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Crítica: 'Entre Vales' 

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Vicente em um tempo e Antonio em outro tempo. Em um momento, um empresário que negocia a instalação de um novo aterro sanitário e vive diversos conflitos profissionais e pessoais. Em outro momento, catador de lixo no Jardim Gramacho. Os múltiplos tempos orquestrados na montagem de Entre Vales, segundo longa-metragem de Philipe Barcinski, parecem estar alinhados e caminhando em direção a um mesmo ponto no tempo, em que as duas trajetórias do personagem vivido por Ângelo Antônio se encontram.

E de fato chegam a esse ponto. Mas não se trata de uma montagem paralela pura e simplesmente. A construção de uma comunicação entre esses dois tempos deixa de causar o efeito natural "como Vicente foi parar nesse lixão?" logo no início do filme, dando lugar a uma explosão sensorial em que a preocupação deixa de ser com "para onde vamos?" e cada imagem e sua relação com a imagem que vem a seguir estabelecem a montanha-russa de perdas, afetos e sentimentos pela qual passou nosso personagem para chegar até aqui.

Ao construir o caminho até esse "aqui", o momento presente do filme, Philipe Barcinski opta não por narrar, mas sim por fazer pulsar, vibrar cada imagem e cada som, cada momento de um ensandecido e visceral Ângelo Antônio. Ao sair do cronológico e se aventurar em um campo à margem do tempo, em que passado e futuro podem caminhar lado a lado em direção a um ponto em comum, ele justamente se afasta da noção de movimento temporal, para trabalhar no campo dos afetos. Afetos do lixo, afetos da casa, da família, da maquete, do ambiente que cerca. E a busca por essas imagens afetivas e não-narrativas, através da câmera viva de Walter Carvalho, nos empurram até o ponto mais baixo do vale desenhado por Barcinski. E desse ponto, só se pode subir. 

A forma escolhida para contar essa história, através da força da imagem, da força do som, da força dos sentimentos faz com que, ao chegarmos no tal ponto final de nosso personagem, fiquemos tão perdidos como ele, assistindo a cidade rodar à sua volta, com uma câmera que se afasta e se aproxima dele, sem saber mais para onde ir. E cada uma das escolhas do filme nos parece ao mesmo tempo exata e intempestiva, como cada escolha ou aleatoriedade que carrega Vicente em sua trajetória.

Abrindo a Premiére Brasil do Festival do Rio 2012, Entre Vales se afasta das convenções sem deixar de dizer, de falar, de comunicar. Encontram-se no filme a angústia de quem ainda tem muito a dizer, mas também o domínio do ofício de fazer cinema.

 

****Excelente