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As dificuldades dos ex-jogadores de futebol, das drogas à pobreza

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As páginas dos jornais não eram exatamente novidade para Zé Elias, mas na editoria policial foi a primeira vez que ele apareceu. Preso por não pagamento de pensão alimentícia em julho, Zé engrossou uma lista recente de ex-jogadores envolvidos em noticiários negativos. Edmundo, por exemplo, também passou a noite na cadeia em função de um episódio antigo. Sócrates, ainda em estado delicado de saúde, passa por complicações em função do excesso com bebidas.

A série de problemas com diferentes características reacende um tema pouco abordado no dia a dia do futebol profissional: até que ponto atletas são preparados para o pós-carreira? Por que eles têm tantas dificuldades para encontrar uma nova profissão? Como caminhar da fama ao anonimato sem tantos percalços? A falta de respostas para essas perguntas ajuda a explicar o porquê dessa espécie de calvário que alguns atravessam.

"A principal dificuldade é você exercer outra atividade. O futebol sempre exige prioridade e dedicação total. Quando você para, o tempo ocioso prejudica muito", argumenta Reinaldo, o maior ídolo da história do Atlético-MG. Por uma época nos anos 90, ele escolheu ocupar o tempo ocioso com as drogas, e chegou a ser preso. Hoje, tem uma vida tranquila.

Em entrevista à Revista Placar, Walter Casagrande Júnior, comentarista da TV Globo, chegou a definir seus problemas com as drogas como busca por um novo tipo de adrenalina. Hospitalizado em 2009, Casagrande esteve entre a vida e a morte, mas também conseguiu renascer. Na visão de Kátia Rúbio, professora da USP especializada em psicologia do esporte, o que falta é se preparar para a aposentadoria.

"A carreira do atleta envolve competição, concentração e treinamento. O sujeito tem uma vida regrada e isso não é comum a todas as pessoas. Aos 30 anos, quando todos estão começando a vida, ele já está terminando. É preciso se impor e reorganizar tudo isso. No final da carreira, não é só uma mudança de profissão, mas de identidade. É preciso se separar do personagem que foi até então para ser um cidadão comum", avalia Kátia.

Reinaldo, hoje aos 54 anos, acredita que o envolvimento da psicologia no dia a dia dos clubes poderia amenizar os dramas pós-carreira que atravessam alguns jogadores. "O atleta precisa de apoio não só depois que para, porque você pode jogar mal porque brigou com a mulher ou por problemas familiares. Mas, sobretudo no encerramento da carreira", define.

Hoje um empresário de sucesso do ramo imobiliário, no Brasil e na Espanha, o tetracampeão mundial Mauro Silva defende que é difícil para o jogador se adaptar a uma nova realidade. "Não tem uma preparação. Você se envolve desde criança com uma atividade e não tem formação acadêmica. É correr atrás, estudar e se esquecer de quem já foi". Mauro lembra que artistas de todo o tipo passam por isso. "Não quero dar lição de moral a ninguém. Isso ocorre com cantores e atores", exemplifica.

A dificuldade em administrar os recursos, segundo o próprio Zé Elias, foi o que contribuiu para sua situação se agravasse. Com carreira consistente por clubes grandes, ele foi preso em razão da pensão alimentícia e alegou falta de dinheiro para pagar sua ex-mulher. "Tem atleta que para de jogar aos 30 anos e nunca pegou um avião sozinho. A vida é toda controlada e o preço é alto. Ele tem que cuidar da conta no banco, do supermercado, e não está preparado", acredita Kátia Rúbio.

Para ela, a figura do gestor de carreiras poderia ganhar espaço entre os jogadores. "O empresário só quer dinheiro e o clube quer tudo e mais um pouco. Mas falta quem gerencie a vida do cara, alguém que impõe limites e que ajude ele a se situar", acredita a psicóloga. "Minha imagem foi arranhada, mas graças a Deus superei. O povo te dá outra oportunidade", agradece Reinaldo, que ingressou na vida política. Nem sempre é assim. Nem sempre há uma segunda chance.