia. E vestidos e jaquetas em jacquards estampadões. O fundo do mar compareceu nos acessórios de tubarão e nas estampas coloridas que remetem à exuberância marinha, cheias de arabescos. Exuberância mesmo, é claro. Se a Ellus optou por uma leitura abissal das profundezas, mais sóbria, a Iódice só poderia navegar em um oceano cintilante, repleto de peixes iridescentes, quase uma versão adulta de Procurando Nemo. Prova disso é a sequência final, na qual as modelos envergavam looks fluidos, em tecidos brilhante, cores fortes e transparências com jeito de filamento de alga marinha. Particularmente, o macação de base incolor com toques de estampa colorida foi um dos pontos fortes. E, last but not least, é sempre uma delícia ver a top top top Fernanda Motta emprestando suas apolíneas curvas a serviço de um desfile.

Fechando a noite, Ronaldo Fraga fez sua reentrée na SPFW, após ter declinado na edição passada. Valeu a pena esperar. Ronaldo sabe fechar a noite com emoção e qualidade. O danadinho é, digamos, danado! E põe danado nisso! Desta vez, ele resolveu apostar na Amazônia, sob a ótica das obras literárias de Mario de Andrade, como Macunaíma e O Turista Imaginário. E, óbvio, esse assunto é pano para manga para quem gosta de viajar. E viajar, para Ronaldo, não é problema algum. Ainda mais quando o tema escolhido permite que o estilista seja mais conceitual ainda do que de costume. E isso também não é problema para este enfant terrible mineiro. Em um cenário abarrotado de plantas tropicais, as modelos desfilavam sobre uma passarela de ripas de madeira. A boca de cena, vestida com palmeirinhas, exibia jogo de luzes em âmbar e alaranjado que reforçava o clima étnico da coleção. Esta, por sua vez, começou neutra, em tons de cru, avançou pelas gamas terrosas, em looks que coordenavam mosaicos em madeira com estampas tribais, para, no final, explodir em cores, com estampas de coqueiros e de revoadas de flamingos, esta sobre fundos turquesa e verde. Como a grife sabe brincar com texturas, havia uma variedade de tramas naturais, como linhos, anarrugas amassadinhas e algodões, que ganharam efeitos bordados, como nos vestidos com estampa corrida de penas de pavão. Vestidos longos e curtos, alfaiataria soltinha e confortável, blusas e tops com golas assimétricas, tudo bem no jeitinho que Ronaldo gosta. Todo o seu repertório estava ali, mostrando que ele pode ficar sem desfilar uma estação, mas jamais perde a sapucaia. E, arrematando os looks, maxi bijoux de sementes feitas pela Cooperativa de Bijoias de Tucumã, luxo sustentável! 

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